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A nova sistemática de correção monetária dos débitos trabalhistas após o julgamento conjunto das ADCs 58 e 59 e das ADIs 5867 e 6021

Após o julgamento conjunto das ADCs 58 e 59 e das ADIs 5867 e 6021 recentemente realizado pelo STF, muitas dúvidas surgiram quanto ao rumo das execuções trabalhistas acerca da correção monetária e o cômputo dos juros de mora.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Atualizado às 12:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. INTRODUÇÃO

Uma vez consagrado o direito fundamental a propriedade no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal de 1988, o legislador se preocupou em garantir a preservação do valor real da moeda através da correção monetária, que tem como único escopo minimizar a desvalorização da moeda¹, ocorrendo inclusive a edição da Medida Provisória 294/91 convertida na lei 8.177/91, que dispõe sobre as regras para a desindexação da economia e outras providências².

Nesse mesmo propósito, ao editarem o Código Civil de 2002, os legisladores criaram o Título IV - Do Inadimplemento das Obrigações (artigo 389 e seguintes) para tratar da correção monetária e juros de mora, devidos, segundo sua redação, nos casos em que não ocorre o adimplemento de uma obrigação³, aplicando-o de forma supletiva, quando necessário e compatível, aos processos trabalhistas.

E quanto à correção monetária brasileira, a grande celeuma consiste na escolha do indexador mais adequado para cumprir a finalidade legislativa de garantir o valor real da moeda, já que o sistema econômico pátrio conta com inúmeros indexadores como o INPC, IGP-DI, IGP-M, TR, IPCA-E, Selic dentre outros.

Nos processos trabalhistas esse imbróglio não é diferente, já que a correção monetária de débito laboral se inicia no momento em que a obrigação deixou de ser satisfeita na própria época definida em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual, conforme dispõe do artigo 39 da lei 8.177/91, aplicando-se, inclusive, às entidades submetidas a regime de intervenção ou liquidação judicial nos termos da Súmula 304 do TST4, gerando frequentemente um ciclo de discussões relacionadas ao melhor indexador, longe de chegar a seu fim.

2. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A correção dos débitos trabalhistas, atualmente rediscutida pelo Supremo Tribunal Federal, já contou com inúmeras legislações a disciplinando, como o Decreto-lei 75/665; a lei 6.423/776, que instituiu a correção pela variação nominal da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN); o decreto-lei 2.332/877, que vinculou a correção monetária às variações nominais da Obrigação do Tesouro Nacional - OTN; a lei 7.738/898, que determinou que a correção monetária deveria observar os índices de atualização dos saldos dos depósitos de poupança; incluindo o índice de 84,32% do Plano Collor, nos termos da Orientação Jurisprudencial 203 da SBDI-1; a lei 8.177/91, que em seu artigo 39 determinou que a correção monetária deveria observar a Taxa Referencial - TR.

Ocorre que em meados de 2015, ao julgar o ArgInc - 479.60.2011.5.04.02319, o Tribunal Superior do Trabalho - TST decidiu que os créditos oriundos de ações trabalhistas deveriam ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E, por ser o indexador que de fato cumpre a finalidade da correção monetária de preservar o valor real da moeda, enquanto a TR, cujos índices encontram-se zerados desde setembro de 2017, segundo os N. Ministros, lesa o patrimônio do credor/empregado, aferindo-lhe a perda de seu poder aquisitivo, violando claramente a finalidade do referido instituto, razão pela qual à época a aplicação da TR foi considerada inconstitucional pela Corte.

Como historicamente ocorre, a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal através da ADI 4.42510, apreciada pelo Pleno, que determinou a incidência do IPCA-E para a correção monetária dos débitos trabalhistas a partir de 26 de março de 2015, sendo o período anterior corrigido pela TR. 

Ocorre que com a vigência da lei 13.467/1711 (reforma trabalhista), e a inclusão do §7º no artigo 879 da CLT, determinando expressamente que os débitos trabalhistas deveriam ser corrigidos monetariamente pela TR, mesmo após o STF rechaçar seu uso, sob a fundamentação de que a correção monetária que nada corrige deveria ser considerada inconstitucional12, uma das razões pela qual o referido dispositivo legal foi alterado pela Medida Provisória 905/1913, em que foi determinada a correção monetária dos débitos trabalhistas pelo IPCA-E, ou por índice que o substitua.

Ou seja, interpretando as informações supracitadas, a TR seria utilizada até 25 de março de 2015, após o seria aplicado IPCA-E até 11 de novembro de 2017 (vigência da reforma trabalhista), retornando a TR até 11 de novembro de 2019 (vigência da Medida Provisória 905), e após, o IPCA-E.

Ainda não esgotada a discussão, o STF realizou, no segundo semestre de 2020, o julgamento conjunto das ADC 58, ADC 59, ADI 6.021 e ADI 5.867, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ainda não transitadas em julgado em razão da oposição de Embargos de Declaração pendentes de julgamento, cujo conteúdo decisório, com efeito erga omnes pode ser extraído do que consta da certidão de julgamento acostada aos autos dos referidos julgados, determinando em síntese que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho "deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase prejudicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC"

Ademais, o entendimento supracitado foi melhor alinhado na Reclamação Constitucional 46.023/MG14, julgada no mês de março de 2021, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, em que em consonância ao entendimento do Pleno, foi esclarecido que o índice Selic engloba correção monetária e juros de mora, in verbis:

"(...) A decisão proferida por esta CORTE no julgamento conjunto da ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867 (Rel. Min. GILMAR MENDES) conferiu interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela lei 13.467 de 2017, no sentido de que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil).

(...)

Assim, a determinação conjunta de pagamento de juros de mora, equivalentes aos índices da poupança, e de atualização monetária pela taxa SELIC, como consta do ato ora reclamado - implica em violação ao quanto decidido na ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867 (Rel. Min. GILMAR MENDES)".

Desse modo, os parâmetros de correção monetária até então vigentes, bem como a incidência dos juros de mora devidos a partir do ajuizamento da reclamação trabalhista (artigo 883 da CLT) no importe de 1% ao mês, conforme dispõe o art. 39, §1º lei 8.177/91, salvo nos casos em que a Reclamada seja a Fazenda Pública, desde que não seja condenada subsidiariamente, conforme dispõe a Súmula nº 382 - SDI-1 do TST, perdem sua aplicação, o que gera dúvidas quanto: (1) qual o entendimento atual do TST sobre o tema, e (2) quais processos serão impactados pelo entendimento vinculante do STF.

Quanto primeira dúvida, em análise jurisprudencial não exaustiva realizada nas ferramentas eletrônicas disponibilizadas pelo Superior Tribunal do Trabalho em seu site, utilizando para a pesquisa livre as expressões: "IPCA-E" "coisa julgada"; "ADC 58 e ADI 5867"; e "ADC 59 e ADI 6021", após encontrar pouco mais de 150 decisões, se observa que a Corte o tem seguido integralmente, como pode-se verificar nas ementas do Ag-RR-10740-46.2015.5.15.0067, julgado pela 4ª Turma, de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 28/05/202115; do ED-RR-230500-27.2001.5.02.0462, julgado pela 8ª Turma, de relatoria da Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 28/05/202116; do RRAg-1000231-81.2019.5.02.0254, julgado pela 5ª Turma, de relatoria do Desembargador Convocado Joao Pedro Silvestrin, DEJT 28/05/202117.

Melhor esclarecendo, a correção monetária e cômputo dos juros de mora dos créditos trabalhistas ocorrerá a partir de então pelo IPCA-E e juros de mora a taxa mensal legal até a data da citação (fase pré-judicial), e após, apenas pela Selic que engloba correção monetária e juros.

Já quanto segunda dúvida, sobre quais processos terão a incidência do entendimento vinculante, o TST muito bem a sanou no julgamento do ARR-98800-06.2009.5.04.010118, em que previu 04 possibilidades de incidência:

1) para os débitos trabalhistas já pagos, de forma judicial ou extrajudicial: devem ser mantidos os critérios que foram utilizados (TR, IPCA-E ou qualquer outro índice), acrescidos dos juros de mora de 1% ao mês;

2) para os processos com sentença já transitada em julgado, com a previsão expressa do indexador e taxa de juros de mora: devem ser mantidos os critérios adotados na fundamentação ou em sua parte dispositiva (TR ou IPCA-E), com os juros de 1% ao mês, para não ferir o instituto da coisa julgada;

3) para os processos em curso, com andamento sobrestado na fase de conhecimento, com ou sem sentença proferida, inclusive na fase recursal: deve-se aplicar, de forma retroativa, o entendimento vinculante, ou seja, a taxa SELIC (juros e correção monetária) após a citação;

4) para os feitos já transitados em julgado, que sejam omissos quanto aos índices de correção monetária e à taxa de juros: aplica-se a decisão vinculante proferida pelo STF, ou seja, adota-se a taxa SELIC, após a citação, contemplando tanto a correção monetária, como os juros de mora.

3. A HIPÓTESE DA SENTENÇA PARCIALMENTE OMISSA

Embora o C. TST tenha buscado garantir solução a todas as possibilidades casuísticas possíveis quanto ao tema ora tratado, se esqueceu de uma quinta possibilidade em que o título executivo judicial é parcialmente omisso quanto a correção monetária, ou seja, nos casos em que o MM. Juízo determine a incidência dos juros de mora sob taxa mensal de 1% ao mês, ou outro de acordo com a lei aplicável ao caso, porém nada discrimina quanto ao indexador de correção monetária a ser utilizado na fase de liquidação.

Nesse caso como dispõe a Súmula 211 do TST deverá ocorrer a correção monetária do crédito, independentemente de qualquer omissão quanto ao tema, porém diante do caso concreto atualmente proporcionado pelo julgamento conjunto das ADC 58, ADC 59, ADI 6.021 e ADI 5.867, as partes, bem como seus procuradores, assistentes técnicos e/ou peritos contábeis, não sabem como proceder na fase de liquidação, por resultar em problemas jurídicos graves como o enriquecimento ilícito de uma das partes e o afastamento da credor (normalmente o empregado) da execução plena e célere de seu direito, já que a má liquidação enseja novos atos processuais impugnatórios.

Ademais, o Juízo também enfrentará um imbróglio já que uma vez determinado o cômputo dos juros de mora a uma taxa mensal estipulada até o término do cálculo, garantido, portanto, pelo instituto da coisa julgada nos termos do art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, sua eventual modificação nesse ponto encontrará óbice, bem como a aplicação do entendimento atual aplicado pelo C. TST nos casos em que a sentença é omissa.

Isso porque, a aplicação da decisão vinculante proferida pelo STF, ou seja, a adoção do IPCA-E até a citação (fase pré-processual) e após a Selic, que contempla tanto a correção monetária, como os juros de mora, acarretaria anatocismo (juros sobre juros, proibido pelo Decreto 22.626/3319 - lei da Usura), impossibilitando, portanto, a incidência dos juros de mora nos termos transitados em julgado no título judicial parcialmente omisso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema correção monetária sempre foi muito discutido no Poder Judiciário brasileiro, sobretudo na Justiça do Trabalho nos últimos anos, e a utilização de um indexador que de fato garanta a preservação do valor real da moeda deve ser almejado por todos.

A utilização da Taxa Referencial - TR, como entendeu e ainda entende o STF, é inconstitucional por encontrar-se zerada desde setembro de 2017, lesando o detentor da moeda desvalorizada e embora a discussão na Corte Superior ainda não tenha chegado ao fim, em decorrência de seu efeito vinculante, seus efeitos imediatos precisam ser corretamente analisados e modulados para que as partes não sejam prejudicadas, ou ilicitamente beneficiadas.

A Selic embora contemple a correção monetária e os juros de mora, acumula em um período de 12 meses o percentual de 3,5%20, o que inegavelmente é inferior ao IPCA-E + juros de 12% ao ano (1% ao mês), ou até mesmo a TR zerada + 12% de juros ao ano.

Essa breve digressão, busca analisar de forma crítica-reflexiva se a postura adotada pelos Tribunais brasileiros quanto aos indexadores utilizados para a correção monetária dos créditos trabalhistas busca de fato garantir a preservação da moeda, ou o aumento da miserabilidade do empregado que recorre a Justiça como última saída para que seus direitos mínimos constantemente violados sejam garantidos.

Contudo, de acordo com o atual entendimento jurisprudencial, danoso à parte hipossuficiente duplamente lesada, aquele que é inadimplente, não receberá qualquer sanção pecuniária em caráter disciplinar, sendo, portanto, recompensado por deixar de cumprir a lei.

__________

1. CAPELOTTO, Lademir José. Cálculos Trabalhistas: correção monetária e juros de mora. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, pág.303 (9788544231210)

2. BRASIL. Lei 8.177/91. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 03 de junho de 2021.

3. BRASIL. Lei 10.406/02 - Código Civil. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 03 de junho de 2021.

4. BRASIL. Súmula n 304 TST. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 03 de junho de 2021.

5. BRASIL. Decreto-Lei  75/66. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

6. BRASIL. Lei 6.423/77. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

7. BRASIL. Decreto-Lei  2.332/87. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

8. BRASIL. Lei 7.738/89. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

9.  BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 07 de junho de 2021.

10. BRASIL. Supremo Tribunal Federal - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

11. BRASIL. Lei 13.467/2017 - Reforma Trabalhista. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

12. SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista: análise da lei 13.467/2017- artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, pág. 88 (978-85-203-7412-2).

13. BRASIL. Medida Provisória nº 905/2019. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 07 de junho de 2021.

14. BRASIL. Supremo Tribunal Federal - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

15. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

16. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

17. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

18. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho - Consulta processual. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

19. BRASIL. Decreto 22.626/33 Lei da Usura. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

20. BRASIL. Banco Central. Taxa Selic. Brasília. DF. Disponível aqui. Acesso em 05 de junho de 2021.

Edilson Moreira Bueno

Edilson Moreira Bueno

Advogado atuante na fase de liquidação e execução de ações oriundas de acidentes de trabalho. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC-MG.

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