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A ilegal exclusão do perfil de Ícaro de Carvalho do Instagram e a liminar que ordenou seu restabelecimento

Entenda porque é ilegal a exclusão do perfil de Ícaro de Carvalho da plataforma Instagram, que tinha cerca de um milhão de seguidores e é fundador da escola "O Novo Mercado", em decorrência de supostas violações aos termos de uso.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Atualizado em 23 de julho de 2021 10:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Com a expansão da internet ocorreu um grande aumento de usuários nas redes sociais, tais como o Instagram, tornando-as ferramentas indispensáveis para a comunicação e verdadeiros espaços de troca e de desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Em caso recente, em 8/6/21, o influenciador digital e fundador da escola de negócios "O Novo Mercado", Ícaro de Carvalho, que detinha no Instagram cerca de 1.000.000 (um milhão) de seguidores, foi surpreendido com a exclusão do seu perfil com base em suposta violação aos termos de uso da plataforma.

Ícaro de Carvalho enquanto influenciador, pregou valores caros a todos: família e trabalho; é autor de frases célebres como "minha pátria é minha família" e "o que enrique é o trabalho depois do trabalho", e a restrição ao acesso do influenciador à comunidade virtual - meio indispensável ao exercício de sua atividade e contato com outras pessoas - constitui proibição arbitrária, violadora da liberdade de expressão dele, o desenvolvimento livre de sua personalidade e de sua liberdade de locomoção no ciberespaço.

O que espanta é que, além da desativação sem notificação prévia ou advertência, conforme relatado no processo que ele move contra o Instagram, autos 1013265-83.2021.8.26.0562, não houve prestação de informações claras ao influenciador acerca de quais termos haviam sido violados ou mesmo sobre a possibilidade de reaver a sua conta. 

No Brasil, a liberdade de expressão e de comunicação, inclusive nos meios digitais, é assegurada pela Constituição Federal e pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), legislação que regulamenta o uso da internet em território nacional. Apesar disso, a repercussão de casos como o do Ícaro de Carvalho, de bloqueio unilateral de perfis de usuários por iniciativa das plataformas, caracterizam medidas arbitrarias que violam o exercício de direitos e de liberdades humanas fundamentais, e têm sido motivo de preocupação no âmbito das redes.

Sendo certo que o perfil de Ícaro de Carvalho além de uma ferramenta de comunicação e de divulgação da sua escola de negócios voltada à área do marketing digital, era também uma maneira dele expressar sua pessoa no ciberespaço; sendo a exclusão de sua conta do Instagram uma atitude arbitrária que incorre em diversas ilegalidades, das quais podemos destacar: i) o cerceamento da liberdade de expressão e de comunicação do usuário; ii) a violação ao direito do contraditório e da ampla defesa; iii) ofensa ao direito de existência da personalidade humana nos meios digitais; iv) prejuízo à liberdade de locomoção no ciberespaço.

As quais serão tratados nos tópicos abaixo. 

  1. Do Cerceamento da Liberdade de Expressão e de Comunicação do Usuário da internet.

Em meio ao forte impacto da internet nas interações sociais, tornou-se necessário garantir aos usuários da rede o pleno exercício dos seus direitos fundamentais, de maneira que em 2014 foi promulgado o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014 - "MCI"), que no geral, estabelece diversas diretrizes, direitos e obrigações para os usuários da Internet e às empresas que atuam neste mercado.

Dentre as diversas determinações do Marco Civil da Internet, destacamos que existe especial proteção para o direito de o usuário acessar a rede e à liberdade de expressão. Comprovam isso os Arts. 2º, 3º e 8º da Lei, que constituem verdadeiros princípios fundamentadores e norteadores do direito à rede:

"Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão [...] 

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal. 

Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet."

Nesse caminho, como uma forma de garantir a livre expressão nas comunicações, bem como evitar atos de censura, o Marco Civil da Internet assegura aos usuários da rede o direito ao contraditório e à ampla defesa quando suas manifestações na rede forem questionadas, antes de qualquer sanção.

Também, em prol da liberdade de expressão, estabelece que a exclusão de conteúdos, que podem ser entendidos como posts, comentários e ou perfis, pelos provedores de aplicações de internet (entenda-se os administradores de plataformas digitais como o Instagram) ocorrerá somente mediante ordem judicial específica que identifique claramente o conteúdo apontado como infringente que deve ser removido, conforme o art. 19 da lei.

"Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

Como se conclui de uma breve leitura do artigo supracitado, a remoção extrajudicial de conteúdos não é permitida em regra pelo ordenamento jurídico brasileiro, evitando assim, que plataformas digitais passem a decidir o que pode e o que não pode ser dito, em tentativa de se tornarem órgãos de censura. Ou seja, não cabe às plataformas, como o Instagram, mediante a simples alegação de violação aos seus termos de uso, emitirem juízos de valor daquilo que ultrapassa ou não a liberdade de expressão por mera deliberação unilateral, e sobre essa premissa, censurar postagens e ou perfis, sem ordem judicial.

A única exceção à regra estabelecida no Art. 19, está no Art. 21 e ocorre quando existem conteúdos que lesem direitos da personalidade ligados à intimidade sexual que exponham atos sexuais de terceiros sem autorização deles.

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo."

Dessa forma, e somente diante dessa prerrogativa, é permitida a remoção de conteúdo sem ordem judicial. Isto é, em momento algum a legislação brasileira permite que as plataformas façam o próprio juízo de valor de conteúdos e ou perfis, e sobre esse juízo de valor particular decidam se o conteúdo pode ou não existir, em atitude claríssima de censura. 

  1. Da Violação ao Direito do Contraditório e da Ampla Defesa 

Tal como se expôs acima, o Marco Civil da Internet impede a remoção de conteúdo e ou de perfis sem ordem judicial específica para tanto, a fim de coibir a censura prévia pelas redes sociais.

Também, a mesma Lei garante o respeito ao contraditório e ampla defesa aos usuários que possuem conteúdos questionados, conforme Art. 20 do Marco Civil da Internet:

"Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário."

Ademais, a prerrogativa do contraditório e ampla defesa, seja em via judicial, seja em via administrativa, extrajudicial, é cláusula pétrea de nossa Constituição Federal, nos termos do inciso LV do art. 5º da CF:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Ainda assim, conforme faz prova o caso do Ícaro de Carvalho, essa prerrogativa de respeito ao contraditório e ampla defesa não foi respeitada pelo Instagram, que apenas excluiu o perfil dele, sem qualquer aviso prévio e ou oportunidade de defesa prévia ao ato de exclusão; revelando, além da censura feita pela plataforma, a violação à prerrogativa constitucional de exercício pleno do contraditório e da ampla defesa. 

  1. Da Ofensa ao Direito de Existência da Personalidade Humana nos Meios Digitais 

Além do Instagram atuar como órgão de censura e violar os direitos ao contraditório e ampla defesa do Ícaro de Carvalho, ao ter excluído o seu perfil, também violou o direito de existir e de desenvolver a sua personalidade no meio digital. Veja-se que o livre desenvolvimento da personalidade e da cidadania nos meios digitais, está previsto no Art. 2º do Marco Civil da Internet como um desdobramento dos pilares que disciplinam o uso da rede no Brasil.

"Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:

II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais."

Embora não haja definição legal específica acerca do conceito de desenvolvimento da personalidade no ambiente virtual e, uma vez que o presente artigo não pretende trazer à tona os mais diversos entendimentos doutrinários acerca do tema, cumpre considerar que o desenvolvimento da personalidade nas redes, ao ver dos autores, é a extensão de um conjunto de características e atributos da própria pessoa humana no ambiente virtual.

Entende-se, portanto, que o indivíduo possui o direito e a prerrogativa de não ter violada a sua existência e a manifestação de sua personalidade no ciberespaço, ao contrário do que fez o Instagram com o perfil de Ícaro de Carvalho que lhe cerceou o direito de existir e permanecer no ciberespaço. 

  1. Do Prejuízo à Liberdade de Locomoção no Ciberespaço 

Por fim, o Instagram ao restringir o acesso à plataforma e excluir o perfil de Ícaro de Carvalho, também incorreu em violação à liberdade de locomoção do usuário dentro do ciberespaço.

Isto é, embora o direito de ir e vir esteja associado a um conceito propriamente físico, que remonta à época em que a internet não existia, os Autores propõem que o direito fundamental à liberdade de locomoção e de circulação expresso no inciso XV do art. 5º da CF, deve ser estendido aos espaços virtuais, da mesma forma que o direito ao desenvolvimento da personalidade atinge esses meios, de maneira que seja permitindo a livre locomoção digital no sentido de os usuários não só não serem impedidos de estarem nas redes sociais desenvolvendo a própria personalidade, mas também, ter acesso as redes sociais e lá conviverem e terem contato com outros indivíduos.

Art. 5 º. XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Dessa forma, deve ser garantida a livre locomoção dos usuários no ciberespaço, no sentido deles poderem acessar as redes sociais disponíveis para a interação social que lá existe nos tempos atuais.

Diante do que se expôs, pode-se concluir que a exclusão do perfil de Ícaro é absolutamente ilegal e abusiva, ferindo no mínimo as quatro prerrogativas dele expostas acima, de maneira que, nos autos do processo nº 1013265-83.2021.8.26.0562 o Juízo acertou ao deferir a liminar e ordenar que o Instagram reative a conta do Ícaro de Carvalho.

Por fim, não deixemos de destacar que a exclusão do perfil de Ícaro de Carvalho, é uma injustiça que deve indignar a todos enquanto cidadãos; seja pelos motivos aqui expostos, seja por nós enquanto sociedade. A violação dos direitos dele, a tentativa do Instagram de o calar, é uma violação do direito de todos enquanto sociedade, é um sinal claríssimo da arbitrariedade ilícita com que o Instagram atua frente a alguns de seus usuários e, acima de tudo, revela a necessidade de nós, enquanto sociedade, nos opormos e garantirmos os nossos direitos.

Hoje o lobo cerca um influencer, um "marketeiro" com ideologias conservadoras que podem desagradar alguns; amanhã, ele nos caçará.

Thiago Monroe

Thiago Monroe

Advogado do escritório Monroe Advogados Associados.

Marcella Paola

Marcella Paola

Graduanda em Direito. Pesquisadora em LGPD, Propriedade Intelectual e Direito do Consumidor.

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