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O impulsionamento de conteúdo e a segmentação de dados no novo Código Eleitoral

A grande distância entre a letra fria da lei e a verdadeira aplicação da proteção de dados, mais especificamente nos anúncios políticos.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Atualizado às 11:45

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A atual legislação eleitoral, objetivamente, a lei 9.504/97 e a Resolução TSE nº 23.610/2019, autorizam o uso de aplicações disponíveis nos sítios oficiais das redes sociais visando o impulsionamento de conteúdo orgânico, dando assim, maior alcance e visibilidade às postagens político-eleitorais, inclusive em pré-campanha1.

Sabemos que, em se tratando de impulsionamento de conteúdo nas redes sociais, a gênese de tais aplicações se refere à segmentação do público-alvo da campanha escolhida para impulso não orgânico, você escolhe inclusive formatos customizados de atingimento, tais como idade; gênero; interesses e localização, ou, simplesmente, você pode deixar que os algoritmos das redes façam esse trabalho de escolha por você.

Desse modo, a atual autorização para impulsionamento de conteúdo, nos termos do art.  29, caput e §3ºinclui extenso trabalho de segmentação da postagem, filtrando as pessoas, e porque não dizer eleitores, de modo a direcionar da melhor maneira o anúncio político. Esta é a lógica por trás da contratação de postagens patrocinadas nas redes sociais.

Nesse diapasão, alguns podem bradar, "e a LGPD?" Aí encontramos o cerne da questão, a grande distância entre a letra fria da lei e a verdadeira aplicação da proteção de dados, mais especificamente nos anúncios políticos.

Recentemente, redes de grande influência, em que destaco o Google, publicaram uma série de restrições aos anúncios pagos com cunho político em suas aplicações móveis, inclusive serviços como o Youtube e o Gmail, mas nada que exclua a segmentação por idade, sexo e localização geográfica, ou mesmo a atuação dos algorítimos que são com segurança seu alicerce principal na rede mundial de computadores, lembrando que os anúncios em sites terceiros, os chamados google ads ficam de fora destas aludidas restrições.

A rede social Facebook enfrenta um vazamento de dados chamado de "facebook papers" em que se coloca claro que o uso das redes sociais possui baixo ou médio controle dentro da própria autorregulação da empresa, quem dirá por definições legais, como a Lei Geral de Proteção de Dados.

Eis que observamos novos institutos de restrição à segmentação de conteúdo político no novo código eleitoral, sendo o primeiro não ligado diretamente à segmentação, mas ao uso da ferramenta em si, que agora fica restrita ao período eleitoral, sendo, portanto, proibido o impulsionamento de conteúdo no período de pré-campanha, como vedação legal explícita.3

Em continuidade, o art. 6244 do novo códex eleitoral torna ainda mais restrita, pelo menos em tese, a propaganda nas redes sociais e os mensageiros instantâneos, ao vedar a contratação de algorítimos de busca ou redes sociais, o que, prima facie, contraria de forma basilar os mecanismos de funcionamento de qualquer rede social. Atualmente, seria como se a proibição impedisse o uso total das ferramentas presentes nas redes sociais.

Nesse sentido, e sem esgotar os demais pontos em que a LGPD é tratada no código em tramitação, enfrentamos o §4º, do artigo citado no parágrafo anterior, que, em termos diretos e literais, proíbe o uso de ferramentas as quais segmentem o conteúdo orgânico, bem como alterem a repercussão dos buscadores de internet, algo que, em uma contraposição básica, inviabilizam a propaganda político-eleitoral nas redes sociais e nos buscadores.

A grande verdade é que mesmo a exposição de conteúdo orgânico recebe filtros de algorítimos e segmentadores, o que amplifica a proibição do novo código eleitoral, sob a ótica estritamente legalista, a quase totalidade do que se produz em termos de conteúdo político na internet.

Apenas o tempo, e o Congresso Nacional, dirão se tais alterações passarão sem qualquer adaptação ou mesmo supressão, que não caracterize excesso ou impedimento ao exercício regular da propaganda eleitoral, tão apregoada em diversas partes do novo código. Ficará também a dúvida de como os Tribunais farão a interpretação de tais dispositivos diante do caso prático.

E por derradeiro permanece o questionamento, se essa norma como posta neste artigo possui aplicabilidade prática ou se é mais do mesmo no universo de normas que proíbem o impensável?

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1- Agr. Reg. no Agr. de Inst. nº 0600091-24.2018.6.03.0000 - Macapá - Amapá.

2- Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, coligações e candidatos e seus representantes (lei 9.504/97, art. 57-C, caput).

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (lei 9.504/97, art. 57-C, § 3º).

3- Art. 513. É livre a contratação de propaganda eleitoral impulsionada por meio de mídias sociais, aplicações e mecanismos de busca de internet, desde que, no período eleitoral, identificada de forma inequívoca como tal e contratada exclusivamente em nome de partidos políticos, coligações e candidatos, contendo, obrigatoriamente, de forma clara e legível, o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do responsável, além da expressão "Propaganda Eleitoral

4- Art. 624. São proibidas a candidatos, partidos políticos e coligações, assim como a seus respectivos apoiadores e a todos os usuários da internet, as seguintes condutas: (...) III - promover ou contratar a manipulação de algoritmos de mecanismos de busca ou redes sociais, em ordem a controlar ou alterar, artificialmente, a visibilidade dos candidatos e oferta de dados e informações de caráter eleitoral

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BRASIL, Projeto de Lei Complementar nº 111 de 2021. Institui o Novo Código Eleitoral. Disponível em https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2291850. Acesso em 20/10/2021.

BRASIL, Lei Federal nº 9.504 de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em aqui. Acesso em 20/10/2021.

TSE - TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução nº 23.610 de 18 de dezembro de 2019. Dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral. Disponível em aqui.

Caio Silva Guimarães

Caio Silva Guimarães

Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Eleitoral da Unifor. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP. Formador pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela PUC Minas. Técnico Judiciário do TRE-CE.

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