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A ilegitimidade do registro da marca "fadinha do skate" por uma empresa de odontologia

Rayssa começou a chamar a atenção no mundo do esporte em meados de 2015, quando surgiu nas redes sociais mandando manobras de skate vestida de fada, sendo conhecida desde então, não só no Brasil como no mundo, como "Fadinha do Skate".

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Atualizado às 15:52

(Imagem: Arte Migalhas)

Nos últimos dias o Brasil se viu encantado por Rayssa Leal, uma menina maranhense de 13 anos que conquistou a medalha de prata no skate nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Rayssa começou a chamar a atenção no mundo do esporte em meados de 2015, quando surgiu nas redes sociais mandando manobras de skate vestida de fada, sendo conhecida desde então, não só no Brasil como no mundo, como "Fadinha do Skate". Uma pesquisa pelo termo "Fadinha do Skate" no Google confirma isso, tal fato tendo sido inclusive amplamente repercutido em razão da sua conquista nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.

Verifica-se, portanto, que "Fadinha do Skate" é o pseudônimo da jovem Jhúlia Rayssa Mendes Leal, legítima titular do referido pseudônimo, que, nos termos legais, goza da mesma proteção que se dá ao nome e que impede o registro de marca sem o seu consentimento, conforme dispõem o artigo 19 do Código Civil1 (lei 10.406/2002) e o inciso XVI do artigo 124 da Lei da Propriedade Industrial2 (lei 9.279/96, a chamada LPI).

Ocorre que, em 2/9/2019, a empresa de RRS Odontologia Ltda., que é sediada na Cidade de Imperatriz, no Maranhão, ou seja, mesma cidade da qual Rayssa é natural, depositou no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) três pedidos de registro da marca "Fadinha do Skate", nas Classes 253, 414 e 445, para assinalar, em linhas gerais, artigos do vestuário (25), serviços de entretenimento e organização de competições (41) e serviços médicos e/ou odontológicos (44), objeto dos processos 918111277, 918112516 e 918112370.

Após o devido processamento, sem que tenha sido apresentada qualquer oposição ao aos pedidos de registro, em 22/4/2020 o INPI concedeu os registros da marca "Fadinha do Skate" para a empresa RRS Odontologia Ltda.

Sob a ótica legal, alguns pontos chamam a atenção na concessão desses registros, ainda que não tenha sido apresentada resistência às concessões em um primeiro momento.

Primeiramente, considerando que a titular dos registros é uma empresa odontológica, a determinação legal disposta no parágrafo primeiro do artigo 128 da LPI, que determina que As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei, deveria ser suficiente para impedir pelo menos os registros nas Classes 25 e 41, ou pelo menos fazer que que o INPI formulasse a(s) exigência(s) cabível(veis).

Além da Classe 44, relacionada a serviços médicos/odontológicos, na qual, sob o estrito enfoque do § 1º do art. 128 da LPI, a empresa RRS Odontologia Ltda teria legitimidade para titularizar registros marcários, os registros foram concedidos também nas Classes 25 e 41, para produtos/serviços estranhos àqueles hodiernamente explorados por uma empresa do ramo da odontologia, podendo se desconfiar que o INPI não observou a orientação legal da referida norma, já que nem mesmo formulou exigência para que a depositante dos registros comprovasse a legitimidade para obter registros nessas classes, como já se verificou em outros casos análogos.

Tal disparidade das atividades desenvolvidas pela titular frente às especificações dos registros da marca "Fadinha do Dente" nas Classes 25 e 41 já colocam em xeque a legitimidade da empresa RRS Odontologia Ltda. para titularizar tais registros marcários e os atos concessivos do INPI.

Além disso, considerando que a referida empresa é sediada na Cidade de Imperatriz/MA, cidade natural de Rayssa, de onde seus vídeos a despontaram para o mundo, já tendo inclusive dado diversas entrevistas pelo Brasil afora, questionável também é a fé que moveu a empresa odontológica, já que seus atos podem caracterizar ainda aproveitamento parasitário de apelido notoriamente conhecido.

Ora, em 2019, quando a empresa RRS Odontologia Ltda. depositou seus pedidos de registro no INPI, Rayssa já tinha participado de diversos programas televisivos de alcance nacional reconhecida como a "Fadinha do Skate", sendo presumível que na data dos depósitos dos pedidos de registro, quando a skatista já gozava de reconhecimento mundial, a empresa conhecesse a fama da jovem maranhense e dela quisesse se aproveitar.

Sem olvidar a (i)legitimidade da empresa RRS Odontologia Ltda. para obter os registros da marca "Fadinha do Skate" sob o viés intrínseco, dadas as atividades por ela exercida de forma efetiva e lícita (art. 128, § 1º, da LPI), cumpre ressaltar que a legislação brasileira também impede o registro de marca que seja pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores, conforme estabelece o inciso XVI do art. 124 da LPI.

Com esse fundamento foi que Jhúlia Rayssa Mendes Leal requereu ao INPI a instauração de Processo Administrativo de Nulidade dos registros da marca "Fadinha do Skate", medida publicada pelo Órgão para apresentação de manifestação, no prazo de 60 (sessenta dias), em 29/9/2020, e contra a qual não foi apresentada defesa por parte da empresa RRS Odontologia Ltda. (processos administrativos ainda em curso no INPI).

Inobstante uma vez instaurado o Processo Administrativo de Nulidade de marca o INPI não permita sua desistência sem que as alegações trazidas no procedimento administrativo sejam apreciadas pelo Órgão, conforme estabelece o Manual de Marcas (3ª edição, 4ª revisão, p. 276), considerando o princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal6), entendemos que seria possível, junto à Justiça Federal, a adjudicação dos registros por parte Jhúlia Rayssa Mendes Leal, para que então ela, legítima titular do pseudônimo em questão, passasse à titularidade dos registros da marca "Fadinha do Dente" junto ao INPI. 

Sob a égide desportiva, a fama e o talento da "Fadinha do Skate" chamaram a atenção de ninguém mais ninguém menos do que de Tony Hawk, uma das maiores lendas do esporte, provavelmente a maior, que passou a ser seu mentor. Não à toa que o talento da "Fadinha do Skate" foi coroado com a medalha de prata no skate nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.

Portanto, seja sob a esfera dos direitos da personalidade, seja sob o manto do direito marcário, verifica-se que os registros da marca "Fadinha do Skate" foram concedidos de forma indevida pelo INPI à empresa RRS Odontologia Ltda., já que Jhúlia Rayssa Mendes Leal, a legítima titular do referido pseudônimo, não conferiu autorização para tais registros. Resta aguardar a decisão do INPI em sede de Processo Administrativo de Nulidade.

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1 Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

2 Art. 124. Não são registráveis como marca: XVI - pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;

3 armações de chapéus; artigos de malha [vestuário]; bermudas; blazers [vestuário]; bonés; botas *; sapatos *; calçados *; camisas; camisetas; casacos [capotes]; casacos [jaquetas]; chapéus [chapelaria]; chinelos [pantufas]; coletes; combinações [vestuário]; faixas [vestuário]; galochas; jardineiras [vestuário]; jérseis [vestuário]; leggings [calças]; macacões; malhas [vestuário]; mitras [chapéus]; paletós; parcas; peles [vestuário]; saias; sandálias; chuteiras; sobretudos [vestuário]; suéteres; ternos; trajes; vestuário *; vestuário confeccionado; viseiras [chapelaria]; artigos de chapelaria; calçado esportivo; chinelo [vestuário comum]; coturno; quimono [vestuário]; calças compridas; (da classe 25)

4 informações sobre entretenimento [lazer]; organização de competições [educação ou entretenimento]; organização de competições desportivas; organização de espetáculos [shows] [serviços de empresário]; planejamento de festas [serviços de entretenimento]; produção de shows; serviços de entretenimento; serviços de cerimonial [planejamento de eventos] sem fins comerciais ou publicitários; agente artístico; literário e cultural [promotor de evento]; assessoria, consultoria e informação em atividades desportivas e culturais; assessoria, consultoria e informação em entretenimento [lazer]; promotor de eventos [se artísticos/culturais]; (da classe 41)

5 assistência médica; serviços de clínica médica; serviços de odontologia; serviços de saúde; exames médicos de rastreamento; consultas médicas [serviços médicos]; odontologia [cirurgião-dentista]; perícia odontológica/perito odonto-legista; serviços de raio-x; tratamento médico; serviços ortodônticos; assessoria, consultoria e informações sobre medicina, assistência médica e odontológica; (da classe 44)

6 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Bruno de Carvalho Figueiredo

Bruno de Carvalho Figueiredo

Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia pelo PROFNIT. Advogado e Gerente Jurídico da Wettor Soluções em Marcas.

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