MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Pai ausente poder ter direitos

Pai ausente poder ter direitos

Sem delongas ao que já é tão notório no âmbito do direito, observa-se um cenário inverso que pode soar não tão justo (porém, que já é normatizado e amparado por lei) - no direito de família.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Atualizado às 10:57

(Imagem: Arte Migalhas)

É isto mesmo que você leu: direitos, não apenas deveres.

Quando falamos da relação "genitor e filho" de pais separados, no âmbito do direito, imaginam-se em um primeiro momento as situações de poder familiar, tomada de decisões, pensão alimentícia, visitas, guarda etc.

Sem mais delongas ao que já é tão notório, esta nota foi redigida na tentativa de demonstrar um cenário inverso e que pode soar não tão justo (porém, que já é normatizado e amparado por lei).

Comecemos imaginando aquele pai que nunca foi ao aniversário do filho, não manteve qualquer contato, sequer prestou alimentos, mas que então resolveu "surgir" um bom tempo depois... exigindo seus direitos?

Sim, soa estranho, mas isto é possível no nosso ordenamento jurídico.

Entre os pro bonos recebidos no escritório, um em particular me fez refletir sobre isso.

A situação, simples e pura, foi a seguinte: M. N., menor de idade e recém-nascida, estava com problemas quanto à identificação do pai.

Pois bem, a questão do DNA foi toda e resolvida e, com sucesso, o pai da criança foi descoberto. Partiu-se, então, para o final do processo, com todas as formalidades para a averbação na certidão de nascimento da criança.

Ocorre que, meses depois, retornou a avó ao escritório, relatando que o pai sequer prestou as primeiras parcelas dos alimentos fixados e nunca havia visitado a criança. Ainda, garantiu que o mesmo cidadão dizia a todos que havia apenas registrado, mas que nunca iria amparar a bebê, que não a sentia como sua filha e que em nada mudaria a prestação pecuniária, pois já estava e iria continuar cumprindo pena em regime fechado por um bom tempo devido a delitos praticados.

A avó, então, solicitava meu auxílio e "um processo para retirar o nome do pai biológico da certidão"; até porque temia pelo próprio homem e não gostaria de vínculo ou qualquer poder familiar daquele sobre a infante.

Em suma: um pedido de "exclusão de pai biológico" da documentação toda (assim como da vida da bebê).

Confesso que, de antemão, me pareceu uma certa imprudência, visto que sequer a menina possui qualquer outro interessado em ser seu pai, ainda que afetivo e "no registro" - como comumente se fala.

Enfim, com 9 meses, esta era a situação de M. N.

Eu, logicamente, precisaria elaborar uma tese que não soasse tão absurda e berrante aos ouvidos do gabinete.

Por fim, rasgando meu falso moralismo e meu engessamento jurídico, concluí: de que adiantaria o nome do pai nos documentos, se este nunca sequer de fato foi? Seria este caso específico a oportunidade de fazer valer os magníficos ensinamentos de Maria Helena Diniz sobre as diferentes formas de família existentes e tentar começar a transferi-los ao papel? Afinal, a criança iria ser criada pelos avós e a mãe.

Ao mesmo tempo, me julguei ousado demais para uma comarca tão patriarcal e provinciana.

Deixando a problemática do processo de lado, muitas outras hipóteses surgiram-me à mente.

Naquele dia, continuei "afundando o chão" de um lado para o outro no escritório por mais uns segundos e, com uma batida de mão na testa, confrontei algumas hipóteses:

E se a criança cresce, adquire patrimônio, não tem filhos e, fatalmente, morre antes do "pai"? O resultado seria o de um pai ausente, mas herdeiro necessário - adquirindo até mesmo possíveis bens que teriam sido deste "filho" que nunca amparou em vida, como prevê o art. 1.845 do Código Civil.

Ou então, não menos provável: pedidos de pensão alimentícia, por parte do genitor, em algum momento da vida. Ora, nada mais é o que está disposto em nosso Código Civil: 

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. 

Nossa Constituição, a Lei Maior, também assegura:

 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 

O estatuto do Idoso, não tão especificamente, também garantiria certa necessidade de amparo, ainda com caráter punitivo no caso de omissão pelas partes:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 97. Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública:

Pena - detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. 

Nossa Constituição, a Lei Maior, também assegura:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Frente aos dispositivos legais apontados, conclui-se que, o pai ausente e que apenas "registra o filho" tem sim direitos adquiridos no momento do ato. Ainda, poderá ser qualificado como herdeiro necessário em caso de morte, mesmo estando ausente por toda uma vida.

Por estes (e outros) "novelos" do direito é que cada caso deve ser analisado de modo amplo, minucioso e preventivo. No direito de família, eu diria que a situação é metaforicamente artesanal - nada se garante e, confessemos... nenhum advogado é vidente. 

Marco Antonio Ferraz Portela

Marco Antonio Ferraz Portela

Advogado do escritório Ferraz & Muniz Advogados Coligados. Especialista em Processo Civil pela LFG.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca