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Cannabis medicinal: Anvisa e Justiça estão à frente das leis e dos médicos

A Justiça avançou entendimentos a respeito da cannabis medicinal, frequentemente a favor do acesso aos tratamentos, mas Brasília - onde tramita projeto de lei sobre a questão - precisa clarear os debates.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Atualizado em 22 de dezembro de 2021 13:56

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, a Anvisa publicou uma portaria que pretende agilizar o processo de avaliação dos pedidos de importação de medicamentos à base de cannabis medicinal. Foi uma resposta ao crescimento exponencial das solicitações, que aumentaram 2.400% desde 2015, com alta média de 400% ao ano. Nesse período, os pedidos saíram de 896/ano para 19 mil em 2020. E até meados de setembro de 2021, já houve 22.028 pedidos, segundo dados da agência.

No mesmo sentido, o órgão liberou mais uma solução baseada em canabidiol (CBD), sendo o oitavo medicamento autorizado com o princípio ativo no país.

Sempre alinhada, a Justiça avançou nos seus entendimentos, frequentemente a favor do acesso aos tratamentos. No fim de outubro, o STJ obrigou um plano de saúde a fornecer o medicamento CBD Purodiol 200mg a um beneficiário portador de epilepsia grave, que conseguiu autorização para importação do produto. A Corte garantiu o direito do paciente, mesmo diante da falta de registro do produto na Anvisa, que até então garantia decisões favoráveis para as operadoras.

A ministra Nancy Andrighi argumentou que a autorização da Anvisa para a importação excepcional do medicamento para uso próprio sob prescrição médica, como ocorre no particular, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da agência reguladora quanto à sua segurança e eficácia.

É preciso também reconhecer a boa orientação da Anvisa em relação à cannabis medicinal. A agência tem invariavelmente se posicionado ao lado da ciência e, dentro das limitações, facilitado tratamentos com a agilidade possível. A Justiça, como vimos, vai na mesma direção, em geral reconhecendo o direito dos cidadãos ao acesso a terapias comprovadamente benéficas à saúde. Tudo isso é excelente, mas precisamos de mais para ir mais rápido e de forma mais sustentável.

A formação de um ecossistema próprio para garantir acesso, segurança e eficiência dos tratamentos passa por leis e regulamentação. Precisamos da ação do Legislativo para oferecer segurança jurídica e previsibilidade aos agentes que vão formar o mercado local. E de mais profissionais de saúde devidamente capacitados para atender ao número crescente de pacientes.

Atualmente, há bastante movimentação nas assembleias estaduais em busca de um ambiente mais favorável para a cannabis medicinal. Fenômeno provocado, em parte, pela lentidão nos trâmites nacionais, frequentemente contaminados por preconceitos e estigmas. Brasília precisa clarear os debates com conhecimento técnico e entregar o que é realmente importante para a população. Trata-se de saúde e bem-estar para milhares de pessoas portadoras de doenças graves, refratárias e incapacitantes.

Ao mesmo tempo, é preciso destacar que apenas uma fração insignificante dos mais de 500 mil médicos brasileiros está capacitada para prescrever e acompanhar os tratamentos com essa classe de medicamentos. Mesmo com tantas evidências sobre a eficácia das terapias, e de que a demanda vai explodir em pouco tempo, a grande maioria das instituições de ensino ignora esse progresso da Medicina e a educação segue em passos de tartaruga. Isso sem contar a resistência, muitas vezes incompreensível, de algumas entidades representativas. Como médica, considero esse cenário indefensável.

No caso das terapias à base de cannabis medicinal, a demanda da população, a Anvisa e a Justiça evoluem mais rápido do que parlamentares e médicos. Muitos brasileiros continuam sofrendo por falta de leis e de mãos e mentes capacitadas. Precisamos de mais gente comprometida com a ciência e a saúde da população. No Congresso e na comunidade médica, sobretudo.

Patrícia Montagner

Patrícia Montagner

Médica neurocirurgiã e fundadora da WeCann Academy, comunidade global de estudos em Medicina Endocanabinoide.

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