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Os impactos da COP 26 nas atividades do setor privado no Brasil

O assunto é complexo e merece toda a atenção do setor empresarial brasileiro, pois pode tanto afetar os custos de adaptação às exigências de redução de emissões como se reverter em possibilidades concretas de financiamento e de pagamentos pelos resultados obtidos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Atualizado às 08:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Terminou recentemente a muito esperada Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças do Clima, realizada em Glasgow (COP 26), na Escócia. Neste ano, a COP 26 recebeu uma atenção especial em razão do aumento dos eventos climáticos extremos ao redor do planeta e do consequente crescimento da preocupação mundial com o tema.

Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre mudanças do clima - IPCC (popularmente referido como "o alerta vermelho para a humanidade"), o aumento da temperatura média global já atingiu o patamar de 1,1oC , sendo necessários esforços adicionais para evitar que este aquecimento ultrapasse a marca de 2oC acima dos níveis pré-industriais até o ano de 2030. 

Além da presença de diversos negociadores e representantes dos países signatários, as COPs reúnem também representantes do setor privado e da sociedade civil organizada nos chamados "eventos paralelos" que ocorrem de forma simultânea com a negociação dos respectivos países sobre os mecanismos necessários para efetivamente implementar os objetivos gerais da Convenção.

Neste ano, a COP contou novamente com uma participação expressiva do Brasil, que teve novamente a maior delegação entre os mais de 200 países participantes. Além da delegação oficial, estiveram presentes representantes de diversos setores econômicos, que circularam e movimentaram os dois stands Brasileiros existentes dentro do centro de convenções de Glasgow: o stand do Governo Brasileiro, CNI e CNA, e o stand da sociedade civil, chamado de Brazil hub.

Mas, depois destas 26 COPs e das milhares de iniciativas paralelas que surgiram em torno do tema, não podemos deixar de nos perguntar: como a COP afeta as atividades do setor privado no Brasil? Estes esforços serão suficientes para reduzir mundialmente as emissões de gases de efeito estufa e atingirem os objetivos estabelecidos na Convenção? O mercado de carbono poderá nos levar lá?

De forma geral, pode-se dizer que os resultados da COP trazem impactos diretos na regulamentação do mercado de carbono (previsto no artigo 6 do Acordo de Paris), eleito como o instrumento mais adequado para assegurar a redução de emissões ao menor custo. Através da complexa regulamentação deste artigo 6 (concluída com êxito nesta COP) se pretende assegurar a integração das iniciativas já existentes, o incremento destas, e o monitoramento dos esforços de cada país para reduzir suas emissões. 

Com isso, abre-se um leque de oportunidades para as empresas situadas no Brasil com potencial de geração de créditos de carbono, que passam a poder contar com recursos deste mercado.

Além disso, a revisão da NDC anunciada pelo Governo na COP, voltou a centras as metas brasileiras no controle do desmatamento e nos incentivos à restauração florestal. O desmatamento foi também objeto da Declaração sobre Florestas e Uso da Terra, prevendo a eliminação do desmatamento até 2030.

Aqui observamos uma ênfase em soluções baseadas na natureza, particularmente a redução das emissões por desmatamento, restauração florestal, incrementos nas técnicas de manejo e conservação de florestas.

Já o setor agropecuário deve ser diretamente afetado pelo acordo multilateral firmado pelo Brasil para redução das emissões de metano, com meta de 30% a ser atingida até 2030.

Apesar destes avanços e oportunidades, houve pouco avanço nas tratativas associadas ao financiamento e mecanismos de indenização (ou perdas e danos). Os países desenvolvidos falharam em alcançar a meta de US$ 100 bilhões por ano até 2020. Por outro lado, foram feitos diversos anúncios de financiamentos privados e independentes, como o fundo de US$ 130 trilhões da Aliança Financeira de Emissões Zero de Glasgow (que reúne investidores e instituições financeiras), e os US$2 bilhões anunciados por Jeff Bezos para ações de recuperação da natureza e transformação de sistemas alimentares.

Em suma, apesar das metas do Acordo de Paris terem se mantido vivas, será necessário que os países intensifiquem suas ambições, para que os objetivos finais da Convenção sejam - de fato - alcançados.

Para mais detalhes, segue uma análise detalhada dos principais aspectos da COP 26 que impactam o setor privado brasileiro.

1. As obrigações estabelecidas pelos países signatários

Primeiro, é preciso ter em mente que o sistema atualmente adotado pelo Acordo de Paris prevê que cada país faça sua proposta de redução de emissões. Isso significa que as metas foram estabelecidas voluntariamente, e, portanto, indicam as "promessas" feitas por cada nação para contribuir para os objetivos da Convenção.

Apesar de serem apenas "promessas" as metas estabelecidas por cada País indicam como as emissões de gases de efeito estufa tendem a ser tratadas internamente. Em outras palavras, indicam quais os setores que serão priorizados neste esforço de redução de emissões; daí a importância de olharmos para as NDCs (sigla para Nationally Determined Contributions), que são os documentos que detalham as propostas de cada País.

Na COP 26, cerca de 151 países apresentaram NDCs revisadas e mais ambiciosas. Não obstante, especialistas apontam que as novas NDCs apresentadas, embora mais ousadas, não serão suficientes para limitar o aumento do aquecimento global a níveis seguros.

No caso do Brasil, a nova NDC aumentou a meta de redução de 43% para 50% até 2030, em relação às emissões de 2005. Foi também reafirmada a meta de neutralidade de emissões até 2050.

Como o Brasil já conta com uma matriz energética substancialmente limpa (com grande participação de renováveis), os efeitos concretos deste ajuste passam diretamente pela redução do desmatamento no país.

Devem ser impactados também o setor industrial e de transportes, por ocasião da setorização e da internalização das metas previstas na NDC.

2. Financiamento

Os acordos anteriores previam um sistema de financiamento para subsidiar a adoção de medidas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento, prevendo uma meta de US$ 100 bilhões por ano até 2020.

Apesar de prometidos desde a COP 15 em Copenhague, este montante de recursos ainda não se concretizou devido, em grande parte, à resistência dos países mais desenvolvidos.

O Brasil, assim como os países mais vulneráveis às mudanças do clima (como as pequenas ilhas que estão sob risco de desaparecimento), defende uma maior clareza tanto em relação à quantidade de recursos como em relação ao acesso a estes.

Apesar de poucos avanços nesta frente, a COP 26 resultou num reconhecimento internacional da preocupação com este tema, que deve assumir maior relevância nas próximas rodadas de negociação.

Além disso, chamaram atenção os mecanismos de financiamento independentes anunciados na COP 26. A Aliança Financeira de emissões zero de Glasgow anunciou medidas de descarbonização a serem adotadas pelo seu fundo de US$ 130 trilhões. Foram previstas também medidas para incentivar a produção limpa de soja e de gado, com um fundo de US$ 3 bilhões especificamente para a Amazônia, Cerrado e Chaco.

3. O Mercado de Carbono

Talvez a principal novidade da COP 26 tenha sido de fato a regulamentação do conjunto de regras do Mercado de Carbono, previsto no artigo 6 do Acordo de Paris, que englobam o comércio de emissões entre países (artigo 6.2), a integração do setor privado por meio de projetos de redução ou remoção de emissões (artigo 6.4) e a cooperação não financeira entre países (artigo 6.8).

Esse conjunto de regras já vinha sendo negociado desde 2015 e terminou com um acordo substancial firmado na COP 26 nos seguintes pontos:

  1. Regras para suportar a troca de créditos de carbono por meio da "compensação" de reduções de emissões (ou "offsets") entre países, através da troca de Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos, ou ITMOs.  Não foram estabelecidos limites percentuais para a aquisição de offsets, favorecendo projetos em países considerados como potenciais exportadores - como o Brasil.
  2. Integração de projetos de carbono já existentes em diferentes mercados (como o Corsia, para redução de emissões do setor de transporte aéreo), no regime da Convenção.
  3. Implementação de ajustes correspondentes destas trocas nos respectivos inventários de cada país, de forma a evitar a dupla contagem destes créditos.
  4. Possibilidade de inclusão de parte dos créditos de carbono oriundos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no regime do Acordo de Paris (desde que anteriores a 2013).

Com a regulamentação do artigo 6, o foco agora passa a ser a definição de metodologias e a busca de consenso para permitir a utilização de créditos oriundos de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), de muita importância para o país.

Aumenta também a expectativa de uma definição mais clara por parte do Governo em relação às medidas que serão adotadas em cada setor para que sejam atingidas as metas da NDC. Uma das alternativas é justamente a implementação de um mercado interno de redução de emissões, tal como o proposto pelo Partnership for Market Readiness - PMR Brasil. 

Desta forma, ainda não fica claro como se dará o atingimento das metas previstas na NDC, nem a implementação de medidas adicionais que possibilitem ao Brasil a comercialização de créditos através do mecanismo previsto no artigo 6.2.

4. O acordo assinado pelo Brasil para redução de emissões de metano

Em paralelo, o Brasil assinou também o Compromisso Global de Metano, juntamente com outros 95 países.

Estas ações possuem uma grande relevância para o atingimento das metas de redução de emissão pois o tempo de duração do metano na atmosfera (até que este inicie seu processo de degradação) é muito inferior ao do carbono. Com isso, as medidas de redução tendem a dar resultado em um intervalo de tempo menor.

Nos termos deste acordo, serão necessárias medidas para reduzir as emissões em 30% até 2030, em relação aos níveis observados em 2020.

No Brasil, espera-se que esta meta se reverta em medidas concretas no setor agropecuário, responsável por 70% das emissões internas de metano no país. Neste setor, devem ser aceleradas medidas como (i) aumento de produtividade por hectare (melhoramento genético e produtividade de pastagens), (ii) alteração de alimentação para mudança da taxa de produção de metano por animal (iii) coleta e queima de metano oriundo de excrementos do rebanho (inclusive suínos) em confinamentos, entre outras. Devem ser atingidos também os setores de saneamento (aterros sanitários), biomassa e sistemas de vazamento de gás.

5. Eliminação do Desmatamento Ilegal

Apesar de já constar de sua NDC, o Brasil assinou também em Glasgow o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030, juntamente com outros 104 países.

O país vem sendo duramente criticado justamente em razão do aumento dos índices de desmatamento ao longo dos últimos anos, além da tramitação de diversos projetos de lei que buscam flexibilizar e alterar as previsões do Código Florestal de 2012 e facilitar a titulação de áreas públicas griladas.

Neste contexto, a Declaração sobre Florestas e Uso da Terra impõe um grau adicional de ênfase nas medidas adotadas internamente pelo Governo Federal para conter o desmatamento ilegal nos próximos anos, e assume especial importância no momento em que a Comunidade Europeia está em vias de implementar normas bastante restritivas para a aquisição de produtos importados.

Aqui também vemos uma ligação entre este compromisso e a NDC Brasileira, em razão da lógica de cada setor de nossa economia para assegurar o atingimento da NDC Brasileira. Por exemplo, caso o desmatamento não seja reduzido, como se espera, pode-se esperar um aumento na pressão por reduções no setor industrial e de energia.

Como se vê, o assunto é complexo e merece toda a atenção do setor empresarial brasileiro, pois pode tanto afetar os custos de adaptação às exigências de redução de emissões como se reverter em possibilidades concretas de financiamento e de pagamentos pelos resultados obtidos.

Lourdes de Alcantara Machado

Lourdes de Alcantara Machado

Advogada, sócia da área de Direito Ambiental do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, doutora em Ciências Jurídicas e LL.M em Direito Ambiental pela Universidade de Berkeley (Califórnia, Estados Unidos).

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