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A eficácia da garantia fiduciária de recebíveis diante do pedido de Recuperação Judicial

Apesar da previsão legal acerca da natureza extraconcursal de crédito com garantia fiduciária, há divergência na interpretação do referido dispositivo legal pela Jurisprudência.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Atualizado às 10:27

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O artigo 49, §3º, da lei 11.101/05 é claro ao dispor que tratando-se de credor titular de posição de proprietário fiduciário de bens móveis, seu crédito não se submeterá aos efeitos da Recuperação Judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais¹.

No entanto, apesar da previsão legal acerca da natureza extraconcursal de crédito com garantia fiduciária, há divergência na interpretação do referido dispositivo legal pela Jurisprudência.

No Tribunal de Justiça de São Paulo existia uma controvérsia quanto a necessidade da descrição dos títulos entregues em cessão fiduciária como requisito formal da constituição da garantia, pois, apesar de o Superior Tribunal de Justiça dispensar o registro do documento de dívida no cartório do domicílio da devedora, não havia, até o momento, tratado da questão atinente à especialização.

No entanto, o C. STJ, em julgado (9/04/2019), REsp 1.797.196-SP (2017/0238573-1), por unanimidade da Terceira Turma, tendo como relator o Min. MARCO AURÉLIO BELIZZE, concluiu que o objeto da cessão fiduciária é o direito creditório e que é possível a alienação fiduciária de crédito futuro.

Em razão desse julgado, a questão da individualização dos títulos para constituição da garantia foi superada, porém, surgiu outra discussão sobre o tema, uma revisão de posicionamento para créditos a performar.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, no estudo sobre a concursalidade ou não do crédito, passou a enfrentar a questão sobre os créditos futuros, performados e a performar, na esteira da nova jurisprudência que está a se formar sobre o tema.

Conforme se verifica em algumas decisões das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial², é necessário distinguir, dentre os créditos futuros cedidos fiduciariamente em garantia, aqueles já performados (créditos já constituídos) na data do pedido de recuperação judicial, daqueles ainda não performados (i.e., ainda não constituídos) naquela data.

Nessa situação, de acordo com esse novo entendimento, entende-se que no caso de créditos futuros, embora válida a cessão, a constituição da propriedade fiduciária fica sujeita ao implemento de condição suspensiva: a constituição do crédito cedido em garantia. Enquanto isso não ocorre, a eficácia da cessão resta suspensa, inexistindo propriedade fiduciária (cf. art. 125, do CC), porque inexistente seu objeto. Daí se conclui, com fundamento no que dispõe o caput do art. 49 da lei 11.101/05, que apenas os créditos performados, ou seja, constituídos até a data da distribuição da recuperação judicial, devam ser considerados de natureza extraconcursal, diante da inegável constituição/efetivação da garantia fiduciária.

De acordo com esse novo entendimento, os créditos a performar ou inexistentes ao tempo da distribuição da recuperação judicial devem ser considerados concursais, pois, inversamente do que ocorre com os performados, não há, por parte da Recuperanda, neste momento, livre disposição que autorize formar a alienação fiduciária do crédito futuro.

Ressalta-se que há controvérsia sobre o tema, esse posicionamento é recente, porém, tende a ser firmar na jurisprudência. 

Também, há algumas decisões esparsas no sentido de não ser possível a amortização saldo em conta durante o período de "stay period", mesmo diante da existência de alienação fiduciária, diante da necessidade de preservação da empresa e da possibilidade de comprometimento do pagamento dos credores da RJ³.

Em que pese tal situação, ainda prevalece, no Tribunal de Justiça de São Paulo, o entendimento de que a superveniência de pedido de recuperação judicial não retira a eficácia da garantia fiduciária mesmo em relação aos recebíveis ainda não performados, nos termos do §3º do art. 49 da LRF4.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça até o momento não tratou da questão sobre os créditos futuros, performados e a performar para fins de eficácia da garantia fiduciária diante da Recuperação Judicial.

Porém, o entendimento predominante da Corte é no sentido de que a efetivação da transferência da titularidade dos direitos dados em garantia ao credor fiduciário ocorre a partir da contratação da cessão de créditos ou de títulos de créditos, estando os bens correlatos excluídos do plano de recuperação judicial do devedor cedente, independentemente de seu registro no Cartório de Títulos e Documentos5.

Como se vê, o Tribunal de Justiça de São Paulo está inovando a questão sobre a natureza dos créditos com alienação fiduciária de recebíveis, o que, certamente, gera uma insegurança jurídica sobre a questão e um risco aos credores na hipótese de retenção de saldo em conta vinculada durante o processamento da Recuperação Judicial.

__________

1. "Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(...)

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial."

2Agravo de Instrumento 2201239-26.2020.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. ARALDO TELLES, de 9 de abril de 2021; Agravo de Instrumento nº 2274677-56.2018.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. GRAVA BRAZIL, de 13 de maio de 2019.

3. Agravo de Instrumento 2232658-35.2018.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Grava Brazil, de 12 de março de 2019.

4Agravo de Instrumento 2237429-85.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. AZUMA NISHI, de 17 de março de 2021, Agravo de Instrumento nº 2224255-09.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. AZUMA NISHI, de 17 de março de 2021, Agravo de Instrumento nº 2220713-80.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. AZUMA NISHI, de 17 de março de 2021.

5. STJ, AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1552342 - SP (2019/0220039-0), Rel. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, de 20 de abril de 2020.

Camila Marques

Camila Marques

Advogada do escritório Ferraz de Camargo Advogados.

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