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O art. 39, § 9º da Constituição e a incorporação de vantagens permanentes ligadas ao cargo efetivo

A interpretação finalística e literal como instrumentos a serem utilizados em favor do servidor.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Atualizado em 11 de novembro de 2021 11:08

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Aprovada e promulgada em 12 de novembro de 2019, a emenda Constitucional 103, popularmente conhecida como reforma da previdência, inseriu na Constituição uma profunda alteração das regras aplicáveis aos benefícios previdenciários existentes no Regime Geral de Previdência Social e no Regime próprio dos Servidores Públicos da União.

Muito embora não tenha versado, minuciosamente, sobre as normas que passariam a valer para Estados e Municípios, a reforma inseriu no artigo 39 um dispositivo que - dolosa ou culposamente, não se sabe - acabou por atingir diretamente agentes públicos vinculados aos demais entes da federação.

Cuida-se, em verdade, do parágrafo 9º, que passou a registrar ser vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Seu precípuo efeito, necessário registrar, diz respeito à não recepção das normas que, vigentes até a data da emenda, tenham previsto ao servidores a possibilidade de incorporação das vantagens decorrentes do exercício de cargos em comissão ou funções de confiança, ressalvando-se, aqui, a preservação do direito adquirido, assim entendida a situação daquele que antes de 12 de novembro de 2019 já reunia todos os requisitos necessários à exigência de sua prerrogativa, bem como aquelas concedidas por atos já publicados e, portanto, validados.

Ponto que também deve se extrair da literalidade do texto legal é abrangência da sua incidência concreta, de onde advirão valiosos precedentes administrativos consubstanciados na prática de atos que que concedam ou revisem direitos. Isto porque, muito embora já existam julgados do Tribunal de Justiça Fluminense que a invocaram para negar a incorporação de verbas permanentes e ligadas às funções atribuídas ao cargo efetivo, esta não parece ter sido a razão de ser da criação da norma.

E afirmo isso tomando por parâmetro dois fatores: um de natureza material, ancorado em consequências financeiras e fiscais práticas e outro de ordem hermenêutica, criado com o fito de evitar que normas restritivas fossem interpretadas de modo demasiadamente exagerado, ameaçando a própria efetivação do princípio da legalidade.

O primeiro deles decorre da necessidade que tem a Administração Pública de, sempre que for realizar concurso público para cargos de natureza efetiva, considerar, sob todas as óticas possíveis, os impactos que isso terá no cotidiano financeiro e orçamentário do ente que os proverá, fazendo-o não só sob o prisma imediato, como também considerando as progressões remuneratórias existentes ao longo do tempo.

Ao realizar o certame, a administração considera, para fins de aferição das metas fiscais, a remuneração prevista para o cargo ao longo de toda a carreira.  O acréscimo de elevadas quantias decorrentes daquelas pagas ocupantes de cargos comissionados, por óbvio, não se inserem o rol de consequências previsíveis para a Administração, ensejando um bruto impacto na manutenção do dever de preservação do equilíbrio fiscal que, desde 2000, se impõe ao administrador.

Extrai-se daí, pois, a primeira razão para que a diferenciação das vantagens influencie no processo de confecção da norma jurídica.

Não fosse suficiente isso, também milita em favor dos servidores a máxima hermenêutica segundo a qual normas restritivas se interpretam restritivamente. A redação que foi dada à fonte normativa aqui comentada é cristalina ao especificar o tipo de benefício financeiro que busca rechaçar: vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão

Tomemos, a título de exemplo, a gratificação de regência e produtividade instituída pela lei municipal 1.261/04 no âmbito do magistério público do Município de Araruama, cidade localizada no interior do Estado do Rio de Janeiro.

A vantagem, convém explicar, é paga na proporção de 10% e 20% incidentes sobre o vencimento base, e levarão em consideração, enquanto fato gerador, a efetiva regência de sala de aula e a produção que as atividades desempenhadas por integrantes do mencionado quadro. Após dois anos de efetiva percepção da gratificação, prevê a norma, o valor passa a incorporar os vencimentos do servidor.

Por tratar de benefício ligado às funções permanentemente atribuídas ao cargo, já existir por ocasião dos certames e ter todo o seu impacto financeiro e orçamentário previamente calculado quando da sua implementação, a regra ora comentada não possui o perfil fático que a emenda visa combater, posto não se tratar de vantagens temporárias, tampouco pagas em virtude do exercício de cargo em comissão, estando, portanto, em plena vigência nos dias atuais.

O raciocínio, pontue-se, é aplicável a outras estruturas normativa inseridas em outros entes da federação, sendo necessário que tratem de vantagens com o mesmo perfil do aqui abordado.

E é firme nessas convicções que advogamos pela tese da possiblidade de incorporação de vantagens permanentes, ligadas as atribuições do cargo efetivo ocupado, desde que previstas em lei vigente no âmbito político-administrativo do ente a que estiver vinculado o Agente público que, por sua vez, deverá ostentar no caso concreto todos os requisitos por ela estabelecidos.

João Marcelo Alves Mastra

João Marcelo Alves Mastra

Advogado Administrativista, professor e Procurador Municipal, João Marcelo Mastra é coordenador da banca de Direito Administrativo do Gaglianone, Fonteneles e Cabral advogados.

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