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O jabuti e a grávida

Torna-se urgente estabelecer regras para o afastamento das funcionárias grávidas, a fim de evitar que o ônus recaia apenas sobre os empregadores.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Atualizado às 13:36

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O título sugere, mas esse texto não é um conto. Tem mais características de drama. Para quem não sabe, na política, "jabuti" também é o apelido dado a descabidas emendas propostas por parlamentares a projetos de lei, que acabam fugindo do escopo original, ou pior, mais atrapalhando que ajudando.

O termo vem de uma frase atribuída ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, que dizia que "jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente". Um exemplo atual envolve justamente as profissionais grávidas. Vejamos.

A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei nº 2058/21, que determinou as atividades de home office para trabalhadoras gestantes. O projeto previu que o trabalho exercido por essas mulheres acontecesse no formato de teletrabalho ou trabalho remoto, e teria validade enquanto durasse a pandemia de Covid-19, com o objetivo protegê-las, já que integram o grupo de risco.

O texto previa a suspensão temporária do contrato, caso não fosse possível realizar o trabalho remotamente. Entretanto, mesmo nesses casos, os benefícios das funcionárias permanecem garantidos, já que por lei não podem ser demitidas durante a gestação.

Dessa maneira, as funcionárias grávidas passariam a receber o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Previsto na Medida Provisória 1045/21, o benefício é uma complementação do salário, pago pelo governo, baseado no valor do seguro-desemprego.

Ocorre que a MP não foi convertida em lei dentro do prazo previsto no processo legislativo, e perdeu sua eficácia no dia 26 de agosto.

Importante lembrar que algumas funções do comércio são incompatíveis com o home office, a exemplo de balconistas e caixas de supermercado. Além disso, a lei não estabeleceu de quem é a responsabilidade pelo pagamento da remuneração no período de afastamento.

Sendo assim, desde então, as empresas do varejo de alimentos veem seus custos duplicarem, já que arcam com o salário da profissional em casa e de sua substituta. E aumento de custos vira aumento de preços, com o consumidor pagando a conta.

Notícia nada boa em um país com mais de 35 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, 50 milhões que não trabalham e inflação próxima de 10% ao ano.

Apesar de tentativas, não há solução para a questão no horizonte de curto prazo. Por isso, torna-se urgente estabelecer regras para o afastamento das funcionárias grávidas, a fim de evitar que o ônus recaia apenas sobre os empregadores. Se não, o que veremos é o aumento da discriminação do trabalho feminino no setor de comércio e serviços, o que já está acontecendo.

Se a intenção era nobre, o resultado é uma maior insegurança jurídica e aumento de custos, tudo o que as empresas não precisavam diante de um cenário de retomada, ainda que lenta, da economia e avanço da vacinação.

Alvaro Furtado

Alvaro Furtado

Advogado, procurador aposentado do Município e presidente do Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo).

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