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Debate (ou ausência de) sobre a competência da Justiça do Trabalho no tema de repercussão geral 1166 STF

Ressurgimento da questão sobre a competência da justiça do trabalho para determinar o recolhimento de contribuições pelo empregador para o plano de previdência privado decorrentes de verbas trabalhistas

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Atualizado às 11:24

(Imagem: Arte Migalhas)

Para a grande surpresa de muitos operadores do direito, magistrados e principalmente aqueles que militam no direito previdenciário complementar o STF em menos de 2 meses, isso mesmo, dois meses, reconheceu a repercussão geral e julgou o seu mérito, sobre uma matéria que atormenta por anos, muitos gestores jurídicos de EFPC.

No julgamento do RE 1.265.564/SC que avaliou sob o ótica dos artigos 114, I e 202 § 2º da Constituição Federal a competência para julgar ações ajuizadas contra empregadores/patrocinadores ao recolhimento de contribuições à entidade de previdência complementar decorrentes de verbas ou valores trabalhistas reconhecidos como diferença salarial da reclamatória.

O mais intrigante, além da lapso temporal entre a afetação do tema e o julgamento do mérito, é o fato de estar sendo "reafirmada a jurisprudência dominante da Suprema Corte sobre a matéria".

Justamente deste ponto é que parte a reflexão. Qual jurisprudência dominante? Aquela "lotérica" trazida pelo RE 175.673/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 05.11.1999 ou aquela de caráter absoluto disposta no RE 586.453/SE, Rel. Min. Dias Tofolli, DJe 05/06/2013 (Tema 190)?

Ou ainda, a jurisprudência dominante proferidas em decisões monocráticas nos RE 1.242.494/MG, RE 1.256.509/MG e RE 1.221.534/DF dos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (apenas para ilustrar), respectivamente, ou, RE 1.223.434/PB, RE 1.241.979/RS e RE 1.158.573/MG de lavra dos mesmos Ministros?

Por outro lado, quando analisada as decisões monocráticas e votos proferidos nos julgamentos virtuais dos Agravos Internos, na 2ª Turma, o Min. Gilmar Mendes acompanhou decisão do relator, em sentido contrário a decisão por ele proferida em caráter monocrático. (vide RE nº 1.062.929/SP X RE nº 1.256.068/SC)

Já na 1ª Turma, os Ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio acompanharam decisão do relator em sentido contrário a decisão por eles proferidas em caráter monocrático. (vide RE nº 1.249.978/SC X RE nº 1.214.923/PR)

A divergência nas decisões sobre o tema são totalmente contraditórias e instáveis, pois, os Ministros do STF, em lapso temporal pequeno, proferiram decisões monocráticas completamente antagônicas sobre a mesma matéria.

Por conta desse antagonismo e instabilidade das decisões monocráticas proferidas sobre o tema, bem como das poucas decisões proferidas pelas 1ª e 2ª Turmas do STF, todas em sessão virtual, não teria o Excelso Pretório perdido uma grande oportunidade de fazer uma maior reflexão e revisão sobre o tema, justamente para buscar uma decisão mais ampla e harmoniosa com aquelas decisões proferidas e afetadas sob o caráter de Recurso Repetitivo pelo STJ, Temas 955 e 1021?

Ademais, a decisão proferida pelo STF sob o Tema 1166 não estaria em dissonância, no sentido amplo, com a ratio decidendi dos Temas 149, 190 e 1092 da própria Suprema Corte?

Se o julgamento relâmpago do Tema 1166 de fato, vai trazer maior racionalidade ao sistema de precedentes qualificados e efetividade à prestação jurisdicional só o tempo dirá, mas é certo que, trará maior insegurança aos jurisdicionados, sem falar no possível enfraquecimento das teses definidas pelo STJ nos Temas 955 e 1021.

Com efeito, se adotarmos a hermeneutica unitária de que todas as decisões foram proferidas por um único Poder da República, ou seja, pelo Poder Judiciário, sem distinção de sua fragmentação administrativa, seria lógico, para o investidor, gestor ou administrador das entidades de previdência complementares e seus patrocinadores, interpretar de forma conjunta e única em busca da efetividade da Justiça.

Não faz sentido que nas diversas espécies de justiças (federal, estadual, trabalhista, eleitoral...) que compõem o Poder Judiciário, sejam proferidas decisões sem qualquer harmonia e unicidade, sendo o Poder Judiciário UNO.

Pensar diferente atenta contra a Segurança Jurídica, a previsibilidade das decisões judiciais, a efetividade e racionalidade da justiça e evita-se que uma decisão proferida no Juízo Trabalhista, de incremento contributivo pelo empregador/patrocinador e do empregado/participante sobre parcelas salarial, seja posteriormente desconsiderada para fins de repercussão no valor do benefício de complementação de aposentadoria pela Justiça Comum.

Destarte, não restava dúvidas que os fundamentos externados no acórdão RE 586.453/SE, embora não unânime, reconheceram a competência em caráter absoluto da Justiça Comum em relação à matéria, com base nos seguintes argumentos:

(i) o § 2º do artigo 202 da Constituição Federal seria a fonte normativa evidente da existência de dois regimes de previdência: um o do regime geral, que alcançaria todos os trabalhadores do setor privado; e o outro, complementar, de previdência privada, inteiramente dissociada das relações trabalhistas e de tudo que dela decorrer - inclusive em matéria de previdência;

(ii) a competência foi definida com base nos princípios da coexistência de dispositivos constitucionais (duas posições de fundamentos constitucionais) e unidade de convicção (maior efetividade e racionalidade da Justiça); e

(iii) eliminação da incerteza jurídica sobre a matéria (segurança jurídica).

Consoante pronunciamento do Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, tomado em sede de Recursos Extraordinários com Repercussão Geral reconhecida (nº 586453 e 583050), se mostra lógico concluir que não sendo a Justiça Especializada competente para determinar qualquer revisão no complemento de aposentadoria privada da reclamante, por certo não lhe cabe interferir nem sequer determinar qualquer alteração no aporte de recursos incidentes sobre a relação jurídica que une a reclamante e a EFPC.

Isso porque a simples determinação de retenção de contribuições para a entidade de previdência privada e/ou a recomposição da reserva matemática, implicaria na análise direta ou indiretamente das regras regulamentares envolvendo a relação entre EFPC e Reclamante.

Aplica-se aqui o critério da "unidade de convicção" já albergado pelo e. STF como fator de interpretação e discriminação de competências, e muito bem sintetizado pelo Ministro Cezar Peluso no julgamento do RE 438.639/MG como sendo hipótese em que "quando o mesmo fato deva ser apreciado mais de uma vez, deva sê-lo pela mesma Justiça", entendimento este reiterado posteriormente quando do julgamento do RE 7.204-1/MG, ainda que para levar à conclusão de ser competente o Juízo oposto ao primeiro.

Nesse sentido, o conjunto harmonioso das decisões sobre a matéria, se mostram congruentes quando os Tribunais Superiores deixam claro que se reconhece a COMPETÊNCIA da Justiça do Trabalho para julgar demandas proportas contra o empregador ou ex-empregador em que os pedidos envolvendo o pagamento de contribuições e/ou reserva matemática em prol do obreiro sejam de caráter REPARATÓRIO, devido ao fato de não lhe ser mais possível revisar o seu benefício de complementação de aposentadoria, tendo em vista a ausência de prévio custeio previsto no "caput" do artigo 202 da Constituição Federal.

Ora, se mostra um contrasenso que a definição de competência jurisdicional posta pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 190, decorrente da natureza autônoma da previdência complementar, ainda que o surgimento do contrato de previdência complementar pressuponha a existência de um vínculo trabalhista subjacente, não haveria como justificar a competência da Justiça Especializada com base no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal.

Nessa esteira, a Justiça do Trabalho tem competência para dizer quais verbas trabalhistas são devidas ao empregado, a exemplo de horas extras, mas é incompetente para dizer se essas horas extras devem ou não gerar contribuições ao plano de previdência complementar, por se tratar de uma obrigação de natureza contratual, derivada de uma relação jurídica autônoma, sem qualquer viés tributário e não decorrente da relação de trabalho.

Logo, em busca de uma harmonização das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - STF (Temas 149, 190 e 1092), do Superior Tribunal de Justiça - STJ (Temas 955 e 1021) e do Tribunal Superior do Trabalho - TST, seria de grande evolução ao direito pátrio que o Tema 1166 fosse revisto para fazer prevalecer o entendimento de que é da competência da Justiça Especializada julgar ações propostas pelo obreiro contra o ex-empregador, cujos pedidos ou parte deles seja para reconhecer a obrigação e condenar a Reclamada a lhe pagar em caráter reparatório, os valores que seriam devidos à título de contribuição previdenciária e/ou reserva matemática para a entidades de previdência complementar na época apropriada, ante o ato ilícito do empregador.

Igor Dainton Travassos

Igor Dainton Travassos

Gerente jurídico da Fundação ELOS. Especialista em Direito de Seguros pela AIDA Portugal (Universidade Nova de Lisboa) e MBA em Previdência e Gestão de Fundos de Pensão pela FGV/DF.

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