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As sublocações na nova lei de franquias

Nova lei de franquias completou 1 ano e trouxe mudanças nas sublocações imobiliárias.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Atualizado às 09:38

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Quando toda a atenção estava voltada à pandemia causada pelo coronavírus, no dia 26 de março de 2.020 entrou em vigor a lei 13.966/19, que foi publicada em 27 de dezembro de 2.019, e revogou por completo a lei de Franquias antes vigente, 8.955/94.

De modo geral, o segmento de franquias recepcionou bem a nova lei, que não chega a apresentar grandes novidades, pois alguns dispositivos resultam de remansosa prática e jurisprudência, mas aprimorou conceitos, trouxe previsões sobre e-commerce, delivery, eleição de juízo arbitral, entre outros.

O que interessa ao presente estudo é o artigo 3º da lei em questão, pois este trouxe duas inovações em relação à lei de Franquias anterior, que nada dispunha a respeito das sublocações celebradas entre franqueadores e franqueados.

A primeira novidade é apresentada já no caput do aludido dispositivo, com a previsão de que nos "casos em que o franqueador subloque ao franqueado o ponto comercial onde se acha instalada a franquia, qualquer uma das partes terá legitimidade para propor a renovação do contrato de locação do imóvel, vedada a exclusão de qualquer uma delas do contrato de locação e de sublocação por ocasião da sua renovação ou prorrogação, salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos ou do contrato de franquia".

Como se vê, a nova lei de Franquias concede legitimidade a ambas as partes - franqueador-sublocador e franqueado-sublocatário - para propositura da ação de renovação do contrato de locação. Antes da entrada em vigor do novo diploma, aplicava-se ao tema a regra ostentada na lei 8.245/91 - lei de Locações, cujo parágrafo único do artigo 51 atribui exclusiva legitimidade ao sublocatário para propositura da ação renovatória, no caso de sublocação total do imóvel objeto da locação.

Nesse ponto, a nova lei de Franquias mostrou-se bem-vinda, pois a extensão da legitimidade ao franqueador-sublocador está alinhada ao propósito da ação renovatória, que é priorizar a continuidade da atividade econômica empresarial. Por essa razão, a demonstração da exploração do fundo de comércio, o que se presume existir após o decurso de 3(três) anos de desenvolvimento da mesma atividade e no mesmo local, é um dos requisitos que devem ser comprovados pelo autor da ação renovatória, de acordo com o inciso III, do artigo 51 da lei de Locações.

Pontua-se que, na sistemática da lei de Locações, quando a sublocação é de todo o imóvel, a figura do sublocador fica suprimida na ação renovatória proposta pelo sublocatário, pois somente este é o possuidor do fundo de comércio. Sobre tal aspecto, esclarece o douto Silvio de Salvo Venosa¹ que, "se o locatário e sublocatário possuem fundo de comércio comum, justifica-se o litisconsórcio entre ambos".

O fundo de comércio² desenvolvido pelo franqueado no imóvel objeto da locação está intimamente ligado ao modelo de operação criado ou desenvolvido pelo franqueador³. Desse modo, a legitimidade contemplada ao franqueador-sublocador para propor ação renovatória do contrato de locação está ajustada ao escopo de ambos negócios - franquia e locação -, integrando a interpretação sistemática e teleológica dos direitos relacionados.

Ressalta-se que, por se tratar de disciplina de natureza processual, o caput do artigo 3º em comento deve ter aplicação imediata nas ações renovatórias propostas a partir de sua entrada em vigor4, alcançando as locações já existentes.  

A segunda novidade apresentada no parágrafo único, do artigo 3º da lei 13.966/19, trata-se da previsão de que "o valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador, nas sublocações de que trata o caput, poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial".

Tal regra poderá pacificar celeuma não rara de ser encontrada nos tribunais pátrios, em razão do artigo 21 da lei de Locações determinar que o valor do aluguel na sublocação não poderá exceder o da locação. No entanto, há situações em que o franqueador aluga o imóvel e nele realiza maiores investimentos para padronizá-lo à franquia e extrair o melhor aproveitamento do negócio e, com isso, agrega-se um valor à locação, o que nem sempre foi passivamente aceito pelo sublocatário-franqueado, tendo provocado o ajuizamento de muitas demandas consignatórias de aluguel, fundamentadas no parágrafo único do mesmo artigo 21 acima citado, que ampara a redução do valor do aluguel pelo sublocatário àquele ajustado no contrato base.

É cediço que a vedação ostentada no artigo 21 da lei de Locações possui cunho ético e moral, princípios estes que não são vilipendiados quando se tem uma justificativa para o acréscimo no valor da locação, em relação ao contrato original.

Para possibilitar que o valor do aluguel na sublocação seja superior ao da locação, o parágrafo único da lei de Franquias apresenta os seguintes requisitos: "I - essa possibilidade esteja expressa e clara na Circular de Oferta de Franquia e no contrato; e II - o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia".

A exigência de constar expressamente na Circular de Oferta de Franquia (COF) e no contrato de franquia a possibilidade de o valor do aluguel ser maior do que o valor ajustado na locação originária deve ser assimilada sem dificuldade, pois atende aos princípios contratuais básicos, especialmente o princípio da boa-fé objetiva, que deve estar presente em todos os tipos e naturezas de contrato.

Vale destacar que, o já mencionado parágrafo único do artigo 21 da lei de Locações, apresenta uma faculdade ao sublocatário, quando diz que ele poderá exigir a redução do valor do aluguel àquele ajustado no contrato base. Assim, mesmo sob a égide da lei de Locações, é discutível a tentativa de redução do valor do aluguel pelo sublocatário, se ele teve ciência prévia de tal disparidade em relação ao contrato base, mas concordou com o valor ajustado em seu contrato.

Sob o enfoque do locador, VENOSA observa5 que, ao locador restará pedir o despejo por infração legal, se a sublocação não for autorizada. Se a sublocação consta de autorização, não haverá infração legal do locatário se recebe mais do que paga, salvo se as partes transformaram a disposição em cláusula contratual. 

Portanto, é de se concluir que o locador não ostentará interesse jurídico em relação ao aluguel ajustado na sublocação, se autorizar a sublocação sem ressalvar que o aluguel do sublocatário deverá limitar-se ao valor pago pelo locatário, acrescentando-se que não há previsão legal que permita ao locador exigir a majoração do aluguel fixado no contrato base, em razão de superioridade existente na sublocação.

Retomando-se o exame do parágrafo único do artigo 3º da lei de Franquias, nota-se que o dispositivo não exige contrapartida ao sublocatário ou causa para o acréscimo no valor do aluguel em relação ao aluguel principal. Estaria nessa lacuna a conexão com a vedação à onerosidade excessiva prevista no inciso II do mesmo artigo 3º? Parece que o legislador autorizou o ajuste de aluguel superior independentemente de qualquer causa, por exemplo, a introdução de melhorias no imóvel pelo franqueador sublocador, mas tentou equilibrar a relação ao trazer os temas da onerosidade excessiva e equilíbrio econômico-financeiro do contrato; é como se tivesse advertido o franqueador para não ser ganancioso no estabelecimento de aluguel e, com isso, provocar desproporção frente à receita do locatário. O equilíbrio econômico-financeiro seria a régua na fixação do aluguel do sublocatário, o que não parece ser um bom critério.    

Vale anotar que a questão da onerosidade excessiva possui tratamento no Código Civil, em seus artigos 478 a 480, através dos quais restou estabelecida a possibilidade de resolução contratual nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

A par da existência de disciplina normativa para o tema da onerosidade excessiva nos contratos, parece dispensável a inclusão dessa questão ao tratar do valor do aluguel na sublocação. 

A parte final do dispositivo refere ao restabelecimento do equilíbrio econômico do contrato, portanto, verificada a onerosidade excessiva na sublocação, seria o caso de ser feita a revisão do aluguel e não a resolução contratual. Oportuno advertir que, nesse caso, não se trata da ação revisional de aluguel prevista no artigo 19 da lei de Locações, posto que a causa desta ação é o desalinhamento do valor do aluguel em relação ao mercado imobiliário, independentemente de também se verificar a ocorrência de onerosidade excessiva. 

Por outro lado, se a superioridade do aluguel na sublocação encontra equivalência em alguma justificativa ofertada ao sublocatário, inadmite-se falar em revisão do aluguel por onerosidade excessiva.   

Vale destacar a previsão do parágrafo único do artigo 421 do Código Civil, que foi incluído pela lei 13.784/2.019, lei da Liberdade Econômica, de que "Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual".

É nos ditames da lei da Liberdade Econômica que se verifica o caminho para reduzir conflitos na sublocação nas franquias, trilhado na redação do inciso I do artigo 421-A do Código Civil, pelo qual "as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução".

Assim, parece de salutar providência que a fixação do aluguel na sublocação, se superior ao da locação, seja justificado no contrato, e que haja o estabelecimento dos parâmetros para sua revisão, com intuito de evitar demandas complexas e duradouras, que seriam extremamente prejudiciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. 

Alguns textos jurídicos que abordam a nova lei de Franquias relatam as aparentes antinomias desta frente a lei de Locações, o que não deve prevalecer, em razão do critério da especialidade, descrito no brocardo "lex specialis derogat legi generali", e positivado no §2º do artigo 2º da lei de Introdução às normas do Direito brasileiro

Apesar dos apontamentos apresentados em relação ao inciso II, as inovações trazidas pelo artigo 3º da nova lei de Franquias vieram ao encontro dos anseios do segmento, pois se harmoniza ao modelo de negócios das franquias, em que não é incomum o franqueador realizar substanciais investimentos no imóvel por ele locado, adequando-o ao alcance dos propósitos da marca, o que representa efetivo benefício não apenas ao franqueador sublocador, mas também ao locatário franqueado. Tal contexto justifica, portanto, a legitimidade de ambos para renovar o contrato de locação, assim como a possibilidade de ser ajustado aluguel em valor superior ao do contrato de locação originário, sem que se possa afirmar a existência de enriquecimento sem causa do franqueador.

Desse modo, os permissivos apresentados ao franqueado-sublocador devem aumentar a sua segurança, em razão da possibilidade de defender a continuidade de seu fundo de comércio e a cobrança de aluguel mais adequado, fomentando, por conseguinte, o desenvolvimento do mercado de franquias e das sublocações.

_________________

1. VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada. São Paulo: Atlas, 2.019. Capítulo 7.8, p. 14.

2. Código Civil: Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

3. Lei 13.966/19: Art. 1º. Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

4. O Art. 14 do Código de Processo Civil prevê:  A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada

5. Obra já citada, seção 1.3.7, p. 197.

Fernanda Kelly Inacio Halliwell

Fernanda Kelly Inacio Halliwell

Advogada e sócia do escritório Inacio & Spehar Sociedade de Advogados, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB.

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