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A regulamentação dos FIAGRO pela CVM

Fato é que, em razão da possibilidade de investimento em diversos ativos que não somente empreendimentos imobiliários, o FIAGRO pode apresentar características muito distintas dos FIIs.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Atualizado às 09:50

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

O Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais - FIAGRO, previsto no artigo 20-A da lei 8.668, de 25 de junho de 1993, conforme alterada ("lei 8.668/93"), aguardava regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Essa regulamentação chegou, ainda que de forma provisória e experimental (o que se mostrou como uma solução eficiente adotada pela CVM): trata-se da Resolução CVM 39, de 13 de julho de 2021 ("RCVM 39").

A lei 14.130, de 29 de março 2021 ("lei 14.130/21"), que introduziu o conceito de FIAGRO na lei 8.668/93, previa que esses fundos de investimento poderiam investir em uma ampla variedade de ativos na cadeia produtiva agroindustrial:

Art. 20-A. São instituídos os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), a serem constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial destinado à aplicação, isolada ou conjuntamente, em:

I - imóveis rurais;

II - participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial;

III - ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia produtiva agroindustrial, na forma de regulamento;

IV - direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios;

V - direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios;

VI - cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio nos ativos referidos nos incisos I, II, III, IV e V deste caput.

§1º Os Fiagro poderão arrendar ou alienar os imóveis rurais que venham a adquirir.

§2º No arrendamento de imóvel rural pelos Fiagro, prevalecerão as condições livremente pactuadas no respectivo contrato, ressalvado que, na falta de pagamento dos valores devidos pelo arrendatário, eventual determinação judicial de desocupação coincidirá com o término da safra que esteja plantada na época do inadimplemento, quando aplicável, respeitado o prazo mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 1 (um) ano.

§3º Incluem-se no rol de ativos constantes do inciso III do caput deste artigo os ti'tulos de cre'dito e os valores mobilia'rios previstos na:

I - Lei 8.929/94;

II - Lei 11.076/04; e

III - Lei 13.986/20.

Apesar da possibilidade de investimento em diversos ativos, a lei 14.130/21 acabou por aproximar o FIAGRO do Fundo de Investimento Imobiliário ("FII"), inclusive alterando o artigo 3º, III, da lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004 ("lei 11.033/04") prevendo que os investidores pessoas físicas do FIAGRO terão a mesma isenção dos investidores pessoas físicas de FII1. O FIAGRO terá ainda uma vantagem tributária em relação aos FII, qual seja, o diferimento do Imposto de Renda sobre ganho de capital na integralização de cotas do fundo com imóvel rural2.

Fato é que, em razão da possibilidade de investimento em diversos ativos que não somente empreendimentos imobiliários, o FIAGRO pode apresentar características muito distintas dos FIIs. Dessa forma, a CVM não poderia regulamentar os FIAGRO como se FII fossem, sob pena de não estabelecer estruturas adequadas para os tipos de investimento realizados.

Por outro lado, a agenda regulatória da CVM não comportava um assunto de tamanha complexidade, em espaço curto de tempo. A Autarquia, como se sabe, tem empenhado esforços na modernização da regulação do Mercado de Capitais, tendo ainda que manter sua atuação nas esferas fiscalizatória e sancionatória. Essa limitação foi ressaltada no preâmbulo da RCVM 39:

(...).

d) a edição de uma norma específica para disciplinar a constituição e o funcionamento do FIAGRO em toda a extensão prevista em lei demandará estudos prévios e realização de audiência pública, o que não se estima ocorrer antes de 2022, tendo em vista que a agenda regulatória desta Autarquia para o exercício de 2021 não contempla a matéria;

(...).

Assim, a CVM optou por utilizar a regulamentação já conhecida e testada dos FII, dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios ("FIDC") e dos Fundos de Investimento em Participação ("FIP"), criando uma estrutura provisória e experimental para o FIAGRO. Com isso, a CVM respondeu, de maneira célere, uma demanda nova do mercado, sem abrir mão da segurança jurídica3.

Por meio da RCVM 39, a CVM regulou três espécies de FIAGRO:

  • O FIAGRO-Direitos Creditórios, cuja política de investimentos deverá observar as regras de composição e diversificação de carteira de ativos previstas na Instrução CVM 356, de 17 de dezembro de 2011, conforme alterada ("ICVM 356"), não sendo admitido o registro na categoria de FIDC não-padronizado, nos termos da Instrução CVM 444, de 08 de dezembro de 2006, conforme alterada ("ICVM 444");
  • O FIAGRO-Imobiliários, cuja política de investimentos deverá observar as regras de composição e diversificação de carteira de ativos previstas na Instrução CVM 472, de 31 de outubro de 2008, conforme alterada ("ICVM 472"), sendo considerados ativos elegíveis, em adição à ICVM 472, Certificados de Recebíveis do Agronegócio ("CRA") e Letras de Crédito do Agronegócio ("LCA"); e
  • O FIAGRO-Participações, cuja política de investimentos deverá observar as regras de composição e diversificação de carteira de ativos previstas na Instrução CVM 578, de 30 de agosto de 2016, conforme alterada ("ICVM 578").

Além das instruções específicas e da lei 8.668/93, todos os FIAGRO, independentemente da categoria, deverão observar as normas gerais previstas na Instrução CVM 555, de 17 de dezembro de 2014 ("ICVM 555"), que dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento. O registro e a fiscalização dos FIAGRO-Direitos Creditórios e dos FIAGRO-Imobiliários competirão à Superintendência de Supervisão de Securitização ("SSE"), enquanto o registro e a fiscalização dos FIAGRO-Participações serão de responsabilidade da Supervisão de Investidores Institucionais ("SIN").

Vale ressaltar que o artigo 20-A, da lei 8.668/93, prevê a possibilidade de o FIAGRO investir em cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio em ativos elegíveis aos FIAGRO. Nesse sentido, a ICVM 578 permite que os FIP invistam em cotas de FIP ou em cotas de Fundos de Ações - Mercado de Acesso ("FIA-MA")4, assim como a ICVM 472 permite que os FII invistam em cotas de FIP destinados a investimentos imobiliários e em cotas de outros FII5.

A ICVM 356, contudo, não permite que os FIDC invistam mais de 50% de seu patrimônio em cotas de outros fundos de investimento6, criando, em contrapartida, uma categoria distinta: os Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios ("FICFIDC"), que deverão destinar pelo menos 95% de seu patrimônio à aquisição de cotas de FIDC7. Nesse caso, apesar de a RCVM 39 não tratar o assunto de forma expressa, parece fazer sentido que o FIAGRO-Direitos Creditórios possa ser constituído tanto de acordo com as regras aplicáveis aos FIDC, quanto às regras aplicáveis aos FICFIDC, desde que, nesse segundo caso, o FIAGRO-Direitos Creditórios constituído conforme as regras do FICFIDC destine pelo menos 95% de seu patrimônio à aquisição de cotas de outros FIDC, sendo pelo menos 50% de outros FIAGRO.

--------------

1- "Art. 3º Ficam isentos do imposto de renda:

(...);

III - na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, os rendimentos distribuídos pelos Fundos de Investimento Imobiliário e pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado;

(...)."

2- "Art. 20-E. As cotas dos Fiagro podem ser integralizadas em bens e direitos, inclusive imóveis.

§1º O pagamento do imposto sobre a renda decorrente do ganho de capital sobre as cotas integralizadas com imóvel rural por pessoa física ou jurídica poderá ser diferido para a data definida para o momento da venda dessas cotas, ou por ocasião do seu resgate, no caso de liquidação dos fundos.

(...)."

3- O estabelecimento de regulação provisória e experimental já tinha se mostrado benéfica com o sandbox regulatório. Não se pretende aqui comparar ambos os sistemas, mas apenas ressaltar que o estabelecimento de regulação provisória e experimental pode se tornar uma ferramenta útil para a modernização da regulação do Mercado de Capitais, permitindo que a CVM compreenda, de forma empírica, os efeitos da regulação.

4- "Art. 13. Os FIP podem investir em cotas de outros FIP ou em cotas de Fundos de Ações - Mercado de Acesso para fins de atendimento ao limite mínimo de 90% referido no caput do art. 11.

§1º Os FIP investidores são obrigados a consolidar as aplicações dos fundos investidos, inclusive para fins de apuração dos limites de concentração da carteira, exceto as aplicações em fundos geridos por terceiros não ligados ao administrador ou ao gestor do FIP investidor.

§2º Fica vedada a aplicação em cotas de FIP que invista, direta ou indiretamente, no FIP investidor.

§3º O investimento em cotas de FIP classificados na categoria "Multiestratégia" e que tenham em sua denominação o sufixo "Investimento no Exterior" deve observar o limite referido no caput do art. 12, caso o FIP investidor não atenda ao disposto no art. 18, § 2º."

5- "Art. 45. A participação do fundo em empreendimentos imobiliários poderá se dar por meio da aquisição dos seguintes ativos:

(...);

IV -cotas de fundos de investimento em participações (FIP) que tenham como política de investimento, exclusivamente, atividades permitidas aos FII ou de fundos de investimento em ações que sejam setoriais e que invistam exclusivamente em construção civil ou no mercado imobiliário;

(...).

VI -cotas de outros FII;

(...)."

6- "Art. 40. Após 90 (noventa) dias do início de suas atividades, o fundo deve ter 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, de seu patrimônio líquido representado por direitos creditórios, podendo a CVM, a seu exclusivo critério, prorrogar esse prazo por igual período, desde que o administrador apresente motivos que justifiquem a prorrogação.

§1º Observado o disposto no caput deste artigo, o FIDC pode aplicar o remanescente de seu patrimônio líquido em títulos de emissão do Tesouro Nacional, títulos de emissão do Banco Central do Brasil, créditos securitizados pelo Tesouro Nacional, títulos de emissão de estados e municípios, certificados e recibos de depósito bancário e demais títulos, valores mobiliários e ativos financeiros de renda fixa, exceto cotas do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).

(...)."

7- "Art. 41. As instituições referidas no art. 32 desta instrução podem constituir e administrar fundo de investimento cujos recursos devem ser destinados à aquisição de cotas de fundos de investimento em direitos creditórios, observada a proporcionalidade mínima de 95% (noventa e cinco por cento) do respectivo patrimônio líquido.

(...)."

André Morais Bachur

André Morais Bachur

Advogado do escritório Passos e Sticca Advogados Associados.

Ivan Iegoroff de Mattos

Ivan Iegoroff de Mattos

Pós-graduado em Direito Societário pela FGVLaw. Sócio de Loria e Kalansky Advogados.

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