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STJ entende, pela primeira vez, que Lei Maria da Penha é aplicável também para proteger mulheres trans

Em abril de 2022, o STJ julgou recurso especial, que reconheceu, de maneira inédita, que a Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) protege a violência doméstica também contra mulheres trans.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Atualizado às 09:18

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 5/4/22, a Sexta Turma do STJ julgou recurso especial (REsp 1.977.124/SP), de relatoria do min. Rogério Cruz Schietti, em que se reconheceu, de maneira inédita, que a Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) protege a violência doméstica também contra mulheres trans.

Diz-se também, porque a norma jurídica pretende proteger as mulheres em situação de vulnerabilidade familiar, sem distinção sobre se se trata de uma mulher cisgênero ou uma mulher transgênero.

Em seu voto, acompanhado de maneira unânime pelos demais membros da Turma, o min. Rogério Schietti traz ponderações valiosíssimas, as quais se espera que servirão de alerta para que os cidadãos e cidadãs transexuais deixem de ser destaque pelo altíssimo índice de violência a que estão submetidos. Disse o relator:

"As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias".

Em seu voto ele também fez questão de destacar o reconhecimento da vítima como o que ela é, é dizer, uma mulher. Aborda, inclusive, a pouca imersão da literatura jurídico-penal pelo universo das teorias queer e esclarece termos como transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis, abrigando essas categorias na proteção da Lei.

Além disso, critica veementemente a cultura patriarcal e misógina do Brasil, responsável, há treze anos, pelo maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo (cerca de 38,2% do total), sendo 140 (cento e quarenta) delas somente em 2021.

Essa cultura, como reflete o caso, se reproduz nos tribunais, já que a decisão de primeira instância do TJ/SP negou medidas protetivas a uma mulher trans que foi agredida por seu pai justamente por ser uma mulher trans. Ao argumento majoritário da decisão prolatada pelo TJ/SP, a Lei Maria da Penha só pode ser aplicada a pessoas do sexo feminino, desconsiderando que gênero não é conceito que acompanha o sexo biológico. Conceito esse que, para o STJ, não pode ficar resumido à objetividade de uma ciência exata, uma vez que o artigo 5º da Lei expressamente utiliza o termo "gênero".

Por isso, para os ministros da Sexta Turma, os mecanismos de proteção previstos na Lei baseiam-se no gênero com o qual a vítima se identifica, ponderando-se que a realidade violenta e brutal das mulheres trans é evidência suficiente para identificação de traços comuns com a violência praticada contra mulheres cisgênero, ou seja, trata-se da mesma origem que a Lei visa proteger e busca evitar.

Janaina Andreazi

Janaina Andreazi

Sócia do Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, possui mais de 18 anos de experiência em contencioso cível e em seguros, com expertise tanto no contencioso como no consultivo. Além de possuir artigos publicados é palestrante. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Processo de Conhecimento e pós-graduanda em Direito Constitucional pela PUC-SP.

Guilherme Bernardes

Guilherme Bernardes

Sócio do Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, mestrando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa, com foco em Responsabilidade Civil e Seguros. Tem atuação destacada em questões afetas ao Direito Civil, Regulatório e Societário, aplicadas, em especial, aos setores de seguros e resseguros, societário e contratos, com vasta experiência em Procedimentos Administrativos Sancionatórios junto à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e ao Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados, de Previdência Aberta e de Capitalização (CRSNSP).

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