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Família para quem? O dilema das uniões estáveis paralelas

O problema desse posicionamento reside no fato de que a fidelidade e a lealdade não são elementos essenciais para a caracterização de uma união estável

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Atualizado às 17:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Segundo o artigo 1.723 do Código Civil, união estável é todo relacionamento entre homem e mulher, configurado na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família. Nota-se, com essa redação, que os elementos essenciais para a caracterização da união estável são: i) união pública ii) contínua e duradoura iii) estabelecida com intuito de constituir família.  

Para alguns doutrinadores ainda é possível estabelecer elementos acidentais para a caracterização de união estável, tais como o tempo do relacionamento, a existência de prole, a coabitação, dentre outros1.

Percebe-se com isso que em nenhum momento a fidelidade e exclusividade do casal foram utilizados como um critério caracterizador da união estável, o que permite concluir, até aqui, que não existe no Código Civil nenhum impedimento para o reconhecimento de uniões estáveis paralelas, desde que respeitados os requisitos essenciais.

Ocorre que, tal entendimento não é unânime na doutrina e na jurisprudência, a exclusividade da união, embora não esteja explícito no artigo 1.723 CC, é para muitos um requisito essencial para a caracterização da união estável, pois estaria interligado ao conceito de família que trata o referido artigo2.

Considerando essa divergência, hoje existem três posicionamentos doutrinários acerca da possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis paralelas. O primeiro deles entende que o fato de existir mais de um relacionamento ao mesmo tempo impede o reconhecimento de união estável para qualquer um deles, pois em nenhum dos casos haveria o cumprimento ao dever de lealdade exigida pelo instituto3.

No entanto, o problema desse posicionamento reside no fato de que a fidelidade e a lealdade não são elementos essenciais para a caracterização de uma união estável. 

Já a segunda corrente defende que deve ser aplicado no caso de simultaneidade de uniões estáveis a mesma regra do casamento putativo, ou seja, aquela pessoa de boa-fé, que foi enganada e não sabia que durante a união o seu companheiro(a) também tinha um relacionamento estável com outra pessoa, terá reconhecido todos os direitos resguardados por lei ao companheiro de boa-fé4.

Ocorre que, não há como igualar os institutos da união estável e do casamento para aplicação da regra do artigo 1.561 do CC. Além disso, existe uma dificuldade prática na segunda corrente que é definir a data de início dos relacionamentos, a fim de descobrir qual é o "legítimo" e qual seria o putativo5.

Por fim, a terceira corrente entende que todos os relacionamentos estáveis, se enquadrados nos requisitos legais, devem ser considerados como entidade familiares merecedoras de reconhecimento e fruição de direitos6.

Tanto o STF quanto o STJ adotam o posicionamento de impossibilidade de reconhecimento de uniões paralelas. Com a pacificação do tema 529 pelo STF ficou decidido que: "A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1° do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro".

Já o STJ segue no mesmo posicionamento conforme se observa na afirmação 04 Edição 50, Jurisprudência em teses do STJ afirmando que: "não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas".

No entanto, tal posicionamento dos tribunais superiores é completamente dissonante da realidade dos fatos. O fato de não reconhecerem juridicamente as uniões paralelas como entidades familiares não impede a existência desses arranjos familiares. Muito pelo contrário, privilegia algumas famílias em detrimento de outras com base em valores morais e não jurídicos.

_______________

1 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v 06. p.437.

2 TARTUCE, Flavio. Direito Civil: direito de família. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p 411.

3 Ibidem., p. 412.

4 OLIVEIRA, Euclides de. União Estável - Do concubinato ao casamento. 6 ed. São Paulo: Método, 2003. p. 128.

5 TARTUCE, Flavio. Direito Civil: direito de família. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p 414.

6 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 181

Schamyr Pancieri Vermelho

Schamyr Pancieri Vermelho

Advogada. Pós-graduanda em família e sucessões pela EPD. Membro e pesquisadora no Grupo de pesquisa "Planejamento patrimonial" da Faculdade Milton Campos.

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