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Diversificação da discricionariedade e Fortalecimento do relator-geral do orçamento na definição de prioridades

No mês de julho de 2021, em pouco menos de uma semana, a LDO 2022 foi analisada e aprovada pelo Congresso Nacional, em um dos processos mais céleres dos últimos anos.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Atualizado às 13:45

(Imagem: Arte Migalhas)

O Parlamento Brasileiro sempre buscou ter uma participação efetiva no Orçamento Geral da União, principalmente por meio das emendas individuais, de Bancadas Estaduais e Comissões e, até mesmo, das emendas de relatores que, eram mais utilizadas para a correção de erros e omissões do Poder Executivo, não tendo muito espaço para a execução direta pelo Relator como temos percebido nestes últimos anos.

Até a entrada em vigor da lei Orçamentária Anual de 2013 1(LOA2013), aprovada em 2013, as emendas aprovadas pelos parlamentares não possuíam a obrigação de serem executadas, visto que, ainda não existia sua impositividade. A execução das emendas ficava a cargo do Poder Executivo, que poderia executá-las da forma que lhe conviesse. Até aqui todas as emendas eram classificadas como Resultado Primário 2(RP2), despesas discricionárias, que se misturava com todas as outras despesas classificadas nessa modalidade, com pouca transparência quanto a execução das emendas.

A partir da lei de Diretrizes Orçamentária de 2014 2, aprovada em 2013, os parlamentares inovaram incluindo o Art. 52 que trazia em seu texto o seguinte:

"É obrigatória a execução orçamentária e financeira, de forma equitativa, da programação incluída por emendas individuais em lei orçamentária, que terá identificador de resultado primário 6 (RP-6), em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º, do art. 165, da Constituição Federal."

É no Orçamento de 2014 que se dá a efetiva criação da impositividade das emendas individuais. Além de criar a impositividade, os parlamentares definiram um marcador específico para as emendas impositivas individuais, conhecido como RP6, e definiram também como seria o cálculo para cada exercício do montante destas emendas.

A impositividade das emendas individuais trouxe mais protagonismo para o Poder Legislativo, que passou a ter suas emendas realmente executadas conforme apresentadas no orçamento.

No ano de 2015, o Congresso alterou a Constituição e estabeleceu a execução obrigatória das emendas apresentadas individualmente por cada um dos parlamentares, em um total de cerca de R$ 10 bilhões, o que totalizou um valor individual de R$ 16,32 milhões para cada parlamentar. Nas LDOs de 2016 a 2018, o Congresso adotou o mesmo formato utilizado, em 2014 para emendas individuais impositivas, para inclusão nas respectivas leis da obrigatoriedade de execução de valor específico para emendas de bancadas impositivas.

Com a impositividade das Emendas de Bancadas, por meio das LDOs 2016 a 2018 os parlamentares passam a ter um poder maior de influenciar demandas orçamentárias para seus Estados, principalmente em grandes investimentos. No ano de 2019, é sancionada a EC 100 3, tornando obrigatória a execução das emendas de bancadas estaduais, que garantiu o valor de R$ 6 bilhões de reais para serem divididos de forma igualitária para todos os Estados da Federação.

Agora com as emendas individuais e de bancadas impositivas os parlamentares assumiram papel preponderante na execução orçamentária, garantindo a destinação de fatia expressiva de recursos a serem distribuídos em suas bases eleitorais.

Ainda em 2019, quando da análise da lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 4, incluíram no texto, a criação dos Resultados Primários 8 e 9 que passariam a classificar as emendas de Comissão do Congresso Nacional e as emendas de Relator-Geral, bem como outros pontos que tornariam suas execuções de certa forma obrigatórias.

Ressalta-se que, isto pode ter sido uma reação a tentativa do Governo do Bolsonaro de estabelecer um "modus operandis" diferente de relacionamento com o Poder Legislativo, baseado na interlocução com frentes temáticas, como a ruralista, evangélicas entre outras. Como pode se observar não deu certo, pelo contrário, o Poder Executivo ficou, ainda, mais dependente do Poder Legislativo, ou seja, retomou a relação que sempre ocorreu entre Líderes Partidários e os representantes do Executivo. 

O resultado é que na análise, pelo Congresso Nacional, da lei Diretrizes Orçamentárias de 2019, o relator-geral acabou incluindo em seu substitutivo a criação dos Resultados Primários 8 e 9, que correspondia as emendas de Comissão do Congresso Nacional e as emendas de Relator-Geral além de incluir outros textos que tornariam essas emendas também de execução obrigatórias. O substitutivo do relator foi aprovado pelo Congresso Nacional, em 09 de outubro de 2020, e encaminhado ao Poder Executivo para Sanção.

O Presidente da República, por meio do Veto 43/2019 5 parcial, vetou a criação dos marcadores de resultados primários 8 e 9 da LDO2020, com a justificativa de que as despesas desses marcadores passariam a ser de execução obrigatória, o que contribuiria para a alta rigidez do orçamento, dificultando até mesmo o cumprimento das regras fiscais.

No dia 3 de dezembro de 2019, o Presidente da República, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de lei Nacional 51/2019(PLN51), 6 de alteração da LDO de 2020, restabelecendo o texto vetado quanto aos marcadores de resultado primário 8 e 9 entre outras alterações.

O PLN 51/2019, foi aprovado no dia 10 de dezembro de 2019 e encaminhado a sanção do Presidente da República.

Em processo conjunto de análise de vetos e alteração da LDO o parlamento estava analisando a lei Orçamentária Anual de 2020(LOA2020) 7, que passou a ter sua tramitação acelerada para que pudesse ser aprovada antes do fim da sessão legislativa, que ocorreria no dia 22 de dezembro de 2019. A LOA 2020 foi aprovada 17 de dezembro de 2019 e encaminhada para sansão presidencial.

O ponto que salta aos olhos, na LOA 2020, é o valor de R$ 30 bilhões que ficou nas mãos do relator-geral para sua discricionariedade em distribuir estes recursos entre seus pares, além de tudo, deixa claro a disputa entre o Parlamento e o Executivo de se manter o marcador de RP9 na LDO.

Na análise da LOA2020, a equipe econômica, verificou que suas despesas discricionárias ficariam tão baixas que corria sério risco de algumas atividades importantes não fossem executadas naquele exercício, o presidente Bolsonaro ameaçou vetar o valor integral e a partir daí o Congresso mediante acordo com o Palácio do Planalto, renunciou a R$ 10 bilhões. O relator-geral ainda manteve sobre seu poder o valor de R$ 20 bilhões, sob a rubrica orçamentária de RP9.

Neste momento, se dá a aproximação do Presidente da República com os parlamentares do chamado "Centrão", que passou a indicar pessoas próximas do seu grupo político para dentro do governo.

Tem surgido com frequência nos meios de comunicação, que o Governo Bolsonaro utilizou, em dezembro 2020, emendas de relator-geral favorecendo alguns parlamentares a fim de viabilizar candidatura dos presidentes da Câmara e do Senado, o caso ficou conhecido como "Orçamento Secreto". Não é por acaso que os dois candidatos apoiados pelo Executivo foram eleitos.

Hoje existem três ações de Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPFs 850, 851 e 854 8), apresentadas pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo Cidadania e PSOL. O PSB e o Cidadania decidiram recuar das ações após pressão de suas bancadas no Congresso - mas a ministra, Rosa Weber, recusou-se a aceitar a desistência.

Nas ações ao STF, os partidos pedem que os pagamentos baseados nas chamadas emendas de relator-geral, identificadas pelo código RP-9, sejam suspensas até que o Supremo Tribunal Federal analise a legalidade e a constitucionalidade dos repasses. Os partidos também pedem que o governo divulgue todas as informações relativas às emendas do chamado "orçamento secreto". As ações estão aguardando decisão pelo Tribunal.

No dia 30/06/2021, o Tribunal de Contas da União - TCU, realizou análise das contas do Presidente da República, referente ao exercício de 2020 e um dos pontos que foram avaliados são os repasses realizados pelas emendas de relator-geral.

No relatório apresentado pelo TCU é apontado que a falta de transparência na lógica de atender ofícios de deputados e senadores sobre repasse de recursos, não demonstra compatibilidade com a Constituição Federal. "A realidade identificada não reflete os princípios constitucionais, as regras de transparência e a noção de accountability".

As contas do Presidente da república, de 2020, foram aprovadas com ressalvas, sendo algumas deles relacionadas as emendas de relator-geral conforme descritas abaixo:

a) quanto ao orçamento do exercício de 2020, deem ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator-geral (RP-9);

b) quanto à execução do orçamento de 2021, adotem as medidas necessárias no sentido de que todas as demandas de parlamentares voltadas para distribuição de emendas de relator-geral, independentemente da modalidade de aplicação, sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal previsto nos arts. 3º e 4º da lei 10.180/2001, da qual seja assegurado amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa, assim como seja garantida a comparabilidade e a rastreabilidade dos dados referentes às solicitações/pedidos de distribuição de emendas e sua respectiva execução, em conformidade com os princípios da publicidade e transparência previstos nos arts. 37, caput, e 163-A da Constituição Federal, com o art. 3º da lei 12.527/2011 e art. 48 da lei Complementar 101/2000.

Para o orçamento de 2021, aprovado pelo Congresso, o Relator-Geral, para inflar suas emendas e como forma de criar, mais uma vez, um orçamento paralelo, realizou cancelamento de mais de R$ 26 bilhões em despesa obrigatórias. As principais despesas canceladas foram o abono salarial, parte do seguro-desemprego, parte dos benefícios previdenciários urbanos e rurais e subvenções econômicas.

Juntando o valor R$ 3 bilhões do voto inicial do relator anterior, com os supracitados cancelamentos, o Relator-Geral apropriou-se de mais de R$ 29 bilhões, sendo que, o órgão que mais recebeu recursos foi o Ministério do Desenvolvimento Regional, que foi o mesmo que aparece nos meios de comunicações, como sendo, um dos principais operadores da maior parte dos recursos destinados aos suposto "Orçamento Secreto" em 2020.

Na avalição da área técnica do poder executivo era necessário e urgente recompor as dotações de despesas obrigatórias que o relator-geral cancelou. Nesse sentido, o Presidente da República vetou valor de R$ 19,8 bilhões, sendo que, este veto já foi apreciado pelo Congresso Nacional, mantendo a decisão do Presidente.

Na mesma sessão do Congresso que manteve o veto, também foi aprovado o PLN 04/2020, que recompôs a dotações obrigatórias canceladas pelo Relator-Geral, quando da aprovação da LOA 2021.

Com o veto e cortes posteriores, o valor que o relator-geral terá disponível é de R$ 16,8 bilhões, para execução no exercício de 2021. O relator terá um valor deveras substancial para atender suas bases e as de parlamentares mais alinhados com sua posição política a véspera de ano eleitoral.

Vale reforçar a diferença das emendas de relator em relação às emendas impositivas. Enquanto estas são igualmente distribuídas entre bancadas/parlamentares, as primeiras são completamente discricionárias, sem quaisquer critérios relacionados às necessidades da população ou à representatividade das bancadas no Parlamento. O Poder Executivo, por meio da Portaria Interministerial ME/Segov-Pr 6.145, de 24 de maio de 2020 9, previu que as emendas passarão a ter caráter impositivo, ainda que não haja qualquer previsão nesse sentido na lei de Diretrizes Orçamentária de 2021 e nem na Constituição Federal. Muito estranho isso. Será que estamos retomando ao tempo das portarias autônomas?

No mês de julho de 2021, em pouco menos de uma semana, a LDO 2022 10 foi analisada e aprovada pelo Congresso Nacional, em um dos processos mais céleres dos últimos anos. A LDO 2022 manteve os marcadores RP 8 e 9 em seu texto e inclui a possiblidade do Poder Executivo descontar da meta de resultado e do teto de gastos despesas com o Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda - BEM e o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - PRONAMPE.

Com a possibilidade de o Governo Federal ter espaço no teto de gasto de aproximadamente R$ 47 bilhões, de acordo com o relatório de julho/2021 da Instituição Fiscal Independente - IFI 11 do Senado Federal e a possibilidade retirar despesas da meta de resultado primário e teto de gasto, cria-se uma margem muito grande para o Poder Executivo desenvolver ou ampliar programas sociais com vista à reeleição, além de possibilitar que o relator-geral do PLOA amplie os valores das emendas e relator visando a eleição de 2022.

Para concluir, observa-se que no decorrer do último anos 5 anos, com enfraquecimento indiscutível do Poder Executivo, pela falta de projeto de nação, o Poder Legislativo adquiriu, através das emendas individuais e de bancadas impositivas, uma substancial e efetiva participação na execução orçamentária da União. Embora, do ponto de vista, possa haver distorções na aplicação dos recursos, uma vez que, nem sempre esses recursos vão atender as reais necessidades da população, porque os interesses que move as decisões individuais, podem não concatenar com os interesses coletivos.

Quanto à discricionariedade do Relator-geral e o montante a ser administrado, a sua vontade e interesses, é um ponto de desequilíbrio, deforma a gestão e destinação dos recursos dos contribuintes, tornando o Poder Executivo refém de parte do Poder Legislativo. Apenas vem revelar a incapacidade do Poder Executivo de contrapor ao modelo de compadrio e à mais completa submissão por sua fragilidade na capacidade de governar, ou por seu próprio interesse na operação do escandaloso processo de troca de favores.

Nesse sentido, o que resta é aguardar o envio do PLOA de 2022 para ver se as projeções apresentadas até aqui vão ser mantidas ou se aprofundarão ainda mais.

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1 Lei 12.798, de 04 de abril de 2013 - lei Orçamentária Anual de 2013 - Foram aprovadas em emendas individuais valor de R$ 8,87 bilhões, sendo algo entorno de R$ 15,00 milhões para cada parlamentar. O empenho dessas emendas ficou próximo dos R$ 6,0 bilhões.

2 Lei 12.919, de 24 de dezembro de 2013 - lei de Diretrizes Orçamentárias para 2014. 

3 EC 100 - Estabelece a impositividade das emendas de Bancada Estadual

4 Lei 13.898, de 11 de novembro de 2019 - Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020

5 Veto 43/2019 - Veto parcial da lei de Diretrizes Orçamentárias

6 Projeto de lei Nacional 51/2019 - Alteração da lei de Diretrizes Orçamentárias para restabelecer os marcadores de RP 8 e 9.

7 Lei 13.978, de 17 de janeiro de 2020 - lei Orçamentária Anual de 2020

8 ADPFs 850,851 e 854 - Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais apresentadas pelos partidos PSB, Cidadania e PSOL contra o pagamento das emendas de relator.

9 Portaria Interministerial ME/Segov-Pr 6.145, de 24 de maio de 2020 - Dispõe sobre procedimentos e prazos para operacionalização das emendas individuais, de bancada estadual e de relator-geral e superação de impedimentos de ordem técnica.

10 Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022

11 Relatório de Julho/2021 da IFI - Relatório apresenta a possibilidade de o Governo Federal ter um espaço no teto de gastos para 2022 de aproximadamente R$ 47 bilhões

Édrio Nogueira

Édrio Nogueira

Assessor de orçamento do Senado. Participa da pós em orçamento público pelo ILB.

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