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O que não estamos fazendo pelo Judiciário do futuro

Passou da hora de darmos início a ações integradas que promovam mais transparência, diálogo e aproximação das pessoas às instituições públicas.

terça-feira, 29 de março de 2022

Atualizado às 14:06

(Imagem: Arte Migalhas)

Todos sabem que a pandemia transformou o mundo e na esfera do Poder Judiciário não foi diferente. Se antes de 2020 tribunais do país já operavam quase totalmente com processos eletrônicos, em 2022 temos uma justiça ainda mais digital, com possibilidade concreta de que todos os atos judiciais sejam realizados por meios tecnológicos e de forma remota. A justiça 4.0 já integra o cotidiano de fóruns de todo o país e dá passos largos no uso de dados, inteligência artificial e machine learning para assegurar direitos a brasileiros e brasileiras. O Judiciário do futuro - ao que parece - já chegou. Será mesmo?

Para responder isso, analisemos por um instante o que de fato queremos para o futuro. Fiz uma rápida busca em websites de tribunais de diferentes ramos e regiões e encontrei com facilidade a declaração da Visão de Futuro dos respectivos planos estratégicos. Constatei que a afirmação que prevalece nesses documentos é algo mais ou menos assim: "Ser reconhecida pela sociedade como instituição de excelência na entrega da justiça".

E é claro que a tecnologia é uma importante aliada para que se alcance esse ideal. No entanto, muito além de aprimorar a entrega dos serviços, os tribunais querem ser reconhecidos socialmente por isso. Estamos, portanto, falando de opinião pública. Não por acaso, esse foi um dos pontos mais abordados no seminário O futuro do Direito e o Direito do futuro, realizado pelo jornal Folha de S. Paulo há duas semanas. Nele, painelistas ilustres, como o ministro Ayres Britto e a professora Maria Tereza Sadek, foram unânimes ao afirmar que, para que possa cumprir plenamente sua missão constitucional e contribuir para suavizar desigualdades sociais, o Judiciário precisa de credibilidade, e que para isso, precisa se comunicar melhor. Mais adiante, no segundo painel do seminário, Daniel Marques, diretor da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), falou que muito além da justiça 4.0, precisamos de uma "Cultura 4.0". Ou seja, a inovação precisa caminhar lado a lado com o acesso à justiça.

Dados não faltam para endossar essas afirmações. Uma pesquisa recente feita pelo Insper, por exemplo, constatou que 56,1% dos respondentes não procurou a justiça, mesmo em situação de violação de direitos, por considerá-la "muito complicada" e "demorada". O relatório apontou, também, que 31,6% dos participantes acredita que a justiça é injusta e que não protege quem deveria. E como forma de verificar se realmente o principal motivo para não acessar a justiça, mesmo precisando dela, era a descrença em sua efetividade e a falta de informação, a pesquisa ainda perguntou: "o que teria mudado sua decisão e ter lhe convencido a buscar efetivamente ajuda da justiça?". No topo das alternativas escolhidas estão as respostas: "se acessar o Judiciário fosse mais eficiente e agradável" (68,4%) e "se eu tivesse mais conhecimento e informações de como agir" (52,6%).

O Judiciário do futuro precisa sim de novas tecnologias. Mas muito além de processos eletrônicos, audiências por videoconferência, bots e algoritmos, necessita de instrumentos efetivos para construir seu atributo mais basilar: a confiança. E para tanto, deve começar fazendo melhor uso de um tipo de tecnologia tão antiga quanto revolucionária, que é a palavra. É impossível confiar em quem não se compreende. Se hoje tribunais valorizam tanto seus departamentos de informática, talvez esteja na hora de um olhar mais estratégico para seus departamentos de comunicação. Salvo raríssimas exceções, tais unidades permanecem sendo relegadas à função de meras divulgadoras, acumulando uma infinidade de tarefas operacionais muitas vezes supérfluas - que vão de publicar comunicados na intranet a fazer fotografias de ocasiões sem interesse público. Assoberbados, os profissionais que ali atuam não dispõem de tempo e de recursos para empreender ações realmente transformadoras, que promovam engajamento real dos seus membros e que traduzam, orientem e eduquem com propriedade aqueles que buscam - ou que deixam de buscar - os órgãos de justiça.

Se eu pudesse dar um único conselho a dirigentes de tribunais que almejem efetivamente construir o Judiciário do futuro, eu diria para investirem esforços na elevação da comunicação ao patamar estratégico. Passou da hora de darmos início a ações integradas que promovam mais transparência, diálogo e aproximação das pessoas às instituições públicas. Dessa forma, nossas casas de justiça poderão atingir aquilo que mais precisam ser: abrigo, alento e fonte de esperança ao povo brasileiro.

Aline M. Castro Silva

Aline M. Castro Silva

Jornalista, mestra em comunicação institucional e servidora pública no TRT-2. É também diretora de comunicação na Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).

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