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Estelionato praticado por meio da internet: Uma visão acerca dos crimes digitais

Para refletir o alcance desses meios de interação entre as pessoas, o artigo cita crimes praticados contra a honra por meio de redes sociais, além de tratar de outros crimes e condutas em que não há punição.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Atualizado às 08:35

(Imagem: Arte Migalhas)

Com o surgimento da pandemia do Covid-19, as práticas desses crimes se multiplicaram, visto que, grande parte da população, se viu obrigada a passar mais tempo em casa, o que, conseqüentemente, aumentou o número de pessoas conectadas a internet. Nessa toada, os criminosos têm agido cada vez mais e feito várias vítimas no mundo virtual.

Diante disso, tem-se um grande problema: devido ao ambiente que a internet oferece para a prática de fraudes, há uma grande dificuldade em se punir os criminosos, tendo em vista a dificuldade de descobrir sua identidade e a falta de leis severas sobre o tal delito.

Com intuito de combater alguns crimes virtuais, entrou em vigor a lei 14.155/21, que incluiu alguns parágrafos no artigo 171 do Código Penal e alterou algumas regras sobre a competência para julgar o crime.

Criminosos buscam a internet para obter informações e dados acerca de indivíduos que serão suas possíveis vítimas, visto que, a todo o momento, no mundo inteiro, pessoas compartilham e guardam suas informações digitalmente. Todos os dias, as pessoas compram e vendem objetos e serviços, cadastram senhas, fornecem dados, trocam mensagens, participam de grupos, acessam redes sociais e se utilizam de vários meios que, de alguma forma, armazenam suas informações pessoais. Todas as formas de utilização da internet citadas acima podem parecer inofensivas, mas, em muitos casos, oferecem riscos aos usuários, quando estes se deparam com pessoas mal-intencionadas.

Além disso, tem sido muito comum a prática de crimes virtuais contra a honra, quando ocorre a invasão dos dispositivos com o objetivo de causar prejuízos à imagem do proprietário, sem a permissão deste. Uma situação, que ocorreu há um tempo, traduz bem essa questão, quando a atriz Carolina Dieckmann teve seu computador invadido por um hacker, que obteve acesso a 36 fotos de cunho íntimo da atriz, exigindo R$10 mil reais para não publicá-las. Como ela não cedeu ao pedido, teve suas fotos divulgadas, lesando sua honra objetiva. Nesse caso, os criminosos foram indiciados pela prática de difamação, furto e extorsão qualificada, pois ainda não existia legislação específica sobre o tema.

Foi através disso que foi criada a lei 12.737/12, que tipifica os chamados delitos ou crimes informáticos. Entretanto, deve-se ressaltar que, ainda que o perfil falso criado seja referente a uma pessoa que não exista, um animal ou um objeto, é possível que haja responsabilização dos criadores, visto que, em alguns casos, a conduta se adéqua a outros delitos previstos na legislação penal.

Evidentemente, existe, no direito brasileiro, uma proteção a imagem de cada indivíduo, de forma com que cada atitude pode ter uma implicação, seja em âmbito penal ou civil. O crime de falsa identidade é um delito formal, conforme ensina Fernando Capez:

Consuma-se o crime com o ato de atribuir-se ou atribuir a outrem falsa identidade. Trata-se de crime formal, de maneira que o delito se perfaz 8 independentemente da obtenção da vantagem ou da produção de dano a terceiro (CAPEZ, 2020, s.p.).

Sendo assim, para que a pessoa que cria uma rede social, com intuito de obter alguma vantagem ou causar dano a alguém, responda pelo crime de falsa identidade, não é necessário que a vantagem seja alcançada ou o dano concretizado, vez que se trata de crime formal, que se consuma com a prática de algum dos verbos nucleares do tipo penal.

Destaca-se, também, que o crime em comento pode ser absorvido por um delito mais grave, a depender da conduta do agente. Conforme ensina Nelson Hungria (1958), "a vantagem pretendida pelo agente não poderá ter natureza econômica, pois, se assim fosse, tal conduta seria tipificada como estelionato, delito previsto no artigo 171, do Código Penal".

Em síntese, são quatro requisitos exigidos para configuração do crime de estelionato, sendo eles: que haja a obtenção de vantagem ilícita; que seja causado o prejuízo a outra pessoa; que o agente use meio de ardil, ou artimanha; e que esteja demonstrada a intenção do agente em enganar alguém ou a induzir ao erro, de forma com que a vítima tenha uma percepção equivocada dos fatos.

O estelionato é um crime no qual o agente manipula, ilude e engana a vítima, induzindo-a a entregar bens ou objetos, voluntariamente, acreditando, a mesma, que o estelionatário esteja agindo de boa-fé. A respeito da expressão "vantagem ilícita", Fernando Capez (2020) ensina que, esta, trata-se do objeto material do crime e, caso o agente esteja agindo em razão de uma vantagem devida, a conduta é tipificada como exercício arbitrário das próprias razões, delito previsto no art. 345, do Código Penal.

Doutrina e jurisprudência trazem uma discussão acerca da pratica de estelionato mediante o uso de documento falso. Fernando Capez (2020) ensina que, no crime de falsidade documental, o Estado é sujeito passivo e se trata de crime contra a fé pública, de forma com que se atinge o interesse público. Já o estelionato atinge o interesse particular, tutelando-se o patrimônio do indivíduo.

Dessa forma, a conduta praticada não é considerada como crime. Entretanto, se o agente pratica vários atos dessa natureza contra a mesma vítima, não será aplicado o princípio da insignificância, configurando-se o crime de estelionato.

ESTELIONATO VIRTUAL

É sabido que, com o grande aumento do número de usuários da internet, a prática de crimes virtuais aumentou consideravelmente. Isso se justifica pela facilidade de manuseio dos meios virtuais e pela dificuldade em se punir os criminosos, tendo em vista não ser fácil descobrir a identidade dos mesmos e a ausência de legislações 14 especifica sobre o tema.

Essa realidade não é diferente quando se tratam de estelionato, que tem feito cada dia mais vítimas. Isso se agravou ainda mais com o surgimento da pandemia Covid19, pelo grande aumento dos usuários da internet.

Nessa toada, criminosos criam páginas falsas, oferecendo oportunidades surreais e, em muitos casos, enviam mensagens por WhatsApp, o que acaba enganando as vítimas mais vulneráveis. Essas fraudes aplicadas caracterizam o crime de estelionato virtual e, alguns exemplos bastantes comuns são: proposta de empréstimo com a taxa de juros baixa ou sem nenhuma taxa; empregos oferecidos na internet com bons salários, entretanto, sendo pedido um valor financeiro para efetuar a inscrição; sites de vendas de produtos que nunca serão entregues; mensagens em massa via WhatsApp, mais conhecidas como correntes; enfim, todos os meios que buscam, de alguma maneira, obter vantagem patrimonial ilícita, induzindo as pessoas ao erro.

O crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, sofreu uma recente e importante alteração. A lei 14.155, de 27 de maio de 2021, acrescentou e alterou alguns parágrafos no supramencionado dispositivo legal. Dentre as mudanças, foram incluídos os §§ 2°-A e 2°-B, que tratam da fraude eletrônica, com a seguinte redação:

§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional (BRASIL, 2021).

O § 2°-A trata de uma qualificadora do crime de estelionato, quando este é praticado de forma não presencial, na situação em que o agente se utiliza de informações constantes de redes sociais, contatos telefônicos, e envio de e-mail a vítima. Além disso, o texto do dispositivo legal ainda abre a possibilidade da prática do crime de estelionato virtual por qualquer outro meio fraudulento análogo.

O §2°-B do artigo 171 do Código Penal, também incluído pela lei 14.155/21, vem trazendo uma causa de aumento de pena de 1/3 a 2/3, quando o crime é praticado mediante a utilização de servidor estrangeiro. Nesse caso, a pena deve ser maior, considerando a relevância do resultado gravoso para dosar a fração de aumento, tendo em vista que há uma grande dificuldade de localização e punição do agente, quando o crime é cometido a partir de um servidor ou equipamento localizado fora do território brasileiro.

A lei 14.155/21 também alterou o artigo 70 do Código de Processo Penal, tratando da competência para o julgamento de algumas das modalidades do crime de estelionato. O §4° do referido artigo foi incluído com a seguinte redação:

§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção (BRASIL, 2021).

Dessa forma, o critério para estabelecer a competência passa ser o domicílio da vítima, sendo a competência determinada pela prevenção em caso de pluralidade de vítimas. Entretanto, quando se tratar de estelionato mediante falsificação de cheque, a competência para processamento e julgamento do crime será do juízo do local da obtenção da vantagem ilícita, conforme prevê a sumula 48 do STJ.

Ainda assim, há uma grande dificuldade na identificação dos criminosos, ficando evidente que o Brasil ainda carece de alterações legislativas para coibir a prática de tais crimes. Isso se demonstra pelo fato de que as investigações sobre os crimes virtuais no país não produzem eficientes e expressivos resultados, mesmo diante das inovações legislativas referenciadas neste artigo.

É visível que a legislação brasileira tem evoluído na tipificação dos crimes cibernéticos, entretanto as sanções ainda são brandas e as normas devem caminhar no sentido de coibir a prática dos crimes virtuais. Para que isso seja possível, o Estado deve implementar novos métodos de investigação e melhorar os recursos digitais e tecnológicos que estão à disposição das autoridades.

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BRASIL, LEI 12.737, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2012. Dispõe sobre a Tipificação Criminal de Delitos Informáticos e dá outras providências. Brasília, 30 de novembro de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm; Acesso em: 15/02/2022.

BRASIL, 2021. LEI 14.155, DE 27 DE MAIO DE 2021. Brasília, 27 de maio de 2021; 200o da Independência e 133o da República. Disponível em: . Acesso em: 15/02/2022.

CAPEZ, Fernando Parte especial arts. 121 a 212 / Fernando Capez. Coleção Curso de direito penal. V. 2 - 20. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

CAPEZ, Fernando Parte especial arts. 213 a 359-h / Fernando Capez. Coleção Curso de direito penal. v. 3 - 18. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/18080/1/TCC%2001.12.21%20dep%C3%B3sito%20final.pdf

Paulo Roberto Silvério Moreira

Paulo Roberto Silvério Moreira

Bacharel em Direito (Universidade Nove de Julho), Pós Graduando em Direito Digital e Compliance, Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal. Membro da ANPPD.

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