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Caso midiático do mendigo de planaltina: acerca de exposição da imagem da mulher

Desde que os meios tecnológicos surgiram e se aperfeiçoaram, a vida das pessoas foi de um lado facilitada, e de outro ficou à mercê de pessoas mal-intencionadas.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Atualizado às 13:26

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Segue repercutindo o caso envolvendo o morador de rua que foi espancado por um personal trainer. Na ocasião, o homem foi flagrado tendo relações sexuais com a esposa do profissional, e o caso viralizou na web.

O homem em questão se trata de Givaldo Alves, de 48 anos, que já concedeu algumas entrevistas sobre o assunto. Uma delas, porém, de forma rápida foram visualizadas nas redes sociais por conta do seu conteúdo explícito relatado pelo morador de rua.

Foi em conversa com uma emissora de televisão que Givanildo explicou, de forma obscena, o que aconteceu entre ele e a esposa do personal trainer. O vídeo não contém nenhuma censura e foi amplamente compartilhado.

É nesse cenário de instantaneidade e exposição descuidada e contínua que se discute justamente as conseqüências advindas do intuito com que os meios tecnológicos têm sido usados, da forma como as redes sociais têm sido utilizadas e a influência disso nas relações humanas; quase que esquecida, existe uma zona limítrofe e nebulosa entre a exposição e a intimidade, vis de conseqüência, direitos da personalidade e fundamentais.

Prova desse esquecimento é que na maior parte do tempo, as pessoas não se preocupam com sua imagem, nem com sua privacidade, tampouco respeitam os direitos e garantias de terceiros, constitucionalmente protegidos, face uma ilusória "distância" e proteção.

Desde que os meios tecnológicos surgiram e se aperfeiçoaram, a vida das pessoas foi de um lado facilitada, e de outro ficou à mercê de pessoas mal-intencionadas. A multiplicação dos casos de violação à intimidade, com sérios prejuízos à imagem atribuída a essas vítimas, fez com que a Constituição Federal de 1988 adotasse uma proteção específica ao cidadão. Walber de Moura Agra (2010, p. 196) pontua que: "Esses direitos que não existiram expressamente na Carta Magna anterior, demoraram a entrar no amparo constitucional porque nasceram em decorrência da inovação tecnológica. São garantias para a proteção dos cidadãos contra os avanços tecnológicos". Assim, com a atual Constituição Federal, a intimidade e a imagem acabaram sendo elevadas a direitos fundamentais invioláveis.

Podemos concluir que, a liberdade de agir deve ser limitada pelo direito à intimidade. Posto que, se de um lado a Constituição Federal afirma:

"Art. 5º, II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", no mesmo artigo assegura: 

"Art. 5º, X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Ainda, a súmula 403, do STJ prevê que é presumido o prejuízo da parte que tem imagem divulgada sem autorização, nos seguintes termos:

Súmula 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

O que se quer dizer aqui é que não se coloca em xeque o caráter ou a intenção da pessoa que se utilizou da imagem, mas que é direito da vítima, não querer ver sua imagem vinculada a este tipo de situação, preservando sua intimidade.

O Código Civil prevê, em seu art. 927 que todo aquele que comete ato ilícito, fica obrigado a repará-lo.

Art. 927. aquele que, por ato ilícito, arts. 186 e 187, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Dessa forma, percebe-se que fotos e vídeos íntimos, que firam a imagem e reputação alheia, não devem ser divulgados, e se o forem o ofendido deve receber indenização. Pois, como adverte Leo Van Holthe, 2010, uma das prerrogativas do direito à intimidade é não ter a imagem exposta ao público sem a devida permissão.

Faz-se necessário pontuar a diferença peculiar existente entre a privacidade e intimidade, comumente confundidas. Maria Helena Diniz pontua que estas não se assemelham. Uma é mais abrangente e a outra mais restrita, de forma tal que a privacidade inclui a intimidade. Assim diferenciando, a privacidade envolve os aspectos externos da vida, compartilhada inevitavelmente com outras pessoas. Enquanto que a intimidade se volta para aspectos internos da vida.

A imagem, segundo Maria Helena Diniz, como representação física da pessoa, seja no todo ou em partes, é aquela que identifica o sujeito. Sabe-se que para que esta seja utilizada, independentemente do meio, deve a divulgação ser autorizada pelo titular, ressalvada os casos previstos no art. 20 do Código Civil. Este também prevê que havendo violação desse direito, ou seja, quando houver divulgação de imagem sem autorização do titular, de forma a causar transtornos e lhe atingir negativamente a respeitabilidade e boa fama, deverá haver indenização.

Importa, sobretudo, entender a extensão daqueles que serão responsabilizados. Assim, existindo afronta à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, podem ser responsabilizados não só o autor da ofensa, mas também aqueles que ajudaram a divulgar. Sendo os responsáveis identificados, estes responderão civilmente pelo mal causado a terceiro.

Um vídeo feito por uma câmera de segurança do momento também é reproduzido sem parar. O que é isso? Esqueceram que existe uma mulher na história que não autorizou nada disso?

É uma falta de respeito enorme com uma mulher. Não pode ser que achem normal falar dela por aí como estão fazendo. Os termos que são usados e as frases obviamente trarão consequências de constrangimento entre outros tipos de comportamentos que possa a prejudicar a sua imagem perante a sociedade.

Tão violento, ou mais, do que os socos desferidos pelo marido da mulher flagrada no carro com um morador em situação de rua são nossos cliques, nossa risada, o compartilhamento, as visualizações dessa tragédia pessoal.

Muito se especula sobre a vergonha que sentirá essa mulher ao sair do tratamento psiquiátrico e descobrir a proporção que sua experiência pessoal tomou. Espero, sinceramente, que essa vergonha, caso exista, seja muito menor do que a de todos aqueles que deram publicidade a essa história, não respeitam as dores alheias e desconhecem o significado de misericórdia.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2022, v.1

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Acesso em: 05/04/2022

https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula403.pdf
Acesso em: 05/04/2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
Acesso em: 05/04/2022

https://jornalopharol.com.br/2022/03/o-caso-da-mulher-violentada-por-nos/
Acesso em: 05/04/2022

Paulo Roberto Silvério Moreira

Paulo Roberto Silvério Moreira

Bacharel em Direito (Universidade Nove de Julho), Pós Graduando em Direito Digital e Compliance, Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal. Membro da ANPPD.

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