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A contribuição do seguro para a democracia

No presente artigo, vamos examinar que contribuição o contrato de seguro pode dar para o país superar a atual crise através do cumprimento de sua função de promover a dignidade da pessoa humana, através dos predicados da Igualdade e da Liberdade.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Atualizado às 10:50

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Oferece-nos, assim, a Constituição, um rico catálogo de direitos e garantias, verdadeiras conquistas que o espírito de liberdade e a dignidade humana foram obtendo no correr dos séculos à custa de muito sangue e ingentes sacrifícios - preciosíssimo tesouro que fica sob a guarda e vigilância do patriotismo e zelo cívico dos que compõem a nação brasileira.

Para efetividade e valia dessa guarda, é, porém, indispensável que se instrua o povo e tenha ele verdadeira consciência de seus direitos, a fim de que os saiba defender e possa acertar na escolha de seus mandatários.1

João Barbalho Uchôa Cavalcanti 

The main role of insurance in society is to spread risk and, if the risk materializes, to spread the resulting loss. Thus, the few who need it can be compensated from the contributions paid by the many who do not but might: people who are risk-averse and buy insurance can be assured that, if they were the ones in need, they too would be compensated; so that, in the words of an Act of 1601, there "followeth not the undoing of any man, but the loss lighteth easily upon many than on few". Incidental to this role but, increasingly, an important ancillary role of insurance in itself is the management of risk and the prevention of loss. When insurance carries out these functions effectively, the consequences are, first, to encourage useful activity and enterprise that might not otherwise have occurred. Insurance has been called the "hand-maiden of industry". A second consequence is the reduction of loss, damage, and stress in society to more acceptable levels.2

Malcolm Clarke

1. Introdução

O Brasil contemporâneo enfrenta uma série de desafios, cuja face mais visível talvez seja a dificuldade de promover o progresso econômico, como se denota da previsão de especialistas, que o país completará 16 anos de crescimento abaixo da média mundial.3  Aos desafios econômicos, somam-se os de ordem social (desigualdade), jurídica (segurança e efetividade) e política (estabilidade). Aprofundaremos, neste trabalho, o aspecto político no que toca à sua ligação à perene fragilidade ínsita ao regime democrático, mas que se acentua ainda mais em períodos de dificuldade econômica.

O exame consistirá, justamente, no papel que pode desempenhar o contrato de seguro para a Democracia. Com efeito, muitos são os riscos cobertos pelo seguro, e sua ampla gama de garantias se espalha pelos diversos setores da sociedade. Mas teria o contrato de seguro alguma participação na garantia do maior de todos os riscos, que é o perecimento do nosso regime democrático?

Evidentemente, o contrato de seguro é uma operação econômica e é natural que sua operação traga óbvias consequências econômicas. Nem tão óbvias, porém, são as relações que a Economia tem com a sustentação do regime democrático e o papel que o seguro desempenha para a manutenção dos valores de igualdade e liberdade, conquistados em séculos de evolução e que se traduzem na forma como vivemos em sociedade.

No presente artigo, vamos examinar que contribuição o contrato de seguro pode dar para o país superar a atual crise através do cumprimento de sua função de promover a dignidade da pessoa humana, através dos predicados da Igualdade e da Liberdade. Para tanto, examinaremos os fundamentos da Democracia, as ameaças mais e menos sutis que sofre e, historicamente, como se dá a subversão da ordem democrática. Conhecidas as ameaças, passamos as possibilidades de resistência e de preservação dos valores democráticos, quer em nível institucional, quer a partir do seu ponto último - o reconhecimento do valor humano em si mesmo.

Nas seções seguintes, estudamos as relações entre crise econômica, economia de mercado e Democracia, bem como a disciplina jurídica que ela recebe na Constituição Federal de 1988. Ao final, tratamos do contrato de seguro e sua relevante contribuição para Democracia em dois pontos que são cruciais para evitar a sua derrocada, especialmente em tempo de crise: promovendo a igualdade, através da distribuição de riqueza; promovendo a liberdade (na ordem econômica, a livre iniciativa) ao incentivar o desenvolvimento econômico e social por meio do favorecimento das condições necessárias à produção de riqueza.

2. A Democracia

2.1 Origem e Condições Institucionais da Democracia

A Democracia moderna surgiu nos Estados Unidos, tendo apenas muito mais tarde chegado à Europa. No verbete "Democracia" da Enciclopédia de D'Alembert e Diderot, publicada a partir da segunda metade do século XVIII, ela é tratada como um regime próprio dos tempos de Atenas e Roma, e desvantajosa para os estados nacionais.4  Foi somente em 1835, com a publicação da De la démocratie en Amérique, de Tocqueville, que o termo Democracia passou a ter, no continente europeu, uma conotação positiva e ser considerado um sistema viável de governo5.

Ilustra esse aspecto a seguinte mensagem epistolar de Thomas Jefferson6: "As doutrinas da Europa preconizavam que os homens em numerosas associações não podem contidos nos limites da ordem e da justiça senão por forças físicas e morais exercidas sobre ele por autoridades independentes de sua vontade. Daí a organização através de reis, nobres hereditários e sacerdotes." Logo, a seguir, faz o contraponto com o ineditismo da doutrina norte-americana: "Nós acreditamos com eles [fundadores da Democracia americana] que o homem é um animal racional, dotado pela natureza com direitos e com um inato senso de justiça e que pode ser afastado do mal, e protegido no bem, por poderes moderados, concedidos a pessoas de sua própria escolha e mantidos nos seus cargos por dependência de sua própria vontade."

Naturalmente, para a Democracia se manter, é preciso um elaborado arranjo institucional com a preservação de determinados requisitos para seu funcionamento mínimo. Para a Democracia operar em um Estado Nacional Moderno, Robert Dahl7 apresenta 6 requisitos institucionais: 1. funcionários eleitos; 2. eleições livres, justas e frequentes; 3. liberdade de expressão; 4. fontes de informação diversificadas; 5. autonomia para associações; 6. cidadania inclusiva. Assim, é necessário um arranjo político que permita o legítimo exercício do poder, mas também é preciso que existam as condições sociais que oportunizem aos indivíduos formarem as suas convicções de forma consciente e esclarecida - sendo, para tanto, crucial o acesso à fonte de informação diversificada.

A doutrina constitucional sublinha a relevância de instituições sólidas e maduras como guardiãs da ordem democrática, apontando que "o êxito da democracia depende cada vez mais (...) da aptidão técnica e funcional das instituições postas pela intervenção racional da comunidade e de seus líderes"8. Entretanto, de um ponto de vista mais prático, cumpre notar, como observam os autores de Como as Democracias Morrem, "as instituições isoladamente não são o suficiente para conter autocratas eleitos."9 Isso ocorre porque as instituições de um determinado país podem estar formalmente perfeitas e, ainda assim, funcionarem como um simulacro vazio, em que "autocratas eleitos mantêm um verniz de democracia enquanto corroem a sua essência"10. 

Clique aqui e confira a íntegra do artigo.

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1 Constituição Federal Brasileira Comentada (1891). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, edição fac-similar, 2002, p. 5.

Policies and Perceptions of Insurance Law in the Twentieth-First Century. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 252.

Disponível aqui. Acesso em 21/12/21.

4 JACOURT, Charles de. Democracia. In: Verbetes Políticos da Enciclopédia (Diderot e D'Alembert). São Paulo: Unesp, 2006, p. 57.

5 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Regimes Políticos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva et al (Coord.). Tratado de Direito Constitucional. T. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 659

6 JEFFERSON, Thomas. Carta a William Johnson de 12 de junho de 1823.Disponível aqui. Acesso em 15/05/2021.

7 DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Brasília: UnB, 2001, p. 99.

8 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Regimes Políticos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva et al (Coord.). Tratado de Direito Constitucional. T. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 678.

9 LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018,  p.  19.

10 LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018,  p. 17.

Lúcio Roca Bragança

Lúcio Roca Bragança

Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista (MBA) em Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros pela Escola Nacional de Seguros. Advogado e parecerista militante na seara securitária.

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