MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Vícios construtivos: aspectos da responsabilidade civil

Vícios construtivos: aspectos da responsabilidade civil

Vanessa Cristina Milkieiwicz Oliveira

Os serviços prestados pela área da construção civil está em expansão, em especial aqueles que envolvem o fornecedor e o consumidor, sendo essencial que ambas as partes saibam qual o tipo de responsabilidade, os prazos, a quem reclamar e a legislação aplicável.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Atualizado às 07:57

(Imagem: Arte Migalhas)

A aquisição de imóveis e/ou a fruição, bem como a construção, são atividades comerciais recorrentes, traduzindo-se em uma perspectiva alta de crescimento dos setores da engenharia civil em 20211. Em contraponto, o aumento de ações judiciais por vícios construtivos também apresenta grande escalada, em especial em imóveis populares, com cerca de cinquenta e uma mil ações tramitando na Justiça Federal, conforme levantamento realizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção2.

Por sua vez, de acordo com a norma técnica da ABNT NBR 13752 (Perícias de engenharia na construção civil), define-se que os vícios construtivos são os decorrentes de erros na elaboração do projeto, na execução ou, ainda, informação insuficiente sobre a utilização ou a manutenção do bem que afeta diretamente o uso e finalidade do imóvel. Em exemplo, os mais comuns são rachaduras, infiltrações, problemas de tubulações e elétricos.

Acerca de quem será o responsável, há diversas hipóteses e o caso concreto deve ser sempre analisado, contudo, em regra, deve-se buscar a construtora, pois este responde pela solidez dos empreendimentos (art. 618 do Código Civil) e, ainda, o incorporador e seus equivalentes, conforme disposto nos arts. 30 e 31 da lei 4.591/64, além de responderem de maneira solidária, isto é, podendo o lesado demandar quaisquer delas, se for o caso. No mais, em caso de existência de cobertura de seguro, a seguradora também figurará no polo passivo.

Veja-se que quem poderá pleitear a reparação do problema, rescisão contratual ou indenização é o proprietário do imóvel, independente de ser o primeiro a ter adquirido, portanto, não é necessário que o imóvel seja novo, mas que os prazos de reclamação sejam observados. E em caso de serem vícios nas áreas comuns, por exemplo de edifícios, entende-se que a legitimidade será do condomínio representado pelo síndico. Há outras possibilidades como do mutuário ou cessionário, porém é necessário analisar o caso e a jurisprudência de maneira específica.

As normas que permitem o pleito estão contidas no Código Civil (lei 10.496/02) e, principalmente no art. 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) e estas serão balizadoras para a análise do tipo de responsabilidade, prazo e demais pormenores.

Em hipótese de ser uma relação consumerista, ou seja, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, em que está presente a figura do fornecedor e do consumidor, este último como destinatário final do serviço (art. 2°, CDC), é possível extrair o caráter objetivo da responsabilidade, ou seja, sem análise de culpa do demandado, bastando a conduta e o nexo causal. Contudo, caso se trate de profissional liberal, a responsabilidade será subjetiva e necessário a comprovação da culpa, consubstanciada em imperícia, negligência e imprudência (art. 14, §4°, CDC)

Nesse caso, é importante tecer considerações sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova (art. 6°, IV, CDC), mecanismo previsto no Código de Defesa do Consumidor e que possibilita que construtor/incorporador tenha que realizar a prova de que não foi o causador do dano. Porém, a inversão apenas ocorrerá mediante comprovação condição da hipossuficiência do consumidor na relação, porque está em situação de vulnerabilidade por não possuir paridade com o fornecedor, tanto técnica quanto financeira, ou, ainda, se existirem indícios de que as alegações do consumidor são verossímeis, isto é, em análise superficial dos fatos e eventuais provas é possível verificar que os danos são decorrentes de suposto vício na construção.

Antes de adentrar no prazo para reclamar os defeitos e vícios construtivos, é salutar frisar que estes se dividem-se em aparentes e ocultos, em que os primeiros são facilmente verificáveis, como por exemplo piso não nivelado e/ou azulejo quebrado, e os segundo são aqueles que apenas se desenvolvem durante o transcurso do tempo ou só são perceptíveis por meio de uma análise técnica e profissional, como os defeitos em fios elétricos e na estrutura do imóvel.

Nesse sentido, sobre o prazo para realizar eventuais reclamações, em caso de defeitos aparentes ou de fácil constatação o prazo será de 90 (noventa) dias, a partir da entrega do imóvel, como prevê o artigo 26, II do Código de Defesa do Consumidor, em que deverá ser sanado o vício em 30 (trinta) dias. 

Assim, a título exemplificativo, se o imóvel foi recebido em 06/02/2021 e verificou-se a existência de uma pintura mal feita, o consumidor terá até 06/05/2021 para reclamar ao responsável e este, por sua vez, deverá solucionar até 30 (trinta) dias após a comunicação. E, caso não cumprido, poderá reclamar a substituição, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço (art. 18, CDC).

Entretanto, quando se tratar de vício oculto, como na maioria dos casos, existem dois tipos de prazos diferentes a serem observados, o de garantia previsto no art. 618 do Código Civil e o para demandar as perdas e danos. Assim, existem duas possibilidades ao se deparar com o vício:

(i)  se ocorrer no período de 5 (cinco) anos da entrega da obra, em atenção ao art. 618 do Código Civil, é possível responsabilizar o empreiteiro, porém, essa busca deve ocorrer em no máximo 180 (cento e oitenta dias) após a descoberta do vício para desfazimento do contrato (ação redibitória) ou abatimento do valor (ação estimatória ou quanti minoris);

(ii)  se ultrapassado os prazos mencionados anteriormente, só será possível a indenização pelos danos, sem rescisão contratual ou abatimento do valor, sendo que o prazo será de 10 (dez) anos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça3.

Então, se houve entrega do imóvel em 06/02/2021, o defeito, como por exemplo uma infiltração, deve ser verificado até 06/02/2026. Assim, se o vício foi detectado em 15/07/2023, o consumidor deve requerer o desfazimento ou abatimento do valor até 15/11/2023. No caso, se superados os prazos, é possível buscar indenização pelos danos até 06/02/2031.

Desta feita, é essencial guardar todos os documentos e se atentar ao aparecimento de problemas que decorrem da construção do imóvel, bem como tentar solucionar extrajudicialmente em conjunto com construtora, além de que, caso necessário, é possível elaborar um parecer com um profissional da área para atestar a existência dos vícios e, eventualmente, buscar a via judicial.

________

1 Disponível aqui. Acesso em 29 set. 2021.

2 Disponível aqui. Acesso em 25 set. 2021.

À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra").

(STJ, REsp 1.819.058/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ: 03/12/2019, DP: 05/12/2019).

Vanessa Cristina Milkieiwicz Oliveira

Vanessa Cristina Milkieiwicz Oliveira

Graduanda em Direito pela PUCPR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estagiária do setor cível do escritório Fonsatti Advogados Associados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca