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Reflexões sobre as indenizações por danos materiais e morais em casos de acidente de trabalho e doença ocupacional

O empregado não pode ser colocado no "final da fila" de preocupações e prioridades dos empregadores.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Atualizado às 08:24

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

O dia 28/4 é reconhecido como o Dia Mundial da Segurança e Saúde do Trabalho. A data foi instituída pela OIT - Organização Internacional do Trabalho em razão de um acidente ocorrido em uma mina no estado norte-americano da Virgínia, no ano de 1969, quando 78 trabalhadores morreram em uma explosão. Não se trata de um dia de comemoração, mas sim de um memorial, um instrumento de conscientização sobre a necessidade de se proporcionar aos trabalhadores um ambiente digno e salubre.

Dados da OIT estimam que as doenças e acidentes do trabalho geram a perda de 4% do PIB global a cada ano. Entre os anos de 2012 a 2020, indicadores do observatório de segurança e saúde do trabalho apontaram que o Brasil ocupou o 2º lugar dentre os países das Américas e do G-20 com maior índice de mortes decorrentes de acidentes de trabalho, com 6 óbitos a cada 100 mil vínculos empregatícios. No mesmo período, os gastos previdenciários com acidentes e doenças ocupacionais superou a assustadora marca dos R$ 100 bilhões.1

A relevância do tema é tamanha que, em 2005, promulgou-se a lei nº 11.121, a qual instituiu o já citado dia 28/4 como dia nacional em memória das vítimas de acidentes e doenças do trabalho. Ainda, seguindo a linha das campanhas de conscientização que associam cores a determinados meses do ano, surgiu o abril verde.

Apesar de toda campanha, acidentes típicos e doenças ocupacionais continuam sendo o tema central de miríades de ações de reparação de danos na Justiça do Trabalho. Frise-se que, até a promulgação da Emenda Constitucional 45/04, a competência para o julgamento de tais ações era da Justiça Estadual, migrando para a trabalhista somente após a alteração do art. 114 da Constituição da República.

Cabe ressaltar que o Brasil possui diversas normas, constitucionais, legais e infralegais, que tratam de temas referentes à saúde e segurança dos trabalhadores. Na Carta Magna destaca-se o art. 7 e seus incisos XXII e XXVIII:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Como se observa, é dever do empregador proporcionar ao trabalhador um ambiente de labor seguro e propício ao bom andamento da atividade e, no caso de violação desse direito, comprovada sua culpa ou dolo, deve pagar indenização ao obreiro. Se, contudo, a atividade explorada pelo empregador implicar em risco aos colaboradores, a indenização decorrente do dano causado independe da comprovação de culpa, sendo certo que se aplica a responsabilidade objetiva pela teoria do risco criado, na forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

A definição legal de acidente de trabalho e doença ocupacional consta dos art. 19 e 20 da lei 8.213/91, que assim dispõem:

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

O art. 21 da mesma lei também apresenta grande relevância para o tema, uma vez que esclarece que, para que se considere acidente/doença do trabalho, este não precisa ter figurado como causa única no desencadeamento/agravamento da lesão que incapacita o obreiro, basta que se comprove que a atividade contribuiu para tal. Surge, então, a expressão doutrinária "concausa" (ou causa contributiva).

Apesar do tema ser norteado pelo Direito do Trabalho, com as demandas judiciais julgadas pela especializada, a legislação cível é plenamente aplicável à questão. Neste sentido, o fundamento jurídico central das ações de reparação de danos materiais e morais decorrentes de acidentes de trabalho/doenças ocupacionais encontra-se nos art. 949 e 950 do Código Civil, os quais dispõem que se o ato ilícito cometido pelo ofensor resultar em incapacidade total ou parcial do ofendido para o exercício de seu ofício ou profissão, este deve ser indenizado na forma de pensão correspondente ao valor que ele deixou de ganhar, além dos gastos com a sua recuperação.

Ou seja, se um empregado sofre um acidente ou doença do trabalho que o impede de continuar laborando, o empregador é obrigado a lhe pagar pensão correspondente ao valor da remuneração recebida habitualmente, além de custear todos os tratamentos médicos necessários à recuperação.

A jurisprudência tem se posicionado fartamente no sentido de conferir indenizações por danos materiais e morais a trabalhadores lesionados por acidentes ou doenças ocupacionais. Em recente decisão proferida pela ministra Maria Helena Mallmann, do TST, em sede de julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista 0000022-88.2012.5.01.0065 deferiu-se o apelo autoral para "majorar o valor da pensão mensal vitalícia para o percentual de 100% da última remuneração do reclamante, devido a partir data da ciência inequívoca da lesão (deferimento da aposentadoria por invalidez), acrescida de 13º salário e terço de férias, pelo seu duodécimo, mais os valores de FGTS", sendo certo que ao longo da instrução processual restou comprovado que o reclamante se encontra total e definitivamente incapacitado para o exercício de sua função em razão do desenvolvimento de doença ocupacional. O decisum foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 4/3/22.

No âmbito regional, a terceira Turma do TRT-1, em sede de julgamento de recurso ordinário, confirmou a sentença do juízo singular que havia deferido indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 a funcionário dos correios que fora assaltado dez vezes enquanto trabalhava realizando entregas de encomendas, conforme ementa:

RECURSO DA RECLAMADA. ECT. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSALTOS. Em regra, a responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho é subjetiva, a teor do disposto no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal. Admitir a responsabilização patronal automática pelo dano moral decorrente de acidente de trabalho implicaria imputar ao empregador uma responsabilidade objetiva, a qual somente incide nos casos expressamente previstos em lei. O art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro prevê expressamente duas hipóteses em que se prescinde de culpa a responsabilização do autor do dano: nos casos previstos em lei ou quando a atividade desenvolvida pela empresa for, por sua natureza, de risco. Definitivamente, em nosso país, o exercício da função de carteiro tornou-se atividade de risco, tendo em vista a drástica redução da entrega de correspondências em papel, substituída pelas mensagens eletrônicas fazendo surgir nova oportunidade de mercado para a empresa com o crescente comércio eletrônico de produtos. Como se sabe, nos tempos atuais os carteiros fazem entregas de diversos produtos comprados pela Internet, tais como celulares, tablets, jogos eletrônicos, material esportivo, computadores etc., o que torna esse serviço de entregas uma atividade de risco. Tanto isso é verdade que o autor foi assaltado a mão armada por dez vezes. Também se trata de fato público e notório a crescente violência contra caminhões de empresas transportadoras de mercadorias que são assaltados com frequência. É princípio basilar no Direito do Trabalho que o empregado não pode assumir os riscos, de qualquer natureza, da atividade econômica exercida pelo empregador. Recuso da empresa não provido nessa questão.

TRT1- ROT nº 0100288-09.2018.5.01.0054, Relator Des. Jorge Fernando Gonçalves da Fonte, DEJT: 10/02/2020

Em mais um caso emblemático, a primeira Turma do TRT da 3ª região manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais a trabalhador que desenvolveu doença pulmonar grave após ser exposto à fibra mineral cancerígena amianto (ou asbesto) por mais de 25 anos. O acórdão destaca que a empresa reclamada sabia dos riscos do uso da matéria prima na produção, mas nada fez para minimizá-los, sequer fornecendo equipamentos de proteção individual, por exemplo. Fixou-se o valor da indenização em R$ 500.000,00. Veja a ementa:

EMENTA: DOENÇA OCUPACIONAL. TRABALHO COM AMIANTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. "No caso em exame, como constatado pela perícia, a doença da qual o reclamante é portador tem natureza relacionada com as atividades laborativas exercidas na reclamada, e sua exposição ao amianto. Além disso, pela análise dos documentos relativos à treinamento de fornecimento de EPI s juntados aos autos pela ré (id09f2687), contata-se que não foi fornecido nenhum treinamento específico sobre os riscos oferecidos pelo amianto e os respectivos cuidados que os empregados deveriam adotar para prevenir e evitaras doenças relacionadas a ele e nem fornecimento de equipamentos de proteção individual aptos a eliminar os riscos da aspiração da poeira gerada pelo amianto. Nas fichas de controle de EPI não se encontra nenhum equipamento hábil a impedir a aspiração ou inalação do amianto, tais como protetores respiratórios, apesar do PPRA de1998, último que foi apresentado pela Ré, constatar expressamente a detecção de risco químico pela poeira de amianto. Pontue-se que a empresa requerida somente apresentou 1 documento intitulado como "levantamento ambiental" datado de 1987 e um PPRA datado de 1998, apesar do autor ter laborado para ela nos períodos de 24.03.1973 a 31.01.1996 e 01.02.1996 a 20/11 /1998.Todavia, o PPRa juntado aos autos (id c3d2e52) não atende aos requisitos da NR 9. A ré também não provou a adoção de medidas de eliminação, minimização ou o controle dos riscos ambientais, conforme previsão do item 9.3.5.1. da NR 9 e nem a implantação de medidas de caráter coletivo ou individual, conforme previsto no item 9.3.5.3 da mesma norma. Portanto, conclui-se que a ré foi negligente, agindo de forma culposa por missão quanto à prevenção e eliminação de riscos à saúde do trabalhador. A atitude antijurídica da ré (sua omissão em propiciar um ambiente de trabalho seguro e saudável ao ex-empregado) causou ao reclamante uma lesão à sua saúde de ordem irreparável, uma vez que adquiriu doença relacionada ao amianto, placas pleurais, o que lhe retirou, dentre outras valores, sua higidez física e sua aptidão para o trabalho. E é inegável a dor sofrida em razão da comprovada perda de capacidade laborativa e suas consequências. Nesse diapasão, é inquestionável que o autor teve violado, no mínimo, sua integridade física e psíquica, pelo que faz jus à indenização por danos morais". (Excerto da r. sentença prolatada pela MMª. Juíza JULIANA CAMPOS FERRO LAGE)

TRT3 - ROT 0010623-12.2019.5.03.0144, Relator Des. LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT, DEJT: 14/09/2021

As indenizações deferidas em ações de reparação de danos precisam cumprir uma dupla função: a primeira é de fato restituir ao trabalhador lesionado o seu "status quo ante", ou seja, permitir que ele se reaproxime ao máximo de sua realidade fática anterior ao acidente ou doença, enquanto a segunda é punir e "educar" o empregador, deixando claro que não pode ser mais barato indenizar do que investir em políticas de saúde e segurança do trabalhador. O empregado não pode ser colocado no "final da fila" de preocupações e prioridades dos empregadores.

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1 https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_783190/lang--pt/index.htm#:~:text=Segundo%20dados%20do%20Sistema%20de,para%20132.623%20no%20ano%20passado, acesso em 27/03/2022

Daniel Cobian

Daniel Cobian

Advogado do escritório Leonardo Amarante Advogados Associados.

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