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Metaverso: O lado obscuro desse novo "universo''

Cultos religiosos, casamentos, lojas on-line e processos seletivos já estão sendo realizados no metaverso. Esse novo "universo" abre um espaço para todos e não restam dúvidas que este novo ambiente veio para ficar.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Atualizado às 14:11

O metaverso vem ganhando um espaço cada vez maior na vida dos brasileiros. Embora não seja uma realidade tão nova assim (a origem do termo é do romance de ficção científica de Neal Stephensonx de 1992) foi especialmente após a mudança de nome do grupo dirigido por Zuckerberg - criador do Facebook - que recentemente, passou a se chamar "Meta", que a maior parte da população passou a conhecer melhor o tema. Embora a alteração do nome do grupo, as redes sociais permanecem com o mesmo nome.

O ambiente se utiliza de tecnologias relacionadas a realidade virtual e realidade aumentada que poderá ser um espelho da realidade para o usuário online, proporcionando a imersão total do indivíduo. O interesse comercial poderá gerar aos usuários das redes filiadas experiências únicas e em realidade virtual, possibilitando que as atividades essenciais possam também serem feitas através do acesso ao universo Meta.

Inicialmente o metaverso era habitado pelos games, sendo o Second Life o primeiro dos jogos voltados para simular a vida real, em ambiente virtual de realidade aumentada. Hoje em dia, esse novo universo deixou de ser exclusivo dos games.

Atualmente lojas tem feito desfiles e divulgações de campanha (assim como a Gucci), há processos seletivos nos quais você faz testes e entrevistas com seu avatar (Ambev). O Judiciário também está por dentro da inovação, em virtude da divulgação de um projeto piloto realizado em abril de 2022 pela vara do Trabalho da comarca de Colider, no Mato Grosso. Nem mesmo cultos religiosos têm ficado de fora da novidade.

No dia 19 de março de 2022 aconteceu o primeiro casamento, realizado por brasileiros, no metaverso. A festividade contou com a presença de seus familiares, convidados e figuras famosas. Além disso, a igreja escolhida para celebração também estava presente no mundo virtual, de modo que contou com detalhes escolhidos especialmente pelos noivos. O ocorrido ainda contou com aliança digital e união por meio de um smart contract. Os convidados da festa, receberam NFT'S (token não fungíveis), como lembranças deste dia. Não restam dúvidas que o metaverso veio para ficar.

Em contrapartida, nesse mesmo universo paralelo, assim como no mundo real, os atos ilícitos já começam a deixar seus registros e virar estatísticas. Furtos de NFT's, problemas com propriedade intelectual (afinal, como funciona a garantia da propriedade nesse universo? E a fiscalização destes direitos?!). Há também registro de furto de dados pessoais dentro de plataformas, que podem ser interpretadas como incidente de segurança por vazamento de dados, se considerarmos a aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados no metaverso - hipótese a qual particularmente nós pactuamos -, já que a LGPD já deixa expresso que a proteção dos dados ocorre inclusive nos meios digitais.

No âmbito do metaverso podemos destacar casos importantes que geram discussões sobre supostos delitos ocorridos neste universo. Ainda em 2021, em uma plataforma de testes utilizada pelo grupo Meta, uma usuária relatou que seu avatar havia sofrido certo tipo de assédio dentro da plataforma, o que nos leva a questionar, como a legislação será aplicada no Metaverso? As dúvidas permeiam não apenas o direito civil e a aplicabilidade da área mas também, e de maneira aumentada, o direito criminal. Sem a legislação adequada para essa nova realidade o ambiente metaverso poderá se tornar útil e proveitoso para cometimento de crimes?

As experiências proporcionadas por diversas organizações a usuários do metaverso são variadas, o que gera, de certa forma, caminho facilitado para que os males da sociedade também possam infiltrar-se no mundo virtual e provocar sua exposição.

Além do assédio anteriormente citado, crimes contra criança e adolescente, racismo, estupro e homicídio também foram relatados pelos usuários. Não há ainda nenhuma legislação que trate sobre atos ilícitos e crimes cometidos junto ao metaverso, deixando uma lacuna e limbo jurídico sobre esse tema que tanto vem ganhando destaque na mídia.

Sendo este universo utilizado como um "espelho da realidade" os delitos ocorridos, envolvendo os avatares de usuários reais, merecem atenção especial para o desenvolvimento de leis que abracem o uso correta da plataforma, bem como, para que possam evitar que tais delitos ocorram no mundo metaverso e se isentem de punição.

O fato é que há um abismo jurídico entre as inovações e o legislativo, o que certamente não será diferente nesse novo "universo".

Ao passar a análise para o âmbito de competências, e imaginando que o avatar brasileiro está a realizar determinadas atividades em solo europeu, sendo aquele vítima ou infrator de ações tipificadas como crime, ou infringindo responsabilidades cíveis, qual a legislação seria aplicável ao avatar brasileiro? Pensa-se em atingir as leis do Brasil ou Europa?

Atualmente, não há nenhuma legislação que possa tipificar, qualificar, ou ainda enfrentar em possíveis julgamentos, os crimes relatados no metaverso. Para que a responsabilização possa ser direcionada ao indivíduo real, responsável pelo avatar infrator, é necessário que exista adaptação, e de certa forma uma evolução tecnológica da lei para em razão das condutas reais já existentes, apenas desta forma seria possível encaminhar-se para um texto legal capaz de atingir o metaverso.

Nesse sentido, vale lembrar que o fato de não existir norma não exime o juiz de decidir, conforme se verifica no art. 4º da lei de introdução às normas do direito brasileiro, nestes termos, in verbis:

Art. 4o. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Nessa mesma linha, convém mencionar que a Eemenda Constitucional 85 de 2015 incluiu na Constituição Federal um capítulo específico sobre ciência, tecnologia e inovação, com disposições e especificações sobre medidas de promoção ao incentivo de desenvolvimento científico, à pesquisa, capacitação, à tecnologia e à inovação, com destaque para o parágrafo único do art. 219, abaixo transcrito:

CAPÍTULO IV - DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. - grifo nosso

Contudo, é notório que as normas demoram a acompanhar às inovações trazidas, conforme se pode claramente verificar no mercado de criptoativos, que embora existente desde 2009 ainda não tem uma norma em vigor, em que pese existam projetos de lei em tramitação e especialmente agora um projeto de lei substitutivo pendente de aprovação junto à câmara dos deputados.

Há ainda a destacar que entre os dois universos: real e virtual existe a correlação das ações reais e a reprodução das mesmas de maneira digital. A reprodução de tais atos reflete diretamente na reprodução legislativa já existente para a tentativa de controle e proteção dos usuários diante do metaverso, com as devidas mudanças e adequações de acordo com a evolução das tecnologias que são utilizadas nestes meios.

É certo que mesmo sem norma cabe ao Judiciário dizer o direito, tomando por base a doutrina, jurisprudência, demais fontes, princípios etc. No caso do metaverso, há uma linha que entende que se aplica exatamente as mesmas normas em vigor desta realidade; já outra linha, entende que por ser um novo universo, não há como aplicar normas jurídicas brasileiras, especialmente porque há questões de territorialidade bem complexas de serem analisadas, ou seja, necessariamente deve-se obter outras formas de aplicação.

Outra linha acredita que os termos de uso irão dispor sobre as lacunas existentes, contudo, vale lembrar que os termos de uso são regras relacionadas ao ambiente e serviço prestado, passíveis de banimento, exclusão da plataforma, mas sem um impacto mais amplo no que diz respeito à aplicabilidade, sanções e análise jurídica de uma forma macro, se comparadas a normas de eficácia plena.

Devido a isso, aos usuários de metaverso que utilizam-se da plataforma com maior frequência e tenham sofrido delitos semelhantes aos tipificados no mundo real, dentro do universo criado, caberá que, assim como na realidade já existente, deverão denunciar tais situações aos proprietários das plataformas.

Da mesma forma, diante da extensão do delito, deverá observar os reflexos atingidos pelo ato e a responsabilização civil e criminal do avatar (e seu responsável). Em muitas plataformas há ainda a disponibilização de mecanismos de segurança que visam proteger os avatares de situações que podem lhe causar abalos, o conhecimento é primordial para utilização correta e ágil. Canais de denúncia devem ser utilizados e termos de uso lidos, conhecidos e aplicados.

Medidas de segurança da informação deverão ser redobradas, principalmente quando o usuário utilizar criptoativos. Pesquisar a reputação da plataforma é medida que se impõe, uma vez que adentrar nesse novo universo é opcional. Enquanto não há linha mais assertiva, caberá ao usuário, proteger-se nesse "universo". 

Em contrapartida, assim como o avanço da tecnologia potencializou o aumento expressivo dos cibercrimes, o metaverso abre caminho para um leque de oportunidades de práticas ilícitas, que pelo menos por enquanto têm como vantagem o limbo jurídico mencionado anteriormente.

Por fim, entende-se nos dias atuais que a internet não mais é considerada "terra sem lei" de forma que o metaverso também não deverá ser. A morosidade das questões legais enfrentam as mesmas dificuldades do mundo real, mas merecem confiança, para que a longo prazo, possam atender devidamente os interesses dos usuários. A adesão legal necessitará ser unânime.

Entre realidades virtuais e aumentadas certo é que o metaverso faz parte da nossa realidade, da mesma forma em que a morosidade legislativa em acompanhar as inovações também.

Mônica T. Medeiros Lopes Scariot

Mônica T. Medeiros Lopes Scariot

Advogada do escritório Lopes e Pauletto Associados, e é Especialista em Direito Civil, Negocial e Imobiliário pela LFG/Anhanguera e Pós-graduanda em Advocacia em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI.

Vanise Saciloto Camassola

Vanise Saciloto Camassola

Advogada do escritório Jean Carbonera Advogados Associados, é Especialista em Direito Penal e Processo Penal e em Direito Digital, ambas pela FMP - Fundação Escola Superior do Ministério Público.

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