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Os riscos do engessamento na jurisprudência dos tribunais superiores: comentários ao art. 1.030 do CPC/15 e o juízo de admissibilidade

A sobressalto para comunidade jurídica a lei 13.256, de 2016, provoca substanciais mudanças no CPC/2015, muitas, ainda prematuras de debate e de uma jurisprudência firmada.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Atualizado às 14:03

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No ritualismo processual civil brasileiro, quanto aos recursos extremos, RE e o REsp, os mesmos costumam ser protocolados nas secretarias dos tribunais de justiça estaduais e dos tribunais regionais federais, seguido da intimação do recorrido para contrarrazoar. Mas, a admissibilidade de mérito pertence tão somente aos tribunais superiores, ad quem, por vinculação constitucional.

O art. 1.030 do CPC/2015, modificado, pela lei 13.256, de 2016, estabelece o sistema de dupla admissibilidade retirando na redação, então aprovada, do CPC 2015. Com foco dos comentários, orbitam o inciso I alíneas "a" e "b" do artigo, no tocante, principalmente, a negativa de seguimento por conformidade de entendimento do acórdão ao que já fora decidido STF e STJ, e duvidosos limites a competência do legislador originário.

O advento da lei 13.256/2016, no artigo em epígrafe, consta uma não precisão técnica. Pois, ao dispor dos recursos em questão em sede de admissibilidade colocou o juízo do mérito ao tribunal a quo. No mais, acabou por também "criar", no art. 1.030 "uma nova" espécie ou egrégio a um precedente vinculante no caso dos recursos repetitivos.

Vale destacar a crítica, quase unânime, da confusa redação legislativa no art. 1.030 do CPC/2015, conf. Scarpinella Bueno (2019). Complementa, Donizetti (2019, p 1203) que na redação do artigo, consta também um termo sem precisão jurídica, referindo-se a locução: "não seguimento do recurso", indaga o autor "o que de fato seria o não seguimento?". Para ele (2019) a comunidade jurídica desconhecia ou pelo menos não fazia uso dessa equivocada expressão, que emprega, em correção, o termo "não remessa" (art. 1.030, I, b do CPC/2015)

Assim, observa-se que temos, na visão de autores como Wambier. (2017) duas hipóteses de "precedentes" (não no sentido técnico do termo), que foram estabelecidas no art. 1.030 do CPC/2015, pois equiparam-se a "repercussão geral", alínea "a"; e "recursos repetitivos", alínea "b''. Ambos, praticamente sem distinções, pois exercem a mesma força, formam um paradigma de análise cujo juízo de decisão proferida (no tribunal a quo) enseja, na verdade, um juízo de mérito e pode ocasionar a negativa de seguimento (entendido como "não remessa") do recurso aos tribunais superiores (DONIZETTI,2019). O que é de fato uma afronta direta à Constituição.

É técnico que os recursos repetitivos não se confundem com a questão da repercussão geral, mas, na leitura da lei, podemos nos desconcertar ao fato. A interpretação da profa. Teresa Wambier, considera que o art. 1.030, I, b do CPC/2015 como sendo um "recurso extraordinário avulso". E que termina por ter força vinculante, semelhante a um precedente, embora advenha de uma demanda individual. Na leitura do prof. Nelson Nery Jr. 1.030 do CPC/1015 cria uma súmula impeditiva de recursos que praticamente veda a subida do RE e/ou REsp.

Daniel Neves (2018) pondera que "legislador adentrou em uma matéria de mérito revestida de admissibilidade recursal" no 1.030/CPC2015. Pois, preconiza um juízo incompetente para análise, já que o tribunal a quo não tem autorização constitucional de julgar o mérito, compartilham o entendimento Nery Jr. (2019); Donizetti (2019). Assim, em respeito a normas constitucionais, não se pode realizar uma interpretação em que ao tribunal a quo caiba o juízo de mérito, sob pena de afronta direta à CF 88 nos artigos 102, III e 105, III. Deve-se, no máximo, compreender como análise formal de existência da demanda, assim firma Guilherme Marinoni et. al. (2016) sobre o devido entendimento do artigo quanto à admissibilidade a quo.

Em Nelson Nery Jr. (2019) o indeferimento dos recursos em questão, no juízo a quo, é de flagrante a inconstitucionalidade, sendo ilegítimo impedir a atividade cognitiva da instância recursal ad quem pelo trancando a via recursal em segunda instância. O juízo competente para o julgamento do recurso em sua admissibilidade de mérito é aquele competente para apreciá-lo (juízo ad quem) conforme Humberto Theodoro Jr. (2018), e não se admite uma interpretação extensiva.

No mais, quanto ao RE, mesmo que constem os motivos 1030, I, não lhe é permitido ao tribunal o quo versar sobre a repercussão geral, mesmo que incidentalmente. Esse exame é privativo do STF. Se o tribunal a quo realizar tal juízo do RE referente a ausência de repercussão geral, tem-se a passagem para o ajuizamento de reclamação, nos termos do art. 102, I, l, da CF/88 e do art. 988, I, do CPC/2015 (DONIZETTI, 2019).

Teresa Wambier (2017), quanto ao "regime de repercussão", confirma que carece aporte doutrinário e jurisprudencial. Tratando-se de um "equívoco" do legislativo ao compará-lo, em poderes, aos recursos repetitivos, no mais não há um sentido técnico específico a repercussão geral, em caso. Afirma a professora (2017) que se trata, tecnicamente, o regime de repercussão geral, do "julgamento de um recurso extraordinário, que supõe o prévio reconhecimento de que a questão vinculada no recurso tinha repercussão geral" (conf. cit. 1.030, I, b do CPC/2015) (WAMBIER, 2017, p. 407, grifo nosso). Esse estado de coisas leva a uma discricionaridade e uma ampliação de poderes, ao nosso ver, equivocada nos tribunais de segunda instância.

O 1.030, I, b, do CPC/2015, quanto ao RE, em sede de repercussão geral, trata-se, em realidade, in casu, de um recurso entre A conta B, com plano de fundo uma questão constitucional, ou seja, um recurso extraordinário, individual ou avulso (WAMBIER, 2017). Que em uma tentativa, extrapolada, da manutenção da estabilidade da jurisprudência aos tribunais e juízes, e dando prestígio à palavra do STJ e do STF, e ultrapassa os limites dados ao legislador ordinário ao realizar essa nova hipótese de não seguimento.

Teresa Wambier (2017) afirma que "decisões proferidas em recursos avulsos (ver. 1.030, I, b) não vinculam e não geram esse efeito, consistente na retratabilidade das decisões (acórdãos), que não estiverem de acordo com a tese adotada". Assim, a proposta do legislador ao citar "em regime de repercussão geral", propõe-se entender que terá querido dizer em regime de recurso extraordinário repetitivo (art.1.030, II). Em sua análise, nota-se a necessidade uma intepretação jurisprudencial para correto entendimento do inciso, ao passo que autores como Nery Jr. (2019) alegam inconstitucionalidade.

No mais, essa nova hipótese de "precedente" ou "sumula impeditiva" ou "recurso extraordinário avulso". Para Alvim Wambier (et. al. 2017), Donizetti, 2019) e Nelson Nery Jr. (2019) cria um cenário que dificulta, e muito, a mudança de paradigmas jurisprudenciais formados, há um engessamento. Já que não se pode modificar aquilo que já está em acordo com o decido pelo STF e STJ, sendo, de pronto, negado o seguimento.

Para Nelson Nery Jr. (2019) só poderia haver a vinculação aos juízos inferiores, quanto aos recursos extremos, com amparo no texto Constitucional. Embora, à luz da jurisprudência do STF e STJ, tenhamos decisões conforme exposto no atual CPC com sua modificação, o que critica Nery Jr. (2019). Como instrumentos vinculantes, semelhante a uma lei, na CF88, temos tão só a Ação Direita de Constitucionalidade (ADO), a de Inconstitucionalidade (ADI) e as Súmulas Vinculantes (SV), argumenta o autor (2019) que o legislador ordinário erigiu outros instrumentos no CPC2015 ao mesmo patamar. Mas, para haver essa vinculação deveria haver aporte prévio constitucional, pelo legislador derivado, fato também criticado por Hugo Nigro Mazzilli (2018).

Para Luiz Streck e Dierle Nunes (2015) foram atribuídos deveres ao presidente e vice-presidente do tribunal de Justiça (por exemplo) de impedir que estes recursos subam ao STJ e STF se a decisão impugnada estiver em conformidade com decisão padrão proferida pelos referidos tribunais superiores pelo sistema repetitivo (artigos 1.036 a 1.041, CPC/2015), pelo fato destas serem precedentes normativos (artigo 927). No mais, da medida que só caberá um agravo interno para o próprio tribunal de Justiça, de modo que não haverá mais acesso ao STJ e STF. Ficando, em especial, a advocacia dependente de um exercício do juízo de retratação por peticionar contra um precedente

Os meios de contestação demandam cada vez mais atividades pretorianas dos advogados. Por mais significativa que seja a proposta do não abuso recursal que favorece, em especial, o litigante contumaz e de maior aporte financeiro. Talvez, tenhamos uma demasiada "empolgação" do legislador ordinário.

Quanto as questões referentes aos agravos levantamos, alguns questionamentos, como no caso em que se encaminha o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação (inciso II, art. 1.030.CPC/2015), havendo retratação, de certo haverá a prejudicialidade do RE ou REsp (DONIZETTI, 2019). Nesse caso, entendemos conforme Donizetti, pode haver possibilidade um novo recurso especial (novo julgamento), e, não havendo retratação, o feito será remetido ao tribunal superior, quando atendidos os requisitos do inciso V do art. 1.030/2015. Já a decisão que encaminha o processo para o exercício do juízo de retratação é irrecorrível, o que é de duvidosa constitucionalidade, conforme críticas de Donizetti (2019); Nelson Nery Jr. (2019) e Marinoni et. al. (2016).

Outra inquietante questão é que, ao selecionar, o recurso como representativo da controvérsia constitucional ou infraconstitucional (IV do art. 1.030/CPC-2015), trata-se de uma decisão, em tese, irrecorrível; é conforme leitura dos §§ 1º e 2º do art. 1.030 do mesmo código. Se a decisão for do presidente ou do vice-presidente do tribunal de segundo grau que sobrestá o recurso, é cabível o agravo interno para esse mesmo tribunal (art. 1.030, § 2º). Mas, em caso da decisão for negativa proferida no agravo interno? Nesse caso, entende Donizetti (2019), que esgotada a instância ordinária, a questão atinente ao sobrestamento pode ser veiculada em reclamação, uma vez que há afetação e o consequente sobrestamento inserem-se na competência do STF ou STJ (DONIZETTI, 2019)

Reconhecida a distinção, o recurso deve ser provido, tendo o recurso extraordinário ou o recurso especial de ser remetido à instância competente (arts.102, iii, e 105, III, CF/1988, e 1.030, V, a, CPC). Não reconhecida a distinção, cabe agravo em recurso extraordinário ou agravo em recurso especial (arts.102, iii, e 105, III, CF/1988, e 1.042, CPC) (MARINONI et. al., 2016). Um inquietante ponto relacional tange ao art.1.042, CPC, no qual merece interpretação conforme a Constituição, no entender Marinoni et. al. (2016). Pois, é a própria Constituição que outorga ao STF e ao STJ a sepulta palavra sobre a manifestação de violação à Constituição e à lei federal (arts.102, III, e 105, III, CF 88). Não podemos cair no delírio hermenêutico da leitura do art. 1.042 do CPC, no sentido de fechamento ao cabimento do agravo sob pena de afronta a CF 102 III e 105 III, é do STF e STJ, o que para Nery Jr. (2019) é inconstitucional. Fatos expostos, é empírica e dedutível que a atividade da advocacia encontrará grandes desafios na atividade recursal em comento. 

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DONIZETTI, E. (1019 Novo Código de Processo Civil Comentado 3.ed. São Paulo.
MARINONI, L. D et. al (2017) Código de processo civil comentado, Editora: Revista dos Tribunais.
THEODORO JR, H (2018) - Código de Processo Civil anotado .21. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.
NERY JR, N. NERY, Rosa (2018). Código de Processo Civil comentado / 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (2017) Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
NEVES, Daniel A. (2020) Manual de Direito Processual Civil: Volume único7 janeiro 5ªEdição (2021) Editora Juspodivm.
BUENO, Cassio Scarpinella (2017) Novo Código de Processo Civil anotado 3. ed. - São Paulo: Saraiva.
STRECK, Lenio, NUNES Dierle (2015) O Senado vai permitir a mutilação do novo CPC antes de entrar em vigor.

Reginaldo Alves Lins Araújo Neto

Reginaldo Alves Lins Araújo Neto

Professor de direito privado na UFRN-RN. Advogado na área de direito processual, direito do trabalho e consumidor. Mestre em pelo programa de pós-graduação em direitos humanos, cidadania e políticas públicas (PPGDH) da UFPB-PB, membro do Núcleo de Estudo e pesquisa sobre deslocados ambientais (NEPDA/UEPB), graduado em Direito (UNIPÊ-PB) e Relações Internacionais (UEPB-PB).

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