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Entre Bolsonaro e o Estado Democrático de Direito, eu já fiz a minha escolha

A escalada de mentiras, crimes e ataques às instituições feita pelo atual presidente da República é um evidente retrocesso e deveria ser objeto de repúdio de toda a comunidade jurídica.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Atualizado às 10:23

Apesar de todas as mazelas sociais que ainda nos assolam, nós evoluímos. Dentro do que é possível em um país marcado pela precariedade em setores fundamentais, nós ainda dispomos de uma democracia representativa, de um conjunto de leis moderno, de instituições operantes e de liberdade. Sim, há muito o que aprimorar. O Estado precisa se fazer mais presente nas regiões periféricas, o acesso ao Judiciário não pode continuar excluindo os mais necessitados, boa parte do quadro político precisa ser renovado e as garantias da Constituição têm necessidade de serem efetivadas. Mas, vejam, precisamos avançar no "processo civilizatório", não retroceder.

A escalada de mentiras, crimes e ataques às instituições feita pelo atual Presidente da República é um evidente retrocesso e deveria ser objeto de repúdio de toda a comunidade jurídica. Serei direto e não usarei eufemismos. Não é admissível que um estudante, operador ou acadêmico do Direito feche os olhos para a deterioração dos fundamentos mais caros da República. Não podemos assistir inertes a falas levianas e irresponsáveis que incitam a barbárie contra a Suprema Corte do país e seus Ministros, que atentam contra o pleno funcionamento dos poderes e que são absolutamente incompatíveis com o decoro que é exigido de quem ocupa temporariamente posição tão nobre. Não se trata de concordar ou não com tudo o que o STF julga e faz, mas tão somente de impedir o despotismo que se anuncia.

O silêncio, a conveniência e até mesmo o apoio de alguns a essa funesta incursão de horrores só é comparável a quietude de muitos alemães perante o Terceiro Reich. Não custa lembrar que em 05 de dezembro de 1934, Hitler começou sua perseguição aos juristas alegando defender "a ordem, o Direito e a liberdade". E para quem considera a comparação exagerada, basta dizer que nem mesmo o führer ousou dizer em alto e bom som que agiria de forma contrária à lei1. Aos que argumentam que se trata de mera retórica, peço que voltem aos bancos escolares. Afinal, o que seria a Ciência Jurídica se as palavras de nada importassem?

Talvez nada do que eu escreva signifique muita coisa para quem acha que o Direito é um mero "instrumento" pecuniário. Duvido até que leiam esse texto já que ele concorre diretamente por atenção com "Estratégias para atrair clientes com a 'revisão da vida toda'"... Mas, se você chegou até aqui, já parou pra pensou na possibilidade de advogar sob um regime de exceção? Quais seriam as garantias mínimas dos seus clientes? E as suas? Como explicar/argumentar que você defende a lei em um ambiente onde a autoridade máxima do país a ignora e segue impune?

Sei que as discussões de Tributário, Previdenciário, Penal etc. são - à primeira vista - mais "interessantes", mas como bem colocou Tercio Sampaio Ferraz Jr.: "O direito [...] protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial"2. Se assim não o for, não há sentido em fazer o que fazemos.

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1 BARCELLOS, Renato. Bolsonaro ameaça reagir fora das '4 linhas' da Constituição a inquérito no STF. CNN Brasil, São Paulo, 05 ago. 2021. Disponível aqui. Acesso em 05 ago. 2021.

2 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 11.

Poandson Santos

Poandson Santos

Estudante de Direito, pós-graduado em Direitos Humanos, pós-graduando em Processo Civil

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