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Responsabilidade legal na pandemia

Nesta fase, emerge a responsabilidade moral de cada um, mais relevante do que a responsabilidade penal pelos males porventura causados e possamos todos caminhar no mesmo sentido em prol do bem-estar e da saúde pública.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Atualizado às 09:08

(Imagem: Arte Migalhas)

Vive-se uma crise de saúde pública no Brasil e no mundo Identificada inicialmente como uma epidemia chega-se, hoje, à classificação de pandemia, por ter o coronavírus atingido inúmeros países. Necessário se faz, analisar os aspectos penais envolvidos neste cenário partindo dos relevantes bens jurídicos constitucionalmente tutelados. Em primeiro lugar, deve-se apontar o direito individual fundamental mais precioso, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, que é o direito à vida. Muitas enfermidades são capazes de produzir lesão à saúde, levando à morte. Por isso, como direito social, aponta o art. 6º, caput, da Carta Magna, expressamente, o direito à saúde. 

Portanto, para proteger o bem maior - a vida humana - é indispensável assegurar a saúde pública, razão pela qual o Código Penal a tutela, por meio de vários tipos penais incriminadores, no Capítulo III do Título VIII da Parte Especial e cabe ao Estado criar todos os instrumentos para que a saúde de todos seja preservada, punindo aqueles que, de um modo ou outro, contribuem, na mão oposta de direção, para prejudicar a saúde individual ou coletiva.
O Código Penal possui, basicamente, três crimes, que podem ser aplicados na atual situação: epidemia (art. 267), infração de medida sanitária preventiva (art. 268) lesão corporal(art.129). O mais grave é o delito de epidemia ("causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos"), cuja pena é de reclusão, de 10 a 15 anos. Havendo morte, essa pena é duplicada e se torna delito hediondo (art. 1º, VII, lei 8.072/90). O crime é doloso, mas existe a forma culposa, cuja pena é de detenção, de 1 a 2 anos; neste caso, havendo morte, a pena passa a ser detenção, de 2 a 4 anos.

Tem as autoridades sanitárias brasileiras se preocupado, no momento, em destacar o delito do art. 268 - infração de medida sanitária preventiva ("infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa" - mais simples de apurar e punir, cuja pena é de detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa. Aumenta-se a pena em 1/3 se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Finalmente, outro crime inserido no contexto da pandemia do coronavírus, mencionado na Portaria Interministerial 5/20 (Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e da Saúde) é a desobediência, prevista no art. 330 do Código Penal ("desobedecer a ordem legal de funcionário público"), cuja pena é de detenção, de 15 dias a 6 meses, e multa, que deve ser vista como de utilização residual. Cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Somente se valerá o poder público deste tipo penal, caso não haja a inserção do agente em outro crime, como, por exemplo, o delito de infração de medida sanitária preventiva (art. 268, CP), evitando-se a dupla punição pelo mesmo fato (bis in idem).

Por certo, acima da aplicação de leis penais, em cenário já conturbado pela crise do coronavírus, está a conscientização da população no tocante ao seu dever cívico de proteger a sua saúde e a de outros membros da coletividade onde vive. Nesta fase, emerge a responsabilidade moral de cada um, mais relevante do que a responsabilidade penal pelos males porventura causados e possamos todos caminhar no mesmo sentido em prol do bem-estar e da saúde pública.

Orlando Luís de Arruda Barbato

Orlando Luís de Arruda Barbato

Mestre em Direito Penal pela Universidade Mackenzie e prof.de Direito Penal da Unirp.

Merli Maria Garcia Diniz

Merli Maria Garcia Diniz

Professora/Pós graduada. Advogada especialista em Direito do Consumidor, poeta e cronista.

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