MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A Portaria 620 do Ministério do Trabalho e a vacinação obrigatória de empregados

A Portaria 620 do Ministério do Trabalho e a vacinação obrigatória de empregados

Renato Melquíades

A vacinação é medida eficaz de proteção coletiva, que visa à oferta de um ambiente de trabalho imunizado contra o novo coronavírus, que já matou mais de seiscentos mil brasileiros.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Atualizado às 09:18

(Imagem: Arte Migalhas)

No início de novembro, diversas empresas e órgãos públicos passaram a exigir o comprovante de imunização contra o coronavírus de seus empregados e colaboradores, a exemplo da Gol Linhas Aéreas, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Nesse sentido, a Justiça do Trabalho tem validado a demissão por justa causa de empregados que se recusam a seguir o cronograma da imunização, estabelecido pelas autoridades de saúde e exigido pelos empregadores, sob pena de caracterização de indisciplina e insubordinação do trabalhador recusante.

Assim, causou perplexidade entre os especialistas a edição da Portaria 620, de 1º de novembro, pelo Ministro do Trabalho e Previdência (Portaria 620), que, dentre outras medidas, proíbe as empresas de, "na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação".

Para a referida Portaria, "considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação".

Por fim, a Portaria afirma que o "rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório ..., além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais".

No entanto, a Portaria 620 é absolutamente inconstitucional e ilegal, representando uma usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional.

O artigo 87 da Constituição afirma que os Ministros de Estado podem expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Por sua vez, a CLT atribui competência ao Ministro do Trabalho para regulamentar diversos aspectos protetivos das relações de trabalho, como, por exemplo, a manutenção de serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho (art. 162), o funcionamento das CIPAs (art. 163, par. único) e as atividades perigosas e insalubres (arts. 192 e 193).

Contudo, a Portaria 620 não instrui ou regulamenta qualquer texto legal ou constitucional, muito em sentido contrário.

Conforme prevê a Constituição, a saúde é direito social de todos (art. 6º), enquanto que os trabalhadores têm direito fundamental à proteção contra o dano à saúde ou à integridade física  (art. 7°, inc. XXI).

Além de fundar a ordem econômica brasileira na valorização do trabalho humano (art. 170), a Carta Maior estabelece que a ordem social tem como bases o primado do trabalho e do bem-estar social.

No âmbito infraconstitucional, a lei 8.213/81 (lei dos Benefícios Previdenciários) afirma que a empresa é responsável pelas medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador (art. 10, par. 10). Da mesma forma, determina que as empresas devem oferecer um meio ambiente de trabalho sadio e seguro aos seus empregados, devendo ser adotadas todas as medidas cabíveis e possíveis de precaução e higiene no local de trabalho (art. 19, par. 1º).

Por sua vez, a CLT afirma que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (art. 157, inc. I). Prevê, ainda (arts. 168 e 169), diversas normas relativas à proteção dos trabalhadores contra doenças do trabalho.

As disposições protetivas da CLT são regulamentadas por normas editadas pelo Ministério do Trabalho, que tem a incumbência de instruir as partes da relação de trabalho quanto ao cumprimento das normas protetivas.

A Norma Regulamentadora 7 (NR-7) trata de diversos aspectos da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho, exigindo a elaboração e a implementação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).

A NR-7 passou por atualização recente, após trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), constituído com paridade entre representantes do governo federal, dos trabalhadores e dos empregadores. Assim, de acordo com o novo texto da NR-7, o controle da imunização ativa dos empregados relacionada a riscos ocupacionais deve ser uma diretriz obrigatória do PCMSO (item 7.3.2.l) das empresas.

Da mesma forma, segundo a Norma Regulamentadora 32 (NR-32), sempre que houver vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores podem estar expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente (item 32.2.4.17.2).

É preciso lembrar, ainda, que, não tomando todas as medidas possíveis de prevenção, as empresas podem vir a ser responsabilizadas em caso de eventual surto entre os seus empregados, com eventual caracterização do chamado Covid Laboral, equiparável a doença do trabalho por força do art. 20, inciso II, e do art. 21, inciso III, ambos da lei de Benefícios Previdenciários.

De igual forma, cabe mencionar o Decreto 3.048/99, Regulamento da Previdência Social (RPS), que contém a associação de um vasto número de doenças a atividades e condições de trabalho nas empresas. Na sua Lista B, há correlação entre infecções virais, como a dengue, a febre amarela e a hepatite, e o exercício do trabalho em locais endêmicos, o que se aplica, por analogia, ao novo coronavírus.

Sendo assim, a Portaria 620 do Ministro do Trabalho ofende o texto da Constituição, de diversas leis ordinárias federais, de decretos e de regulamentos, ao contrário do que lhe permite o art. 87 da Carta Maior.

A exigência de vacinação contra o novo coronavírus não é, sequer, uma faculdade das empresas, mas uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A vacinação é medida eficaz de proteção coletiva, que visa à oferta de um ambiente de trabalho imunizado contra o novo coronavírus, que já matou mais de seiscentos mil brasileiros.

É preciso lembrar, conforme dispõe o artigo 8º da CLT, que as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho devem atuar de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Sendo assim, em cumprimento ao artigo 49 da Constituição, urge que o Congresso Nacional suste os efeitos da Portaria 620, ante as inconstitucionalidades e ilegalidades flagrantes, restabelecendo, com isso, a segurança jurídica para as empresas que adotam medidas visando à proteção da saúde de todos os trabalhadores e à higiene de seu local de trabalho.

Renato Melquíades

Renato Melquíades

Sócio diretor do escritório Renato Melquíades Advocacia.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca