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Pandemia do covid-19: OAB/SP no banco dos réus?

Antonio Baptista Gonçalves

A adaptação se fez necessária e medidas para evitar aglomeração e concentração de pessoas são prementes para se proteger o bem maior defendido em nossa Constituição: a vida.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Atualizado às 17:51

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia do COVID-19 alterou abruptamente a rotina dos brasileiros. A fim de preservar vidas e evitar a disseminação do vírus, a circulação das pessoas se restringiu e muitas atividades deixaram de ser realizadas presencialmente. Quase dezoito meses depois, os efeitos ainda são sentidos pela sociedade brasileira, conjuntamente com a incerteza da durabilidade da pandemia em si. Afinal, a vacinação avança nos Estados e muitos, como São Paulo, prometem que a população acima de dezoito anos estará vacinada - pelo menos na primeira dose - até final de setembro de 2021.

No entanto, com a descoberta de novas variantes, agora temos a Delta desvelada na Índia, o temor persiste e a quantidade, tanto de mortes quanto de infectados, permanece em níveis elevados, a ponto do país ser o segundo em número de mortes no mundo, somente atrás dos Estados Unidos da América. Na Europa, mesmo com estágio mais avançado da vacinação, há um recrudescimento da segurança, por conta desta nova variante e o aumento de novos casos.

Na realidade da advocacia, as restrições se fizeram presentes e, ao que tudo indica, permanecerão assim. O Judiciário, um dos primeiros a realizar suas atividades de maneira remota, indicou que em 2022 manterá seu expediente de maneira híbrida. Muitos escritórios deixaram de existir por conta dos altos custos e da falta de condições sanitárias para manter uma estrutura com os funcionários trabalhando na modalidade home office e muitos deles passaram a operar em estrutura estritamente online.

Na contramão da realidade corrente, a OAB/SP encaminhou ofício, em 2 de julho de 2021, ao presidente do TRT-2 Capital, para que os fóruns trabalhistas sejam plenamente reabertos e utiliza como argumentação a vacinação e seu calendário no Estado de São Paulo. Seria o momento de pleitear tal intento? Ou ainda precisamos entender os perigos da pandemia e seus efeitos? Refletimos.

A adaptação se fez necessária e medidas para evitar aglomeração e concentração de pessoas são prementes para se proteger o bem maior defendido em nossa Constituição: a vida. Todavia, alguns, como a OAB/SP entenderão ser momento de retomar a vida normal do cotidiano, enquanto outros defenderão que o correto é se preservar e salvaguardar enquanto a pandemia persistir.

Em tempos excepcionais a rotina se alterou, porém, certas atividades devem seguir seu curso, como a substituição de comando nas entidades, eleições etc. E, para tanto, a temática da aglomeração se faz presente. Quando das eleições municipais em 2020 foi perceptível a segunda onda poucas semanas após o segundo turno, coincidência?

Diante dos ensinamentos trazidos por esta experiência eleitoral, as preocupações com o pleito que se avizinha para a eleição de nova diretoria, conselheiros e membros da Caixa de Assistência da Advocacia de São Paulo que, potencialmente, movimentará mais de trezentos e cinquenta mil advogados no Estado de São Paulo, se avolumam e o consenso de que a melhor forma de se preservar vidas é a realização de uma eleição virtual é uníssono entre os candidatos ao pleito, ou quase, afinal, o atual presidente da entidade, candidato à reeleição, tem reiterado seu silêncio, portanto, não há uma posição oficial de garantir e preservar as vidas da advocacia bandeirante de seu atual dirigente.

Diante da negativa da entidade, sua diretoria e conselho secional em se manifestar, algumas medidas foram tomadas, a saber: 39 conselheiros secionais romperam com a atual gestão, dentre outros temas, por não concordarem com a eleição na modalidade presencial. Ademais, um grupo de advogados notificou a entidade, sem resposta, sobre o tema, o que motivou a presença do processo que tramita no Ministério Público Federal sob 1.34.001.001521/2021-73, dentre outras ações e medidas.

Como o silêncio, tanto do presidente, quanto da entidade em si persiste, iremos aplicar a maiêutica, isto é, o sistema de perguntas reiteradas, a fim de buscar as respostas.

Será que a OAB/SP não quer realizar as eleições por temer o custo de implementar a modalidade online para o sistema de votação? Ora, mas o custo não seria menor do que o pagamento de aluguel para os prédios, especialmente na Capital, no dia da Votação? Não caberia uma análise de viabilidade ou, inclusive da possibilidade de utilizar softwares de uso livre, portanto, sem custo?  E, independente do custo, o valor gasto para a realização presencial da votação vale o preço de uma vida?

No dia do pleito, a OAB/SP não teme pelo receio de contágio de seus funcionários que ficarão à disposição da classe nos locais de votação ao longo de todo o dia? Será que a entidade irá arcar com toda a logística sanitária e a devida proteção para todos os seus funcionários? E ao fazê-lo, não irá incrementar um custo que seria inexistente na modalidade remota?

A OAB/SP poderia alegar não ter estrutura tecnológica para assegurar a proteção dos dados dos mais de trezentos e cinquenta mil advogados do Estado? Ora, mas a entidade realizou o Censo para a mesma quantidade de pessoas ao longo de sete meses, significa que não há qualquer proteção de dados para os que participaram? Ademais, será que a OAB/SP descumpriu com os preceitos basilares de proteção de dados da LGPD?

A diretoria da OAB/SP se preocupou em realizar o Censo ao longo de sete meses na modalidade essencialmente virtual e eletrônica, inclusive reiterando semanalmente e-mails cobrando o preenchimento do mesmo, porém, não se posiciona sobre a eleição virtual? Para o Censo, a alegação de melhorias para a classe é o mote fundamental, mas para a preservação das vidas, em uma eleição online, o silêncio pode ser uma justificativa válida para a advocacia bandeirante, que clama por liderança e representação da classe?

O silêncio da entidade acerca da eleição online estaria respaldado na certeza de instrumentos protetivos como os art. 63 a 67 da lei 8.906/94 - Estatuto da Advocacia -, arts. 128 a 137-C, do Regulamento Geral da OAB, os provimentos 146/2011 e atualizações, 185/2018, e a resolução 02/2018, do Conselho Federal da OAB, em suma, um conjunto de regras eleitorais que não preveem eleições digitais? Ora, mas se calcar em um Estatuto que foi promulgado na época da internet na modalidade discada e não reconhecer a necessidade de modernização e do momento excepcional da sociedade brasileira não é, no mínimo, embaraçoso para a maior secional do país, quando oito outras secionais - Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Tocantins, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte - se modernizaram e declararam que irão realizar as eleições na modalidade não presencial, mesmo com a não previsão, igualmente nos mesmos dispositivos?

O silêncio da secional paulista pode ser motivado pela notícia de que o Governo do Estado de São Paulo pretende imunizar - ao menos na primeira dose - toda a população do Estado até o final de setembro, acima de dezoito anos, portanto, com a eleição na segunda quinzena de novembro não haveria risco sanitário? Será que algum profissional da saúde poderia atestar e garantir que a concentração e aglomeração de mais de trezentas e cinquenta mil pessoas ao longo do Estado não podem acarretar novas infecções pelo COVID-19, mesmo para os já vacinados? Alguém irá garantir que todos que comparecerem presencialmente aos locais da votação estarão seguros contra o vírus?

A maior secional do país poderia realizar as eleições em uma modalidade mista e, assim, inovar, com eleições virtuais e, para os que preferirem da maneira tradicional? Neste caso seria um erro econômico, pois, o custo da operação não seria muito mais elevado do que realizar apenas na modalidade virtual?

O presidente da OAB/SP não teme pelo resultado eleitoral com o maior potencial de abstenção da história se a eleição for presencial? Como fica a legitimidade do eleito se o colégio eleitoral for deveras diminuto?

Por fim, mas não menos importante, se a ação que tramita no Ministério Público Federal for concluída com uma eventual recomendação para eleição mista ou exclusivamente online, estaria a OAB/SP ciente da responsabilidade penal de seus dirigentes, de maneira pessoal, caso ocorra o evento morte por uma disseminação de COVID-19 na advocacia e que os que votaram, ainda que um único caso, tenham sequelas irreversíveis, lesão cerebral, ou venham a óbito? Terá sido válida toda a negligência, negacionismo da excepcionalidade da situação sanitária corrente, se a diretoria responder pessoalmente com um processo crime? A diretoria da maior seccional da advocacia poderá estar no banco dos réus? Quando teremos respostas para todas essas perguntas?

Antonio Baptista Gonçalves

Antonio Baptista Gonçalves

Advogado, pós-doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP.

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