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Preservação ambiental é lei e não mera liberalidade

Camila Abolafio

A natureza tem valor e o centro mundial é o Brasil, o que exige a concreta e efetiva implantação das Unidades de Conservação e o desenvolvimento de todas as suas potencialidades.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Atualizado às 08:08

(Imagem: Arte Migalhas)

Mais conhecida como lei do SNUC, a lei 9985, publicada em 19/7/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, acaba de completar a maioridade sem que se possa falar em sua plena aplicação e cumprimento. São 21 anos sem o devido entendimento da importância do Brasil como protagonista na agenda ambiental global, o que nunca foi tão urgente.

Para aqueles que não estão tão familiarizados com o tema, as unidades de conservação são espaços territoriais e recursos ambientais, com características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo Poder Público, podendo ser de proteção integral ou de uso sustentável. 

Nas unidades de proteção integral, destacamos a criação de Parques e Estações Ecológicas, onde se admite apenas o uso indireto dos recursos naturais. Nas de uso sustentável, das quais citamos as Florestas e Reservas de Fauna, compatibiliza-se o uso sustentável de parcela dos recursos naturais com a conservação da natureza. Nos exemplos indicados, a lei impõe a regularização das áreas particulares abrangidas, mediante desapropriação.

São notórios os benefícios trazidos pela instituição dessas áreas, dentre eles, a preservação da biodiversidade, melhoria da qualidade de vida, ecoturismo, desenvolvimento de pesquisas científicas sobre a fauna e flora, proteção de serviços ecossistêmicos (sequestro de carbono, controle do clima, polinização de plantas, fornecimento de água etc.), com possibilidades concretas de incremento da economia local e regional.

Tem sido prática comum a criação das unidades de conservação sem as medidas concretas para o seu real implemento. Ou seja, formalmente criada a unidade existe, a gestão pública é realizada com poucos recursos, sem a plena proteção das áreas e em permanente pendência de regularização fundiária das áreas particulares.

Não se pode mais admitir essa postura governamental, que cria unidades de conservação, mas não assume e cumpre as obrigações decorrentes. As emergências climáticas, a transição para economia de baixo carbono, a retomada econômica verde pós-pandemia almejam soluções de restauração, proteção e valorização da natureza, representando uma grande oportunidade para ressignificar as áreas de conservação, abandonando, de uma vez por todas, esse sistema de unidades de conservação de fachada.

Nesse contexto, a decisão do Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp 1656657/MG, DJe 03.08.2021), é emblemática ao destacar que o mandamento constitucional (art. 225, caput, e parágrafo 1º, III) entona dever-poder do Estado na instituição de espaços territoriais especialmente protegidos e que a inércia ou descaso estatal é um mal maior do que a própria ação estatal ilícita, cabendo ao Judiciário fazer prevalecer a Constituição e a lei para se afastar um Sistema de Unidades de Conservação de papel: "se as Unidades de Conservação representam um dos instrumentos axiais da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - recepcionado em 1988 pela primeira vez na Constituição Federal -, estabelecê-las e bem geri-las há de tipificar incumbência estatal inafastável e não mera faculdade, como se fosse favor, liberalidade ou prerrogativa optativa deixada ao sabor do vento ou de rompantes de conveniência e oportunidade do Administrador."

É bom lembrar que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica - CDB (Decreto 2.519, de 16/3/98),  voltada a instituir um plano de ação pela biodiversidade, com metas para 2030, objetivando discussão na COP-15/CDB, prevista para ocorrer em outubro de 2021 na cidade de Kunming, na China. O país depositou, em 04.03.2021, na ONU, a carta de ratificação do Protocolo de Nagoia que estabelece regras internacionais para a utilização e a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade, e agora estamos na Década da Ação.

Por tudo isso, não se pode mais esperar. A natureza tem valor e o centro mundial é o Brasil, o que exige a concreta e efetiva implantação das Unidades de Conservação e o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. 

Camila Abolafio

Camila Abolafio

Advogada do Luz Moreira Advogados.

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