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Brevíssimos comentários acerca do suicídio em hospitais gerais

Este breve texto focará apenas em alguns cuidados a serem tomados pelos hospitais gerais para a prevenção de suicídio de seus pacientes.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Atualizado às 14:59

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

INTRODUÇÃO

Neste mês de setembro ocorre a campanha nacional de prevenção ao suicídio.

Esse importantíssimo tema pode ser enfocado sob diversas óticas. Este breve texto, entretanto, focará apenas em alguns cuidados a serem tomados pelos hospitais gerais para a prevenção de suicídio de seus pacientes.

A análise e os comentários estão fundamentados em decisões do [1]. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro-TJRJ (período: janeiro de 2015 a 01 de setembro de 2021, argumento de busca: "suicídio e hospitais ou clínica", tendo sido encontradas 68 decisões diversas); e do [2]. Superior Tribunal de Justiça-STJ (período em aberto, pesquisa realizada em 03 de setembro de 2021 sob os argumentos: (a). "Suicídio e Hospital", tendo sido encontradas 13 decisões diversas, e (b). "Suicídio e Clínica", tendo sido encontradas 3 decisões diversas.

DAS DECISÕES JUDICIAIS

Analisando as decisões encontradas, destacaram-se, como pertinentes para o presente estudo, 11 decisões, sendo: 6 do TJRJ e 5 do STJ, as quais poderiam ser assim resumidas:

[1]. TJ/RJ.  0005748-72.2014.8.19.0210 - APELAÇÃO. Este caso tratou do suicídio cometido por paciente no interior de uma clínica, enquanto internado para tratamento de lesão na coluna. O paciente era maior e absolutamente capaz, e não tinha registro de episódios de incapacidade mental, além disso, não apresentou sinais exteriores de estar acometido por doenças psíquicas capazes de levá-lo ao suicídio, nada indicando a necessidade de um regime diferenciado de proteção.  Por esse motivo, não tendo negligência da clínica e nexo causal, e considerando que a responsabilidade objetiva não se confunde com a responsabilidade por risco integral, entendeu o Tribunal por manter a improcedência da ação.1

[2]. TJ/RJ.  0014616-37.2013.8.19.0028 - APELAÇÃO. Neste caso, o suicídio por enforcamento ocorreu dentro de um manicômio judicial administrado pelo Estado, sendo que a vítima já havia tentado suicídio outras vezes. O Tribunal entendeu que houve omissão e que nenhuma medida preventiva para evitar o dano foi adotada. O Estado tem o "dever de preservação da incolumidade física e moral daqueles que se encontram sob a tutela prisional do Estado". Aqui houve a condenação do Estado.2

[3]. TJ/RJ.  0511921-03.2014.8.19.0001 - APELAÇÃO. Aqui, um paciente foi "diagnosticado com personalidade esquizoide (CID F 60.1) uma das maiores causas de suicídio." Além disso, já havia relato de tentativa de suicídio anterior. Inobstante tais fatos, o paciente, após três dias de internação, foi transferido para um outro setor onde não havia mais a vigilância direta e continua vindo a cometer suicídio. Entendeu o Tribunal, com base no CDC, que houve falha na prestação do serviço e quebra do dever de manutenção de incolumidade do paciente, sendo que o evento era previsível e evitável.3

[4]. 0356417-67.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO.  Este caso tratou da queda de paciente da janela de um hospital, "devido a acidente ou suicídio". Neste caso houve a anulação da sentença, para novo julgamento, ressaltando ser essencial a prova da "adequação ou não das instalações em que se encontrava o paciente, bem como a necessidade ou não de maiores cuidados com o paciente e a janela onde ocorreu a queda".4

[5]. TJ/RJ. 0013365-78.2008.8.19.0021 - APELAÇÃO.  Neste caso, houve o suicídio de paciente internado em clínica psiquiátrica. Entendeu o Tribunal por condenar a clínica uma vez que ela tinha o "dever de vigiar e guardar seus pacientes, sob pena de responder civilmente ante a culpa in vigilando".5

[6]. TJ/RJ. 0324803-88.2008.8.19.0001 - APELAÇÃO. Aqui a discussão foi referente ao suicídio por paciente internado em hospital para tratamento de neoplasia maligna. Por entender o Tribunal que o evento não era previsível, uma vez que não houve qualquer intenção suicida por parte do paciente, julgou a ação improcedente por falta de nexo causal.6

[7]. STJ. Resp 1319275 / PB. RECURSO ESPECIAL 2012/0077619-4.  Este caso envolveu o suicídio de um paciente internado em um "hospital administrado pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB que, durante o período de internação, cometeu suicídio ao jogar-se do terceiro andar do edifício." A motivação do ato teria sido, segundo os autores, "a informação, de forma desumana e desrespeitosa, de diagnóstico de contaminação pelo vírus HIV." As decisões de primeiro e segundo graus foram contrárias aos autores da ação (dois menores, filhos da pessoa que cometeu o suicídio). A decisão foi no sentido de "tornar nulos os acórdãos proferidos no julgamento da apelação, determinando-se a intimação do Ministério Público para ciência da sentença."7

[8]. STJ.  Resp 494206 / MG. RECURSO ESPECIAL 2002/0170695-6. Este caso tratou de "suicídio cometido por paciente internado em hospital, para tratamento de câncer. Hipótese em que a vítima havia manifestado a intenção de se suicidar para seus parentes, que avisaram o médico responsável dessa circunstância. Omissão do hospital configurada, à medida que nenhuma providência terapêutica, como a sedação do paciente ou administração de anti-depressivos, foi tomada para impedir o desastre que se havia anunciado."  Ressaltou a Ministra Nancy Andrighi, relatora para o acórdão, que "o "hospital é responsável pela incolumidade do paciente internado em suas dependências. Isso implica a obrigação de tratamento de qualquer patologia relevante apresentada por esse paciente, ainda que não relacionada especificamente à doença que motivou a internação. - Se o paciente, durante o tratamento de câncer, apresenta quadro depressivo acentuado, com tendência suicida, é obrigação do hospital promover tratamento adequado dessa patologia, ministrando anti-depressivos ou tomando qualquer outra medida que, do ponto de vista médico, seja cabível. - Na hipótese de ausência de qualquer providência por parte do hospital, é possível responsabilizá-lo pelo suicídio cometido pela vítima dentro de suas dependências."8

[9]. STJ. Resp 602102 / RS. RECURSO ESPECIAL 2003/0192193-2. Aqui, discutiu-se a responsabilidade do Estado por ato omisso em razão da morte de paciente portador de deficiência mental internado em hospital psiquiátrico. Ressaltando ser a responsabilidade do Estado objetiva, a decisão deixou claro que "somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima." No caso, entendeu o Tribunal que houve falha no dever de vigilância do hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio posterior do paciente.9

[10]. STJ. Resp 490836 / PR. RECURSO ESPECIAL 2002/0171977-0. Neste caso, o recurso não foi conhecido, sendo mantida a condenação da União, em razão de ter o paciente cometido suicídio enquanto internado na ala psiquiátrica de Hospital Militar (houve negligência no tratamento do paciente).  O valor do dano moral foi assim mantido em 300 (trezentos) salários-mínimos, deixando claro o Acórdão que "o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que pode majorar ou reduzir, quando irrisório ou absurdo, o valor das verbas fixadas a título de dano moral, por se tratar de matéria de direito e não de reexame fático-probatório."10

[11]. STJ. Resp 605420 / RJ. RECURSO ESPECIAL 2003/0196688-0. Neste último caso, o recurso também não foi conhecido, sendo mantida a decisão. Ressaltou o acórdão, entretanto, que: "tendo o paciente tentado contra a própria vida e alguns dias após praticado suicídio, esse fato leva à conclusão de que houve falta de vigilância por parte dos funcionários do Estabelecimentos."11

Vê-se nas referidas decisões [1] uma tendência de se exigir dos hospitais psiquiátricos/manicômios um dever de cautela maior do que aquele exigido dos hospitais gerais, bem como, [2] uma ênfase preponderante na discussão do nexo de causalidade, em especial em duas causas de exclusão do nexo de causalidade: a culpa exclusiva da vítima e o caso fortuito e força maior.

BREVES COMENTÁRIOS

É cediço o entendimento de que a responsabilidade civil na área médica está fundada em [1] uma ação ou omissão, ou em um defeito ou vício do serviço ou produto, ou na falha do dever de informação, que se mostrem não amparados ou contrários ao Direito; [2] na existência de um dano reparável deles decorrentes; e, [3] na presença do nexo de causalidade.

Diante do foco nas questões referentes ao nexo de causalidade, importante notar que seriam causas de afastamento do nexo causal: [1] o caso fortuito ou a força maior, [2] a culpa exclusiva da vítima, ou [3] a culpa exclusiva de terceiros.  Frise-se nos dois últimos casos que a culpa deve ser exclusiva; ou seja, se para o suicídio concorrer, de qualquer modo o hospital ou médico, o nexo não seria rompido, embora possa haver reflexos nos valores de indenização a serem pagos.

Quando se fala em suicídio, se está falando de uma atuação da própria vítima contra ela mesma, devendo então ser questionado se essa atuação seria causa de rompimento do nexo causal, ou seja: se houve um caso fortuito ou força maior (acontecimento inevitável não decorrente da atuação do hospital do médico) ou uma culpa exclusiva da vítima.

Das decisões acima, e com relação às hipóteses de suicídio, pode-se depreender que: [1]. O suicídio ocorrido em um hospital psiquiátrico ou em um manicômio é avaliado de maneira distinta do suicídio ocorrido em um hospital geral; [2]. Embora as duas unidades respondam de maneira objetiva, e tenham o dever de cuidar e manter incólume o paciente, enquanto nos hospitais psiquiátricos e manicômios já há a uma pressuposição de que cuidados maiores devam ser adotados com o objetivo de evitar autolesões, lesões a terceiros ou mesmo suicídio do paciente,  no caso dos hospitais gerais a responsabilização decorreria da não adoção de deveres de cuidado e cautela especiais e distintos para fazer frente aos sinais emitidos pelo paciente de que poderia cometer o suicídio; ou seja, embora objetiva a responsabilidade, ela não seria integral, podendo se entender, no caso de paciente internado em hospitais gerais, que a  inexistência de sinal deixaria claro ter ocorrido culpa exclusiva da vítima ou um caso fortuito ou força maior afastando o nexo causal, e, portanto, a obrigação de reparar.

Assim, e no caso de hospitais gerais, em havendo algum sinal, medidas protetivas adicionais devem ser adotadas como, por exemplo, [1]. No caso de medicamentos trazidos de casa por paciente, a identificação, mediante declaração de responsabilidade pelo paciente ou responsável legal, e o acautelamento dos medicamentos na farmácia hospitalar; [2].  Aumento da vigilância do paciente; [3]. Sedação do paciente; [4]. Uso de medicação apropriada (antidepressivo, por exemplo); [5]. Recomendação de transferência para outra unidade médica mais adequada; [6]. Cuidado na troca de informação com o paciente sobre o seu estado de saúde, sendo relevante aqui a discussão no RESP 1319275/PB onde a discussão gira em torno de suicídio decorrente de impacto emocional em razão de diagnóstico de HIV positivo e o art. 34 do Código de Ética Medica que dispõe ser vedado ao médico "deixar de informar o paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, neste caso, fazer a comunicação a seu representante legal."12

A inexistência desses cuidados, diante dos sinais claros de risco de suicídio, afastaria a excludente de culpa exclusiva da vítima, mantendo existente o nexo de causalidade e, com isso, surgindo a obrigação de reparar.

CONCLUSÃO

Nessas brevíssimas linhas se buscou delinear a responsabilização de hospitais gerais em razão de suicido ocorrido em suas dependências. Muito mais se poderia comentar, analisar e questionar, já que muito rico é o tema, o que se deixará para uma futura análise.

________________

1 TJ/RJ.  0005748-72.2014.8.19.0210 - APELAÇÃO- Des(a). SÉRGIO SEABRA VARELLA - Julgamento: 27/11/2019 - VIGÉSIMA QUINTA. Data de Julgamento: 27/11/2019 - Data de Publicação: 28/11/2019.

2 TJ/RJ.  0014616-37.2013.8.19.0028 - APELAÇÃO - Des(a). CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 15/10/2019 - QUINTA CÂMARA CÍVEL Data de Julgamento: 15/10/2019 - Data de Publicação: 16/10/2019.

3 TJ/RJ.  0511921-03.2014.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). GABRIEL DE OLIVEIRA ZEFIRO - Julgamento: 05/12/2018 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data de Julgamento: 05/12/2018 - Data de Publicação: 19/12/2018.

4 0356417-67.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO.  Des(a). PETERSON BARROSO SIMÃO - Julgamento: 11/07/2018 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data de Julgamento: 11/07/2018 - Data de Publicação: 13/07/2018.

5 TJ/RJ. 0013365-78.2008.8.19.0021 - APELAÇÃO.  Des(a). BENEDICTO ULTRA ABICAIR - Julgamento: 17/05/2017 - SEXTA CÂMARA CÍVEL. Ementário:14/2017 - N. 2 - 14/06/2017

6 TJ/RJ. 0324803-88.2008.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). JOSÉ ACIR LESSA GIORDANI - Julgamento: 04/02/2015 - VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO. Data de Julgamento: 04/02/2015 - Data de Publicação: 06/02/2015.

7 STJ. Resp 1319275 / PB. RECURSO ESPECIAL 2012/0077619-4.  Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139). Órgão Julgador. T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 10/11/2015. Data da Publicação/Fonte: DJe 18/11/2015.

8 STJ.  Resp 494206 / MG. RECURSO ESPECIAL 2002/0170695-6. Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096). Relator(a) p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI (1118). Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 16/11/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 18/12/2006 p. 361. LEXSTJ vol. 210 p. 107.

9 STJ. Resp 602102 / RS. RECURSO ESPECIAL 2003/0192193-2. Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114). Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 06/04/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 21/02/2005 p. 146 LEXSTJ vol. 187 p. 166. RNDJ vol. 65 p. 127. RT vol. 836 p. 151.

10 STJ. Resp 490836 / PR. RECURSO ESPECIAL 2002/0171977-0. Relator(a) Ministro FRANCIULLI NETTO (1117). Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 22/04/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 26/05/2003 p. 356. RSTJ vol. 171 p. 194.

11 STJ. Resp 605420 / RJ. RECURSO ESPECIAL 2003/0196688-0. Relator(a) Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (280). Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 06/04/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 17/05/2004 p. 226. RSDCPC vol. 30 p. 84.

12 CFM. Resolução2217/2018. Código de Ética Médica. Disponível em: clique aqui, visitado em 17/09/2021.

Henrique Freire de O Souza

VIP Henrique Freire de O Souza

Adv. Pós Dir. Econômico-UFRJ, Privado - UFF, Civil Constitucional-UERJ. LLM Intl Legal Studies- GGU. Curso de Finanças-Alumni COPPEAD e Mediating Disputes-Harvard. Links: IABA-WAML-IBERC-CDMSOABRJ

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