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Qual a diferença entre Criminologia e Criminalística?

A Psicologia Jurídica se torna um importante (diria, indispensável!) parceiro dos operadores do Direito, para a análise e compreensão dos comportamentos humanos, principalmente o comportamento criminoso. Daí a estruturação das Ciências Forenses, das quais destaco a Criminologia, que é frequentemente confundida com a Criminalística.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Atualizado às 11:29

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Segundo CALHAU (2005)1, etiologicamente, a palavra Criminologia vem do latim crimino (crime) e do grego logos (estudo, tratado), significando o "estudo do crime". O termo "criminologia" foi usado pela primeira vez em 1883 por Paul Topinard e aplicado internacionalmente por Raffaele Garófalo, em seu livro "Criminologia", de 1885.

Ocorre que, segundo BRETAS (2010)2, o conceito de Criminologia frequentemente se confunde com o seu objeto, método e ocupação. Além disso, varia conforme o contexto social, histórico, político, época de cada sociedade3, constituindo-se Escolas Criminológicas:

  • Positivista: determinista;
  • Clássica: livre-arbitrista;
  • Psicanalítica: estuda a neurose e os conflitos entre o Id e o Superego;
  • Interacionista simbólica: estuda como é introjetada no indivíduo a identidade do criminoso;
  • Positiva: estuda as causas do crime, tendo como objeto de investigação os motivos pelos quais certas pessoas cometem crimes e outras não;
  • Crítica: estuda as causas da criminalização, tendo como objeto de investigação os motivos pelos quais certas pessoas são criminalizadas e outras não.

Em conferência em 1916 "A psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos", FREUD propunha a possibilidade do recurso à psicanálise em situações jurídicas, não apenas em termos do estudo psicanalítico dos criminosos mas, também, no que diz respeito à justiça e até mesmo aos próprios juízes, referindo-se aos limites do ius puniendi4, o poder punitivo do Estado, o que, muito provavelmente, causou uma certa dificuldade em aceitar as contribuições da psicanálise à criminologia. Nesse sentido Marie BONAPARTE (1957/1972 apud CECCARELLI, 2013)5 também descreveu:

Não seria a justiça dos homens, no fundo, uma vingança dos homens? E quando estes reclamam por justiça não estariam, antes, reclamando que a lei do talião seja aplicada? Se as pessoas tanto insistem, por exemplo, na manutenção da pena de morte, cuja eficácia é bastante contestável no estado atual de nossas sociedades na qual o crime se refugia cada vez mais entre os inaptos que não têm o sentido da realidade na qual vivem, não seria, então, mais por proteção própria do que como a última prerrogativa que lhes resta [aos homens] para verter impunemente sangue em tempo de paz? É o sangue do criminoso! Isto é, daquele que, no fundo de si, inconscientemente, encarna os instintos recalcados e insatisfeitos que o povo evita.

A Criminologia é interdisciplinar, pois forma um diálogo com uma série de ciências e disciplinas, tais como a biologia, psicopatologia, medicina legal, sociologia, antropologia, direito penal, criminalística, filosofia, a política criminal, etc.

As principais funções modernas da Criminologia são:

  1. explicar e prevenir o crime;
  2. intervir na pessoa do infrator;
  3. avaliar os diferentes modelos de reposta ao crime (MOLINA; GOMES, 2007, apud CALHAU, 2005, cit.).

No seu atual estágio de desenvolvimento, a criminologia busca explicar o crime e até questionar a própria existência de alguns tipos penais dissociados de estudos reais científicos, muitas vezes criados com dogmatismo acrítico, como no caso de inclusão de novas incidências penais por meras pressões midiáticas ou populares.

Uma das funções principais da criminologia é encontrar meios para a prevenção de novos delitos, que perpassa não só pela implantação dos direitos sociais básicos (educação, saúde, trabalho, habitação, etc.), mas em atendimento a grupos vulneráveis que ostentam maior risco de sofrer com o problema criminal.

BRETAS (2010, cit.) complementa que a Criminologia se ocupa também do estudo do controle social. Nesse sentido, o autor menciona HASSEMER (2005, p.73)6, nos seguintes termos:

[...] esta abertura à teoria do controle social representa todo um giro metodológico de grande importância, ao qual não está alheio o labelling approach ou teoria do etiquetamento e da reação social pela relevância que os partidários destas modernas concepções e mecanismos do chamado controle social na configuração da criminalidade. [...]

Enquanto a Criminologia estuda toda a questão sociologia, antropológica, filosófica dos crimes em geral, tornando-se a ciência que estuda a questão do crime na sociedade, suas implicações, soluções para aplacar o avanço, etc., por sua vez, a Criminalística trata principalmente de aspectos relacionados ao próprio fato do crime. Segundo STUMVOLL (2019, p.02)7,

Criminalística: disciplina que tem por objeto o reconhecimento e interpretação dos indícios materiais extrínsecos relativos ao crime ou à identidade do criminoso. Os exames dos vestígios extrínsecos (na pessoa) são da alçada da medicina legal.

Para JUNIOR [2012]8, a Criminologia é a ciência que estuda o crime, a vítima, o criminoso e as formas de controle social, analisando as causas e consequências do crime para a sociedade.

Para MOLINA e GOMES (1997, p. 33)9, trata-se de:

[...] uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, a dinâmica e as variáveis principais do crime.

Ocorre, porém, que BRETAS (2010, cit.) menciona HASSEMER e MUÑOZ CONDE (2001) quanto à correlação restrita entre o objeto da Criminologia e o Direito Penal, conforme excerto a seguir:

Do ponto de vista de Hassemer/Muñoz Conde, não se pode restringir o objeto da criminologia tão somente ao estudo do delito, por várias razões. Em primeiro lugar, porque o universo abarcado pelo delito é variante no espaço (de país para país) e no tempo (de época para época), o que inviabilizaria uma investigação empírica. Em segundo lugar, restringir o objeto da criminologia ao estudo do delito significaria reduzi-la (a criminologia) a um papel secundário e auxiliar da dogmática penal. Em terceiro lugar, significaria esterilizar o pensamento crítico que transcende o mero conceito positivista do crime. [...]

E essa dificuldade em se estabelecer um objeto único e específico da Criminologia, que interfere na análise da Criminologia como ciência ou não. Ainda segundo BRETAS (2010, cit.), o objeto e a metodologia da Criminologia vão depender da Escola Criminológica que está sendo abordada.

Como a Psicologia pode auxiliar na investigação criminal? 

Segundo SILVA et al. [s.d.]10, o trabalho psicológico nessa aplicação específica visa a fornecer hipóteses - baseadas cientificamente na observação e análise - à equipe de investigação.

JUNIOR [2012, cit.] entende que, diante da existência de várias investigações policiais que relatam crimes de homicídio e estupro cometidos por pessoas portadoras de algum tipo de transtorno mental, crimes estes, muitas vezes, praticados com extrema crueldade, há necessidade de formação e aperfeiçoamento dos profissionais de polícia com conhecimentos específicos em Psicologia Criminal e Criminologia.

Do mesmo modo, pode auxiliar na compreensão de reações diferenciadas da vítima frente a situações traumáticas, como a chamada 'Síndrome de Estocolmo' que, segundo OLIVEIRA (2018, p.27 cit.), deve obrigatoriamente apresentar os seguintes requisitos concorrentes:

  1. A vítima vai progressivamente assumindo uma distinta identificação de atração, apreço, simpatia, amizade e compreensão antes as atitudes, comportamentos, modos de pensar e de agir do agressor;
  2. As manifestações iniciais de agradecimento, em decorrência de ter saído da encruzilhada, se prolongam no tempo, contribuindo para que a vítima não venha a reclamar de nenhuma agressão, violência ou maus-tratos do agressor;
  3. A vítima, em vez de atacar a figura do agressor, exibe uma certa justificativa para determinado tipo de conduta, lançando críticas à inoperância dos governantes, às desigualdades socioeconômicas e às injustiças em relação aos menos favorecidos.

Na chamada 'Síndrome de Estocolmo', a vítima passa a exibir um comportamento diametralmente oposto às regras sociais internalizadas anteriormente, face ao distúrbio psicológico que enseja a violação de sua personalidade. Assim, em vez de adotar uma postura repulsiva, hostil, ou apavorada, manifesta conduta cordial e afetiva, chegando à gratidão, submissão e empatia pelo agressor. Em Psicanálise, esse comportamento chama-se formação reativa11, que consiste em manter inconsciente o impulso indesejado pelo Ego (OLIVEIRA, 2018, p.26, cit.).

OLIVEIRA (2018, cit.) também menciona a obra de MENNINGER (O homem contra si mesmo, 1947), que abordou casos de vítimas autoculposas e de condutas autopunitivas, episódios que ensejam o perigo do fenômeno da identidade perdida12, que leva a vítima a operar uma identificação projetiva. No caso da Vitimologia, podemos tomar como exemplo a pessoa que se agride ou agride quem lhe provoca sentimentos destrutivos ou repulsivos.

Existe também a hipótese do cometimento do crime por culpa. Retomando os ensinamentos de FREUD (1968), em "o Ego e o Id"13, a culpa advém da angústia diante da autoridade (em especial, a paterna) e da angústia diante do Superego. Em "A psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos" (cit.), o crime é abordado como o desejo inconsciente que, embora presente em todo ser humano, pode tomar contornos dramáticos no neurótico, quando ele se acusa, e se castiga, de crimes que não cometeu.

Espero que tenham gostado do artigo! Trata-se de mais uma contribuição da Ciência Psicológica para compreensão dos fenômenos que influenciam nos comportamentos humanos. A consulta a um Psicólogo Jurídico experiente e especializado se torna um diferencial nos trabalhos jurídicos.

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1- CALHAU, L.B. Breves considerações sobre a importância do saber criminológico pelos membros do Ministério Público. Migalhas. Ribeirão Preto, 03/08/2005. Disponível aqui.

2- BRETAS, A.S.N. Fundamentos da Criminologia Crítica. Curitiba: Juruá, 2010.

3- Para dar um exemplo, a Antropologia Criminal, cujo principal expoente Cesare Lombroso argumentava que a criminalidade era um fenômeno físico e hereditário, e portanto identificável nas diferentes sociedades, bem como outros estudos que correlacionavam características físicas com a doença mental, serviram de argumentação para justificar métodos de tratamento 'moral' para os indivíduos e a estreita relação entre a loucura individual e a degeneração nacional - porque os estudos de Lombroso estabeleceram a noção de 'criminoso nato', a partir de características físicas de certos indivíduos (os negros), atribuindo-lhes tendências atávicas a determinados crimes (ex.: homicídio, estupro). Ou seja, começaram a surgir abordagens que, sob o rótulo de 'ciência', afastavam-se cada vez mais dos ideais iluministas e pretendiam rotular os comportamentos humanos sob critérios deterministas, inclusive estabelecendo-se a eugenia como padrão social e a miscigenação racial como fator de degeneração física e mental dos indivíduos (fonte: SCHWARCZ, L.M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993).

4- FREUD, S. A psicanálise e a determinação de fatos psíquicos. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, v. IX, 1906/1976.

5- BONAPARTE, M. Le cas de Madame Lefebvre. In: Psychanalyse et anthropologie, pp. 5-45, 1927/1952, apud CECCARELLI, P.R. Psicanálise na cena do crime. Tempo Psicanalítico. Rio de Janeiro, v. 45.1, p. 401-418, 2013. Disponível aqui.

6- HASSEMER, W. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, p.73, 2005, apud BRETAS, A.S.N. Op. cit., 2010.

7- STUMVOLL, V.P. Criminalística. 7.ed. Campinas: Millenium, 2019.

8- JUNIOR. A importância da psicologia criminal na investigação policial. Cógito. Salvador, n.13, p. 32-40, 2012.

9- MOLINA, A.G-P.; GOMES, L.F. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 2.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997.

10- SILVA, G.B.; HOLANDA, A.F.; ROCHA, G.V.M.; VARGAS, R.M.C.; PALUDO, J.K.  Subjetividade e evidências psicológicas na cena do crime. DIVERSIDADE DO HUMANO: diálogos transversais em Psicologia e Fenomenologia, p.133.144, [s.d.].

11- Para LAPLANCHE e PONTALIS (Vocabulário de Psicanálise. SP: 4. ed. Martins Fontes, p.200, 2016), a formação reativa é uma atitude ou hábito psicológico no sentido oposto a em desejo recalcado e constituído em reação a ele (ex.: pudor em oposição ao exibicionismo) e, para isso, a pessoa investe um elemento consciente, de força igual e de direção oposta ao investimento inconsciente.

Para MENDES (2011), a supressão pela formação reativa é uma subespécie de sublimação, que se inicia no período de latência e continua por toda a vida, formando o que se chama de caráter, composto de material das excitações sexuais que foram fixadas desde a infância, além de construções que são alcançadas por meio da sublimação e ainda de outras construções empregadas com eficácia para conter impulsos perversos, que se tornam inaceitáveis ao sujeito, e então ele investe elementos conscientes com energia psíquica oposta para manter tais impulsos perversos no inconsciente.

(fonte: MENDES, E.R.P. Pulsão e Sublimação: a trajetória do conceito, possibilidades e limites. Reverso. Belo Horizonte, ano 33, n. 62, p. 55-68, set. 2011. Disponível aqui. Acesso em: 24 out. 2021.

12- Um caso emblemático de identidade perdida, mencionado por OLIVEIRA (2018, cit.) foi o de Mark David Chapman, que assassinou o beatle John Lennon em 1980. Chapman 'queria ser John Lennon', a ponto de escrever o nome "John Lennon" no lugar do seu próprio, no livro de ponto de empregados da empresa onde trabalhava, nutrindo o prazer de se identificar com Lennon. Porém, não aceitava que o verdadeiro John Lennon estivesse vivo, 'ocupando seu lugar', porque isso significava um obstáculo à ilusão de Chapman em 'ser' John Lennon. A única maneira que Chapman encontrou para vivenciar plenamente sua ilusão era matar John Lennon. Porém, na prisão, Chapman enfrentou a terrível realidade de que ele não 'era' e nunca 'vai ser' John Lennon... (CLARKE, 1980, p. 21, apud OLIVEIRA, 2018, p. 22, cit.).

13- FREUD, S. O Ego e o Id e outros trabalhos (1923-1925). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, v.XIX, 1996.

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora PG Psicologia Jurídica UNISA. Prof.SEWELL/SECRIM. Colaboradora Comissões OAB/SP. Autora livros Psicologia Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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