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Pensamento alargado

A busca pela diversidade não deveria ser bandeira apenas dos grupos excluídos, mas de todos e não por moralismo, justiça ou por cota, mas porque alarga o pensamento.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Atualizado em 22 de fevereiro de 2022 08:13

(Imagem: Arte Migalhas)

Os seres humanos sempre se angustiaram com a efemeridade da vida e buscaram explicações para o envelhecimento e finitude. O mundo atravessado pela COVID-19 nos fez conviver com limitações que trazem essas questões e outras relacionadas ao centro de debates.

As religiões e a filosofia oferecem caminhos diversos para lidar com as questões relacionadas à existência e suas dores. Os estoicos acreditavam na força do cosmos e defendiam que se vivesse no presente para evitar angústias ligadas ao passado e ansiedade diante das incertezas do futuro. Para eles, a morte é a passagem de um estado pessoal para impessoal. A doutrina cristã prega o amor a um Deus misericordioso e a fé como caminho a nos levar para a imortalidade.  Já o pensamento moderno - de Descartes, Rousseau e Kant - coloca o homem no lugar do cosmos e da divindade e afirma que o esforço e pensamento humano são a chave para a busca do sentido e coerência do mundo. 

O avanço da ciência coloca entraves na ideia de transcendência. Os seres humanos são destinados pela natureza a envelhecer e morrer. De forma simplista, a natureza prefere que a geração atual não dispute alimentos com a geração futura. A pandemia escancarou que a ciência é que salva vidas. Já se fala que, em um futuro não tão longínquo, a ciência possibilitará o fim da morte por envelhecimento, o que seria a "morte da morte". 

Os percursos de religião, filosofia e ciência são diversos. Na religião, o caminho é a crença. Na filosofia, o pensar, deduzir e descobrir pela reflexão. Já na ciência, observar e testar. 

As questões sobre a existência não são apenas teóricas ou metafísicas, mas se refletem no cotidiano. Em que mundo queremos viver?  Qual é o nosso papel?  A beleza da história do pensamento humano é que revela as pegadas da luta do homem contra a ignorância através dos séculos. A natureza não se preocupa com a justiça ou felicidade. Essas são ideias construídas pela civilização.

Os operadores do direito têm a oportunidade de assegurar pelo cumprimento das leis doses de justiça mesmo em um mundo incerto e injusto por natureza.  As garantias e direitos individuais - tantas vezes atropelados - representam a vitória da civilização sobre a natureza e jamais deveriam ser negligenciados pois construídos a partir de experiências históricas desastrosas como o nazismo, o preconceito racial e a segregação de gênero. 

Os seres humanos seguem com o poder de decidir quem serão e o legado que vão deixar para os seus filhos e gerações futuras. As discussões que envolvem os rumos da humanidade e das nações são definidas na mesa de negociações entre o Executivo e o Congresso Nacional e, não raro, afetadas pela atuação pró ativa do Judiciário.  

Tais discussões deveriam ser conduzidas em um ambiente plural. A busca pela diversidade não deveria ser bandeira apenas dos grupos excluídos, mas de todos e não por moralismo, justiça ou por cota, mas porque alarga o pensamento. E o pensamento alargado, como ressaltado pelo filósofo francês Luc Ferry, nos permite entrar em contato com o diferente para que possamos modificar ou, até mesmo, reforçar nossas convicções.   

Danielle Silbergleid

Danielle Silbergleid

Sócia do Opportunity, formada pela PUC, especialização em Processo Civil (FGV), experiência em litígios nacionais e internacionais. Participou do Women Global Forum for Economic & Society de 2020.

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