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Fiança recíproca em contratos de locação - uma anomalia válida

A fiança recíproca em contratos locatícios se dá em contratos com diversos locatários, e quando ambos assumem posição de fiadores uns dos outros, gerando uma situação peculiar de direito.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado às 13:51

(Imagem: Arte Migalhas)

O Ordenamento Jurídico, sistema de normas e princípios do país, fruto da constante atividade legislativa, ocasionalmente proporciona situações de "desencontro" normativo. Diz-se desencontro, pois, de tantas formas e conjunturas político-legislativas, emergem verdadeiras anomalias.

É o curioso caso da fiança recíproca em contratos de locação: situação peculiar, mas perfeitamente válida e dentro das diferentes circunstâncias concebidas pelo legislador.

Sabe-se que a fiança é a garantia mais comumente utilizada nos contratos de locação, pois é normalmente ajustada de forma gratuita, em virtude da relação pessoal do locatário com o seu garantidor. A fiança é uma modalidade de garantia pessoal, que tem como finalidade aumentar a segurança do locador em caso de possível descumprimento do locatário.

O objeto desta discussão surge em contratos com dois ou mais locatários, em que se estipula ser um o fiador do outro - eis a fiança recíproca. Nesta situação, fica nebulosa a distinção dos papéis dos sujeitos da relação, pois todos operam, simultaneamente, como devedores e garantidores; ao mesmo tempo são solidários da mesma dívida, e garantidores um do outro.

Pertinente é a indagação a respeito da utilidade em se ter um locatário fiador do outro. Ora, o que se buscaria com isso? E qual a tal anomalia, que se mencionou na introdução deste texto? As respostas são esclarecidas conjuntamente.

O Ordenamento Jurídico permite a penhora do imóvel que constitua bem de família do fiador (exceção prevista no art. 3º, VII da lei 8.009/90), mas impede a do locatário - este o verdadeiro devedor. Eis a anomalia: o bem de família do real devedor não está sujeito à penhora; mas, se este mesmo sujeito também "vestir o chapéu" de fiador, seu bem de família poderá ser penhorado, na qualidade de garantidor do seu co-locatário. É que, pela dívida locatícia, não está sujeito à expropriação do seu bem de família; mas o está pela dívida não paga do seu afiançado.

A sagacidade não permite esconder que o objetivo da fiança recíproca é justamente diminuir o risco do locador, permitindo o acesso ao bem de família do locatário em caso de dívida - mas quando este assume outra figura, como fiador. Por outro lado, pode suprir eventual dificuldade dos locatários em encontrar quem os aceite afiançar, viabilizando o negócio almejado.

Esclarece-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, reiteradamente, a validade da fiança recíproca, desde que observada a boa-fé contratual, ou seja, quando ela não é estipulada, por exemplo, no firme propósito de fraudar o crédito.

Nesse campo fértil de peculiaridades jurídicas, ressalta-se a necessidade de correto aconselhamento jurídico, a fim de se auxiliar o processo de tomada de decisão e, com isso, prevenir consequências jurídicas indesejadas.

Gabriel Gallo Brocchi

Gabriel Gallo Brocchi

Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Membro da Comissão de Direito Civil da OAB Campinas/SP.

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