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Uma marca sem status de alto renome não pode impedir o registro de mesma identidade explorada em outro setor

A confusão entre as marcas precisa ser evitada, a fim de que esse consumidor não seja induzido a erro, quanto à origem e procedência do objeto adquirido e contratado.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:46

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O STJ reconheceu que uma marca sem o atributo do alto renome, por mais famosa que seja, não pode inibir a proteção da mesma marca por outra empresa que atue em segmento de mercado diverso.

Uma marca forte e distintiva influencia na escolha do consumidor e exerce papel relevante na disputa de uma competição por espaço cada vez mais agressiva, sobretudo em um cenário em que há centenas ou milhares de produtos e serviços substituíveis.

E segundo a Lei da Propriedade Industrial, a confusão entre as marcas precisa ser evitada, a fim de que esse consumidor não seja induzido a erro, quanto à origem e procedência do objeto adquirido e contratado.

Em tese, contudo, o sistema de registro conduzido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI permite a coexistência de marcas até idênticas, desde que para assinalar produtos ou serviços distintos e destinados a setores diferentes do mercado. 

Acontece que o INPI indeferiu o pedido de registro da marca PERDIGÃO, feito em 1996 por uma indústria calçadista de Minas Gerais, sob o argumento de que haveria possibilidade de aproveitamento parasitário, considerando a fama e o prestígio que esta identidade já ostentava no ramo de alimentos.

Ao judicializar a demanda, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região também rejeitou o apelo da empresa mineira e decidiu que era necessário proteger esta marca contra diluição, dada sua notória reputação no segmento alimentício, como se proteção especial ela merecesse em todos os ramos de atividade.

Foi então que provocado a se manifestar sobre esse conflito, o STJ deu provimento ao recurso especial da fabricante de calçados, consolidando o entendimento de que a condição de alto renome é a única forma de levar uma marca a extrapolar a sua proteção primitiva e limitada a um determinado nicho, excepcionando a aplicação do chamado princípio da especialidade.

Para a Terceira Turma do STJ, a teoria da diluição - que procura inibir a perda progressiva da distintividade de um determinado sinal, e que foi usada pelas instâncias ordinárias para recusar o pedido de registro em questão, não se mostrou adequada e coerente com os comandos da lei 9.279/96.

Para o Emérito Ministro Relator do caso: "...a proteção contra a diluição está, no Brasil, umbilicalmente relacionada às marcas de alto renome: apenas a elas e em razão delas foi criada essa proteção especial."

Neste sentido, não poderia haver aproveitamento parasitário e enriquecimento sem causa, como julgou a Corte Federal do Rio de Janeiro, já que nos trinta anos de coexistência pacífica, sequer houve indícios de concorrência ou suposta competição entre a empresa de alimentos e a fabricante calçadista.

A este respeito, o Ministro Relator lembrou que "A possibilidade de confusão ou de associação é a pedra de toque do direito marcário e, como regra, serve de limite ao exercício do direito de exclusividade conferido pelo estado ao titular de marca registrada, a fim de que não se descambe para um monopólio excessivo".

Por unanimidade, a 3ª Turma do STJ assegurou, portanto, a preservação dos contornos e limites legais que o artigo 125 da Lei da Propriedade Industrial imputa ao julgador. 

Segundo o julgamento do STJ, os canais de distribuição e venda se mostraram distintos, a clientela tinha natureza específica e setorizada, e o tempo de convivência era por demais extenso, o que afastava por definitivo a alegada confusão alheia e a tese do aproveitamento parasitário.

Como restou materializado nos autos, ninguém comprou as botinas PERDIGÃO, pensando levar para a casa a linguiça ou a salsicha.

Neste mesmo sentido, o STJ já negou pedido da NATURA para anulação da marca NATURAÇO, assim como permitiu que uma microempresa de móveis se identificasse com a marca ÔMEGA, negando o recurso da fabricante mundial de relógios, e ainda já autorizou que uma empresa de laticínios continuasse a usar VISA como marca, contrariando o apelo da gigante de cartões.

E dentro da coerência das decisões pregressas do STJ, neste julgamento foi reiterada a premissa de que o reconhecimento do alto renome tem efeitos prospectivos, sem afetar direitos anteriores já consolidados. Em outras palavras, quando, por exemplo, o Banco Itaú conseguiu a chancela do alto renome, o cimento e o café Itaú, que já ostentavam proteção junto ao INPI, tiveram preservados os benefícios de seus respectivos registros.

Portanto, se uma marca não ostenta a condição de alto renome, tutelada pelo art. 125 da LPI, estará sujeita à aplicação do consagrado princípio da especialidade, que é bússola norteadora do direito concorrencial no ordenamento brasileiro.

Enfim, decorrente deste julgamento e após aguardar por mais de 25 anos por esta decisão, a empresa calçadista finalmente teve reconhecido seu direito de proteção à sua marca, dentro dos limites de sua atividade.

Eduardo Daimond

Eduardo Daimond

Advogado e Agente da Propriedade Industrial com mais de 20 anos de experiência na área.

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