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Rol de cobertura definido pela ANS - Taxativo ou exemplificativo: Um falso dilema

Abordagem crítica de iminente julgamento pelo STJ de recursos especiais (supostamente) repetitivos que não apresentam fundamento em idêntica questão de direito.

terça-feira, 6 de julho de 2021

Atualizado às 15:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O setor de planos de saúde tem vivenciado, há alguns anos, enfrentamentos judiciais que trazem demandas apresentadas por beneficiários de planos que pretendem ter seus tratamentos e/ou exames de saúde atendidos/cobertos pelas operadoras de plano, mas que se deparam com a recusa baseada na constatação de que tais procedimentos não estão assegurados no ROL definido e atualizado pela ANS, ou, ainda, apesar de previsto no ROL, o caso apresentado não atende à diretriz definida, também pela ANS (ou até pela lei), que é a regra/critério para que o procedimento pretendido tenha cobertura pelo plano.

Descrito dessa maneira sucinta, o fenômeno reflete, basicamente, pretensões existentes que são ajuizadas há muito tempo em que clientes de planos de saúde, inconformados com a restrição da cobertura, procuram o judiciário para que tenha seu pleito atendido.

Vivemos tempos em que a racionalidade tem sido negligenciada por diversos atores. Medicamentos comprovadamente ineficazes, ou decisões judiciais que ameaçam atos de governos que visam preservar a saúde da sociedade em plena pandemia são exemplos mais recentes dessas irracionalidades, com o que, me parece, que uma coisa a fazer, e a insistir, é procurar, pela racionalidade, dar nomes certos para as coisas e identificar corretamente os fenômenos.

A identificação correta do fato e do fenômeno, como a definição adequada da controvérsia, certamente, tem como efeito positivo delimitar de forma mais precisa o que se tem de pontos a serem resolvidos.

Nos julgados, em geral, em que se disputa se a cobertura de determinado procedimento pelo plano de saúde não incluído no ROL definido pela ANS, como se procura demonstrar, o que está em questão não é, propriamente, a natureza do Rol, se taxativo ou exemplificativo.

As disputas judiciais que têm chegado ao Superior Tribunal de Justiça, em regra, apresentam situações extremas, em que o caso, em si, que deu origem ao ajuizamento, pelas circunstâncias fáticas, justificam a intensidade da disputa. De um lado, se tem um beneficiário de plano que apresenta uma situação concreta e especial relacionada à saúde, e, de outro, a operadora de plano que, forte na sua garantia de cobertura prevista e obrigatória do ROL, procura preservar essa garantia em nome de sua viabilidade econômica.

Antecipo minha tese, até porque muito singela: não se pode ter como efeito das decisões proferidas nos diversos julgados realizados, e os ainda por realizar, em que se determina que seja garantida, ou não, a cobertura do procedimento pretendido, a decretação da denominada exemplificatividade do ROL, que significaria sua revogação, ou torná-lo sem eficácia, o que daria no mesmo.

Transformar o ROL em meramente exemplificativo, sem dúvida, seria fazer da lista de procedimentos algo sem qualquer utilidade! E o ponto que pretendo colocar nesse breve texto é que, em cada um dos casos levados ao judiciário, em que se forjou causa para justificar, em cima das controvérsias das pretensões, a viabilidade de unificar o suposto entendimento, como vem sendo dito, se o ROL, afinal, é taxativo, ou meramente exemplificativo, é pretender imputar ao ROL, que é documento elaborado com muita seriedade e critérios, a causa de todos os problemas que são enfrentados no cotidiano da assistência à saúde, e que envolvem incertezas, divergências, posições antagônicas, riscos, e, claro, interesses em conflito.

Uma averiguação minimamente atenta ao que se tem, ao menos nas demandas levadas para justificar a repercussão para se buscar a suposta unificação, o que está em jogo, de forma mais simples, é a aplicação/interpretação das regras sobre cobertura. Ou, dito de outro modo, definir nos casos concretos a abrangência das exclusões expressas definidas sobre cobertura.

Para ilustrar o que aqui se afirma, pode ser oportuno avistar alguns julgados como o do Resp 1.876.630 - SP, em que foi relatora a ministra Nancy Andrighi, cuja base da fundamentação está em cima de um aspecto relacionado à restrição da cobertura, uma vez que foi alegado pela Operadora que a cirurgia plástica para redução de mama, que era o procedimento pretendido, era meramente estética, que é expressamente excluído da obrigatoriedade da cobertura por dispositivo da lei1. Como justificativa da pretensão da autora, alegou que não se trataria de procedimento meramente estético, mas consubstanciado em verdadeiro tratamento prescrito à autora que, à época, sofria com fortes dores na região dorsal e nos ombros.

Não é preciso ir muito distante para se constatar que o que estava em jogo nesse litígio era a aplicação de dispositivo da lei que regulamentou os planos de saúde (lei 9.656/98), que no Inciso II, do art. 10, estabelece que não se tem cobertura obrigatória para cirurgias com fins estéticos.

Se se preferir avançar um pouco, pode-se pegar como referência a regra editada pela ANS, no corpo das resoluções normativas que atualizam o ROL2, em que se estabelece que, verbis:

"Parágrafo único. São permitidas as seguintes exclusões assistenciais:

II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim, ou seja, aqueles que não visam restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita;"

Ou seja, o debate judicial levado a cabo na decisão do mencionado RE interposto pela Operadora litigante, ao que tudo indica, envolveria basicamente definir se a cirurgia de redução de mama no caso concreto, considerando as circunstâncias, era classificada como meramente estética. Parece inevitável que qualquer litígio, como esse, demanda do judiciário aprofundamento em apuração pericial para se aferir se o procedimento, afinal, é ou não estético.

Parece claro que essa averiguação em nada atinge a aplicação do ROL, ainda menos envolve definir, afinal, se se trata de documento taxativo ou meramente exemplificativo.

Outro julgamento do STJ, também de REsp, mas de relatoria do eminente ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.733.013 - PR), que expressa a contrariedade e que fez com que apontasse para a necessidade de se definir em decisão que consolide os dissídios em caráter repetitivo, apresenta lide nada parecida com a do primeiro caso descrito acima, e que envolve a discussão, que também é técnica, de se definir se determinado procedimento a ser realizado para um mal existente na coluna do paciente, pedido pelo médico assistente, mas que não consta do ROL, tem resultado mais promissor do que outra técnica que tem cobertura no ROL, e que, por outra opinião médica, tem as mesmas garantias de sucesso na sua realização.

Nesse caso, novamente dependente de avaliação fática com a realização de prova por expert, o que se deveria buscar é se o procedimento previsto no ROL, logo, plenamente assegurado como tratamento ao mal que o beneficiário estava acometido, era adequado/suficiente para cuidar da saúde do beneficiário de plano de saúde.

Apenas para demarcar, esses dois casos têm em comum somente a disputa em cima de autorização de realização de procedimento demandado pelo médico assistente do beneficiário de plano de saúde. Me parece, contudo, que as teses jurídicas tratadas nos dois casos não se identificam.

Sobre a previsão legal da elaboração do ROL, se tem o dispositivo da lei 9.656/98, que no § 4º, do art. 10, estabelece ser da Competência da ANS a definição da amplitude das coberturas, que é muito claro e direto.

A ANS, como se sabe, atua de forma regular e criteriosa, além de assegurar a participação de diversas entidades ligadas à saúde, o que garante um resultado nas atualizações do ROL de maneira bastante consistente. Ou seja, sua competência definida em Lei não é negligenciada, o que poderia, eventualmente, ser causa a impor a atuação do judiciário em usurpar a competência da Agência Reguladora. Mas não é o caso.

Interessante mencionar alguns argumentos que já li em textos comentando a iminência da definição pelo STJ sobre a natureza do ROL em cima de demandas supostamente repetitivas. Em alguns, os argumentos que defendem que o ROL deva ser meramente exemplificativo, mencionam a segurança jurídica do paciente, que, segundo esses artigos, deve ser assegurada com o pleno (ou ilimitado) acesso a todo e qualquer procedimento que o médico assistente indicar.

Está claro que tal argumento confunde conceitos. O acesso a todo e qualquer procedimento em saúde, sem qualquer limite a critérios estabelecidos previamente, isso sim, criaria o contrário da segurança jurídica, obviamente para quem se responsabiliza pelo custeio desses tratamentos. E, por outro lado, não haveria qualquer segurança de tratamento plenamente eficaz pelo simples fato de se dar plena abertura para que tudo o que for indicado por um médico deva ser realizado.

Tratar de Segurança Jurídica em ambiente de permanente evolução como a área de saúde, remete de forma indispensável aos aspectos da estabilidade e também da previsibilidade, que a compõem, se valendo da doutrina valiosa de Antonio do Passo Cabral3. O ROL, sem dúvida, é documento oficial, instituído com critérios científicos rigorosos, que é revisto a cada dois anos (por enquanto), e que resulta disso firme estabilidade e plena previsibilidade.

Ou seja, não há como negar que o ROL é regra expressa e ostensivamente conhecida, o que assegura que componha a lógica do funcionamento do setor de plano de saúde com plena segurança jurídica.

A solução jurídica para cada caso a ser apreciado, em se tratando de procedimento em saúde, dentro do sistema da saúde suplementar, necessariamente deve ter como referência o que está estabelecido no ROL, que se constitui como instrumental para assegurar, de forma adequada, o tratamento possível ao mal que o paciente, beneficiário de plano de saúde, está acometido, em determinado período. Isso porque o ROL é revisto a cada período.

A preservação da saúde dos pacientes está assegurada no conjunto de procedimentos definidos no ROL, e, de outro lado, a preservação do funcionamento do sistema, da mesma forma, está assegurada com o ROL.

Negar isso é fazer do Direito abstração em cima de opinião pessoal.

Há um outro aspecto que, a mim, fica muito claro.

Sobre esses dois julgados mencionados, apenas como ilustrativos, a essência do pedido do primeiro processo é absolutamente diversa do que foi definido no segundo processo. Ou seja, esses dois processos se forem tratados como demandas repetitivas, mas que têm fundamentos diversos na questão do Direito, exporiam o desatendimento do comando do art. 1.036 do CPC. Mas isso deixo de comentar para não fugir do tema aqui proposto.

De todo modo, me parece que a intenção de se criar uma tese a respeito da eficácia do ROL por decisão judicial faz tornar inválido comando legal.

Ou seja, eventual definição de preceito abstrato sobre a natureza do ROL, como resultado da resolução de supostas demandas repetitivas pelo STJ, teria como resultado, a rigor, tirar a aplicação do dispositivo da lei 9.656/98, que no §4º, do art. 10 estabelece a competência da ANS em definir a amplitude das coberturas.

O STJ, em eventual tese que defina o ROL como meramente exemplificativo, por isso, criaria regra abstrata que, na prática, revogaria comando legal expresso. Restaria averiguar se isso tem respaldo na Constituição. Nelson Nery Junior4 assegura que não, ao comentar o dispositivo do art. 927 do CPC.

Por fim, entendo ser oportuno questionar ainda, com base em argumentos consequencialistas para decidir, que ganhou força com a LINDB, a utilidade da instituição de tese nesse sentido, considerando a provável e, possivelmente, inevitável necessidade de se avaliar com profundidade cada caso que é levado ao judiciário, o que deve ensejar novos dissídios judiciais, e, diga-se, sem atingir a um resultado a contento somente se valendo da aplicação da tese de que o ROL seria meramente exemplificativo.

Como dito inicialmente, é adequado ao Direito que se tenha a correta delimitação e identificação/denominação do objeto das disputas judiciais. No caso dos dois processos mencionados, as controvérsias envolvem o direito de acesso à cobertura da assistência à saúde do cliente de plano de saúde em contraposição a regras restritivas, que existem por uma necessidade de funcionamento racional do sistema de saúde.

Por essas e outras, que aqui se procura cuidar, vejo essa dicotomia entre ser o ROL taxativo ou meramente exemplificativo apenas para ensejar debates teóricos, mas, a meu ver, sem qualquer respaldo jurídico e racional.

Parece algo forjado para superar as restrições de acesso à apreciação pelo Superior Tribunal dos casos que, de forma inevitável, não prescindem de (re) avaliação fática. Os dois casos transcritos como exemplos envolvem análises específicas dos fatos relacionados às técnicas médicas de diagnóstico e tratamento.

Diante da possibilidade (ou do risco) de uma decisão com carga de ativismo judicial, instituindo uma tese que, a rigor, iria contra regra legal, me parece imprescindível que se preveja que seja provável que, dos casos levados ao judiciário pelos beneficiários de planos de saúde, em que pleiteiam cobertura para os procedimentos que reivindicam, a maioria demande avaliação técnica para que se possa decidir adequadamente.

Com isso, creio ficar demonstrado que se trata de falso dilema definir em eventual tese se, afinal, o ROL deve ser taxativo ou meramente exemplificativo.

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1 Lei 9.656/98. Art. 10, II.
2 Regra atual da RN 465, de 24/2/2021, art. 17.
3 Segurança Jurídica e Regras de Transição nos Processos Judicial e Administrativo, Introdução ao art. 23 da LINDB. Salvador-BA. Ed. JusPodium, 2020, pp 39/43.
4 Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, 16ª ed. ver, atual. e ampl., São Paulo: Ed RT, 2016. Pp 1962/1964.

Francisco Teixeira da Silva Telles

Francisco Teixeira da Silva Telles

Advogado que atua na área de Regulação da Saúde.

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