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Nova Lei de Improbidade Administrativa (14.230/21): Como fica o interesse público?

Reflexões indispensáveis acerca dos efeitos da nova lei de improbidade administrativa.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Atualizado às 08:35

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em um primeiro ponto, mister analisar o cenário jurídico que permeia a realidade da Lei de Improbidade Administrativa, isto é, as razões pelas quais a legislação foi concebida.

O advento da LIA, nome como é popularmente conhecida, destinou-se a materializar mandamento constitucional esculpido no art. 37, §4º da Constituição da República1, ou seja, estabelecer tipo legal, forma e sanção para os atos de improbidade administrativa, afinal, a Carta Magna assegura que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal2".

Nesse sentido, a lei teve como principais objetivos combater a prática desenfreada da corrupção, a qual, não raras vezes, era objeto de impunidade, tutelar o patrimônio público e reprimir, legitimamente, tais atos, impondo respeito aos princípios-deveres que externavam a probidade, quais sejam: honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade.

Para assegurar tal múnus público, a lei originária conferiu legitimidade para propositura das ações ao ministério Público e à Fazenda dos Entes Políticos, estabeleceu tipos abertos capazes de albergar as mais diversas condutas que violem a probidade e instituiu prazo prescricional diferenciado, importante ferramenta, tendo em vista que tais processos levam anos até serem concluídos.

As medidas da novel legislação, consubstanciada pela lei 14.230/21, enfraqueceram, justamente, os pontos que foram abordados acima, implicando em um retrocesso ao combate à corrupção e dificultando a apuração e punição dos agentes públicos responsáveis pela perpetração de ilícitos.

A tipificação da improbidade foi substancialmente alterada com a nova redação dos artigos 9º, 10º e 11º da LIA, eis que a lei passou a exigir dolo específico para a configuração das condutas, excluindo a possibilidade de punição de condutas culposas. Assim, o agente público que cometer os atos de improbidade, ainda que cause dano ao patrimônio público, só poderá ser condenado nos casos em que for comprovada a intenção do servidor em cometer a ilegalidade com o propósito de causar dano ao patrimônio público ou favorecer a si ou a terceiros3.

Outra mudança que afeta e dificulta a investigação das condutas ímprobas é a alteração no prazo da prescrição intercorrente e no prazo máximo para a conclusão do inquérito civil público.

As alterações promovidas pela lei 14.230/21, constantes no §2º, do art. 23, da Lei de Improbidade, passaram a prever prazo máximo para a conclusão do inquérito civil e consequente arquivamento ou ajuizamento da ação de improbidade de 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, incorrendo em clara restrição à autonomia do Ministério Público.

Outrossim, o caput do artigo supracitado alterou a prescrição para 8 anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. A alteração em comento embora passe a impressão de ter aumentado o prazo prescricional de 5 para 8 anos, alterou de maneira extremamente negativa o marco inicial da prescrição.

A legislação originária preconizava que as ações poderiam ser propostas até 5 anos após o término do exercício do mandato ou do cargo exercido, dentro do prazo prescricional previsto em lei específica, no que tange a apuração de faltas disciplinares, ou até 5 anos após a data da prestação de contas. Vê-se, portanto, que a legislação utilizava de método ímpar que levava em conta as minúcias da apuração de tais delitos, conferindo prazo razoável para que os responsáveis legais pudessem apurar as ilegalidades, tendo como marco inicial o término do mandato ou o momento em que a Administração pública se tornasse ciente das violações, mediante análise da prestação de contas.

A alteração, entretanto, deixou de levar em conta tais especificidades, assentando prazo único de 8 anos contado a partir da ocorrência do fato. Não é preciso de um grande esforço hermenêutico para precisar que a alteração será extremamente prejudicial à persecução de tais delitos, máxime em virtude da realidade que permeia a apuração dos ilícitos que, via de regra, permanecem "debaixo do tapete".

Outra alteração sentida pela crítica consiste na restrição da legitimidade para a promoção de instauração de investigações e para propositura das ações exclusivamente ao Ministério Público, excluindo-se a possibilidade de a Fazenda Pública dos Entes auxiliarem e promoverem autonomamente a persecução de agentes que dilapidaram seus patrimônios.

E não é só, segundo prevê o art. 3º da lei 14.230/21, incumbe ao ministério Público manifestar interesse no prosseguimento das ações ajuizadas pela Fazenda Pública no prazo de um ano, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito.

A hermenêutica jurídica impõe que o operador do direito e os responsáveis pela promoção das normas realizem uma análise finalística, visando encontrar o objetivo, a teleologia normativa.

Neste caso, não é preciso de grande esforço para concluir que a alteração foi feita como meio de tutelar os interesses políticos, infelizmente, os valores constitucionais e o interesse público, uma vez mais, hão de ficar em segundo plano.

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1- § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

2- Art. 5º, inciso XXXIX da CF/88.

3- "§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente."

"§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa."

Pedro Garcia Prado de Oliveira

Pedro Garcia Prado de Oliveira

Acadêmico de direito na Universidade de Mogi das Cruzes. Foi colaborador na Procuradoria da Fazenda Nacional, atuando no núcleo de execução fiscal e no núcleo de defesa desterritorializada da União. Colaborador no Ministério Público de São Paulo.

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