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Breves aspectos conceituais e de diferenciação entre subfaturamento e subvaloração na importação

A difusão do conhecimento, especialmente da diferenciação dos institutos aqui mencionados, contribui para a melhoria do ambiente do comércio exterior brasileiro, dado que propicia a adequação do controle aduaneiro às normas de regência.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Atualizado às 17:21

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito embora os conceitos de subfaturamento e subvaloração sejam completamente distintos, com certa frequência a autoridade aduaneira desvirtua tais institutos e aplica penalidades pesadas para circunstâncias que não se amoldam ao regramento aplicável à espécie, tratando meras irregularidades como se ilícitos aduaneiros fossem.

Para diferenciar subfaturamento de subvaloração nas operações de importação, é preciso compreender, antes, como é concebido o valor aduaneiro, posto ser este a base de cálculo do imposto de importação e a razão de existir - e discussão - de ambos os institutos aduaneiros.

O conceito de valor aduaneiro é extraído do Acordo de Implementação do artigo VII do GATT - General Agreement of Tariffs and Trade de 1994, também denominado como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA). Nesta norma internacional foram estabelecidos critérios e métodos de valoração que devem ser seguidos por todos os países integrantes da Organização Mundial do Comércio - OMC, dentre eles o Brasil, o qual a incorporou em seu ordenamento jurídico por meio do decreto legislativo 30/1994, promulgado pelo decreto 1.355/1994.

O primeiro método - e preferencial - estabelecido no AVA-GATT para obter o valor aduaneiro de uma operação de comércio internacional de mercadorias é o valor da transação, isto é, o preço efetivamente pago, ou a pagar pelo importador das mercadorias, acrescidos dos ajustes dispostos nos §§ 1º e 2º do art. 8 do AVA.

Este acordo prevê também mais cinco critérios substitutivos de aplicabilidade sucessiva e em caráter excludente, sendo eles: o método do valor da transação de mercadorias idênticas; o método do valor da transação de mercadorias similares; o método do valor dedutivo; o método do valor computado; e o método da razoabilidade ou do último recurso.

Considerando que toda mercadoria submetida ao despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro, havendo dúvida por parte da autoridade aduaneira quanto a veracidade e exatidão das afirmações, das declarações e dos documentos apresentados pelo interessado para fins de valoração do produto, ela poderá - após cientificar o importador de seus motivos -  afastar o método do valor da transação, apurando o crédito tributário mediante aplicação de um dos critérios sucessivos previstos no AVA.1

Neste caso está-se diante da subvaloração, que é a declaração de valor aduaneiro inferior em razão de divergências quanto à interpretação dos métodos dispostos no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA). Não há má-fé por parte do importador, até porque qualquer operador está sujeito a cometer equívocos, os quais ocorrem com maior frequência que se espera. 

Por outro lado, caso fique constatado pela fiscalização que houve fraude de valor por parte do importador, ou seja, que o preço efetivamente pago pela mercadoria foi superior do que constou nos documentos que instruíram a operação de importação, com intuito doloso de pagar menos tributos, estar-se-ia diante de subfaturamento.

No caso deste ilícito aduaneiro, geralmente o documento objeto de análise para apurar a existência ou não do subfaturamento é a Commercial Invoice, também conhecida como fatura comercial. Isso porque é na Invoice que constam as informações relevantes da transação, entre elas os dados do importador, informações quanto ao país de origem, de aquisição, de procedência, condições de pagamento, e, principalmente, o preço pago pela mercadoria (artigo 557 do decreto 6.759/2009).

Deste modo, a infração aduaneira de subfaturamento usualmente se concretiza mediante falsidade material da fatura comercial, que é a criação de um documento falso a fim de constar valor menor da transação; ou por meio de falsidade ideológica, que consiste na omissão ou inserção de declaração falsa (valor da mercadoria) na fatura comercial. No primeiro, o documento é falso na íntegra, no segundo, a informação é falsa, porém o documento é genuíno.

Conforme ensinamento de Cláudio Augusto Gonçalves Pereira, "em sede de valoração aduaneira, os atos de sonegação e de fraude são recorrentemente praticados por intermédio de falsificação da fatura comercial, seja ela material ou ideológica; quanto a isso não reside nenhuma dúvida. Logo, a falsidade é pressuposto lógico do subfaturamento."2

Para a caracterização da infração de subfaturamento é imprescindível a prova do falso, de que o importador recorreu a meios ilícitos para subtrair o recolhimento dos impostos incidentes na operação. Inclusive, dada a gravidade jurídica, poderá ter repercussão penal.

Desta conceituação dos institutos, percebe-se que há um relevante ponto de ligação entre subvaloração e subfaturamento que é a divergência entre o valor pago pela mercadoria e o valor declarado à Fiscalização, mas as razões pelas quais ocorrem essas diferenças são completamente distintas. O primeiro caso se dá por descuido e equivocada interpretação dos métodos disposto no AVA, já o segundo decorre de adulteração de documento ou informação constante neste documento com o objetivo de pagar menos tributos.

O problema ocorre quando a autoridade aduaneira não faz a devida subsunção dos fatos à norma jurídica. Não raras vezes a Fiscalização, ao verificar que o preço adotado pelo importador diferiu do declarado por outros importadores de mercadorias similares, já pressupõe a ocorrência de fraude e lavra auto de infração para aplicar as penalidades referentes a infração de subfaturamento.  

Sucede que o ilícito aduaneiro de subfaturamento só se materializa quando há prova da falsidade. Cabe à Administração Aduaneira, no seu poder de polícia e com todo o aparato técnico que tem a sua disposição, provar que a importação foi fraudulenta, caso contrário, na dúvida quanto ao valor aduaneiro da mercadoria, e sem substrato probante, deve enquadrar o caso, no máximo, numa subvaloração, aplicar as penalidades concernentes a esta situação e seguir os métodos sucessivos do AVA.

Por fim, importante deixar registrado que os dois institutos são muito mais complexos do que se pretendeu apresentar. E que, portanto, merecem análise mais detida por parte dos operadores do Direito. A difusão do conhecimento, especialmente da diferenciação dos institutos aqui mencionados, contribui para a melhoria do ambiente do comércio exterior brasileiro, dado que propicia a adequação do controle aduaneiro às normas de regência.

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1 SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. 1. Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 92.
2 PEREIRA, Claudio Augusto Gonçalves. Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário. Vol.. 10, n. 59 (nov/dez. 2020). São Paulo: IOB, 2011. Subfaturamento e Subvaloração no Comércio Exterior: Algumas Considerações Conceituais, página 90.

Helen Martins de Carvalho

Helen Martins de Carvalho

Advogada no escritório Reis Gonçalves associados, pós-graduanda em Direito da Aduana e do Comércio Exterior Brasileiro pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, campus de Itajaí/SC.

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