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A convenção coletiva de consumo e seus potenciais usos

Celebrados 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, ainda há em seu bojo institutos desconhecidos que muito tem a oferecer.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Atualizado às 12:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Se o advento do CDC representou um marco na defesa individual e coletiva de consumidores, dúvidas não há de que ainda é necessário muito esforço para o equilíbrio das relações de consumo no país, especialmente na era na informação.

Novas legislações não deixam de, atualmente, perseguir o caminho que se inaugurou com o CDC, no sentido de buscar a proteção de consumidores brasileiros, sinalizando que a promoção à defesa dos mais vulneráveis é movimento incontornável. Veja-se o exemplo da, ainda recente, LGPD.

O surgimento de novas legislações é um caminho para a ampliação de melhores práticas para o mercado de consumo; mas vale notar que a busca por uma aplicação mais efetiva das normas vigentes pode ser igualmente relevante, ou até mais.

Nesse sentido, importante observar que o CDC ainda guarda institutos pouco explorados, e que muito tem a oferecer.

Talvez um dos melhores exemplos a esse respeito seja a "Convenção Coletiva de Consumo".

Disposta no artigo 107 do CDC, a convenção é um instrumento de autorregulação que permite a entidades civis de consumidores em parceria com associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica estabelecer condições mínimas para o fornecimento produtos e serviços, no tocante a preços, qualidade, quantidade, garantia, etc.

Sendo necessário que a sua elaboração se dê na forma escrita, a legislação exige que seja registrada em cartório de títulos e documentos, para que produza efeitos.

Em termos técnicos, é um meio de solução de conflitos coletivos, que incide justamente sobre situações com potencial de ser tornar principalmente inquéritos civis e, consequentemente, ações civis públicas.

Como se poderia esperar, o instituto não se presta a limitar direitos, mas sim a ampliar seu espectro, elevando o nível de exigência para que fornecedores de um determinado seguimento operem.

Receberão a sua incidência tão somente aqueles conflitos travados entre pessoas vinculadas ou filiadas a entes que sejam signatários de a uma determinada convenção.

Como se percebe, é um instituto sólido em termos de delineamento teórico, e com ampla possibilidade de aplicação, no entanto, subutilizado.

Em uma análise rápida, poder-se-ia especular que a baixa adesão ao instituto decorre do desinteresse de fornecedores em estabelecer regras que poderiam dificultar ainda mais suas atividades no país.

Mas não parece, todavia, ser este o caso. Vale pontuar, é interesse de fornecedores, que operam diretamente no mercado de consumo, utilizar das melhores ferramentas de gestão e satisfação de clientes.

Fosse diferente o caso, não se observaria uma adesão tão ampla a iniciativas como o "Consumidor.gov" ou "Reclame Aqui", ou mesmo os elevados investimentos, dentro de estruturas corporativas, em CRMs; todos esforços que visam aplicar as melhores tecnologias à gestão de consumidores insatisfeitos.

É, portanto, algo da maior relevância para fornecedores antecipar conflitos, e resolvê-los em um ambiente amigável. Trata-se do necessário esforço e de ampliação máxima da "terceira onda de acesso à justiça", para citar a lição legada por Cappelletti e Garth.

E mais, é, outrossim, vantajoso aplicar práticas de gestão de satisfação de clientes que estejam em harmonia com o que é factível às empresas do setor.

Trata-se de movimento que não apenas cria um ambiente de competição sadia entre empresas, como também proporciona um nivelamento, para melhor, de produtos e serviços que serão entregues ao mercado.

Demais disso, é forma de aprimorar a regulação de uma atividade, com vistas a criar barreiras ótimas ou adequadas para entrantes que queiram empreender naquele seguimento. Ninguém melhor que o próprio empreendedor que atua em um determinado ramo para indicar quais as melhores práticas.

Não bastassem todas os aspectos positivos concernentes à convenção, é importante pontuar que a sua incidência mitiga a ocorrência de dois dos principais riscos para um fornecedor em matéria consumerista: os já citados inquéritos civis e as potenciais/consequentes ações civis públicas.

É sabido que a gestão de casos reiterados, especialmente em empresas do seguimento de varejo, representa um grande desafio na economia massas.

Decerto, em termos de gestão de conflitos e satisfação de mercado, poucos desafios se assemelham ao necessário manejo de situações que possam colocar um fornecedor na posição de investigado ou réu, em decorrência de uma situação de proporções coletivas.

A atuação dos Ministério Público, nos termos do artigo 82, inciso I, do CDC, é algo que assumiu proporções relevantes e, a bem da verdade, trata-se do exemplo inverso ao da convenção: tornou-se disposição dotada de efetividade.

O alto grau de especialidade de membros do Ministério Público tornou a gestão de cases coletivos, em matéria consumerista, algo premente dentro de grandes organizações. A gestão de riscos desse jaez é prioridade.

Não raros são os casos de penalização a empresas, com respaldo no rol do artigo 56, do CDC, com impactos de grande monta sob as óticas operacional, financeira e reputacional.

Nesse contexto, como se observa, o instituto da Convenção Coletiva de Consumo é algo adormecido, cuja lembrança poderia proporcionar soluções sofisticadas e robustas ao panorama regulamentar brasileiro, gerando previsibilidade e maior segurança jurídica.

Diego Costa Magalhães

Diego Costa Magalhães

Advogado no departamento jurídico da Volkswagen do Brasil. Especialista em Economia de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas.

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