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A devolução ao erário decorrente de decisão liminar revogada

Alice Lucena e Pablo Domingues

É necessário devolver valores pagos através de decisão liminar posteriormente revogada por decisão definitiva?

terça-feira, 7 de junho de 2022

Atualizado às 10:50

As decisões que concedem valores a servidores públicos, de forma liminar, isto é, precárias e passíveis de reforma pelo Judiciário, não possuem a natureza de definitividade. Isso significa que sendo elas revogadas, eventuais valores recebidos em razão da liminar devem ser, em regra, devolvidos. Entretanto é natural que se cogite que essa regra não se aplica a decisões judiciais definitivas, tais como sentenças de juízes e acórdãos de Tribunais, já que trazem expectativa de que aquele direito reconhecido seja efetivado. Contudo, o posicionamento jurisprudencial sobre as decisões liminares é diferente.

Uma decisão judicial definitiva substitui a decisão liminar, podendo confirmá-la ou revogá-la. Havendo a revogação, a liminar "cai" e, via de regra, a consequência é que os valores pagos em razão da liminar são cobrados para serem devolvidos.

O STJ - Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento firme no sentido de que os valores pagos por meio de decisão precária, como é uma liminar, devem ser devolvidos. Ainda, a jurisprudência da Corte da Cidadania explica que os temas repetitivos de nº 531 e 1.009, que tratam sobre reposição ao erário, não se aplicam a casos que cuidem de decisão judicial precária. Isso porque o primeiro cuida de reposição ao erário quanto à aplicação equivocada de interpretação de lei, e o segundo quanto a erro operacional ou erro de cálculo da administração, ou seja, são pagamentos efetivados unilateralmente pela administração, enquanto um pagamento decorrente de uma liminar é determinado por meio de decisão judicial.

Já o tema 692 do STJ, recentemente revisitado pela Corte, cuida de reposição ao erário de decisão liminar concedida e posteriormente revogada que concede benefícios previdenciários àqueles incluídos no regime geral de Previdência Social, não se aplicando aos servidores públicos.

Contudo, ciente das especificidades de casos concretos sobre essa matéria, o STJ criou uma exceção, em especial àqueles que o decurso do tempo litigando no Judiciário constitui uma legítima expectativa de direito pelo recebimento. Tal exceção é denominada "dupla conformidade" e constitui-se na não devolução ao erário quando a liminar tenha sido confirmada em acórdão e alterada apenas em Tribunal Superior (STJ ou STF, por exemplo).

Nesse sentido afirma o recente julgado de relatoria do ministro Aurélio Bellizze sobre a matéria: "A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, que caracteriza a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natura alimentar posteriormente cassada" (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.955.341/MG, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, DJe de 25/5/22.).

Fora essa situação específica, o Superior Tribunal de Justiça não acolhe a boa-fé como argumento para não devolver ao erário em razão de liminar revogada. Isso também foi recentemente analisado em julgado de relatoria da ministra Assusete Magalhães: "É entendimento desta Corte que, tendo a servidora recebido os referidos valores amparados por uma decisão judicial precária, não há como se admitir a existência de boa-fé, pois a Administração em momento nenhum gerou-lhe uma falsa expectativa de definitividade quanto ao direito pleiteado. [...] Não pode o servidor alegar boa-fé para não devolver valores recebidos por meio de liminar, em razão da própria precariedade da medida concessiva e, por conseguinte, da impossibilidade de presumir a definitividade do pagamento." (AREsp n. 1.711.065/RJ, relatora ministra Assusete Magalhães, 2ª turma, DJe de 5/5/22.).

A tese da dupla conformidade, como rara exceção à regra de devolução ao erário, privilegia a expectativa do servidor público que viu seu direito reconhecido por duas instâncias do judiciário e, mais ainda, recebe a verba há anos, visto que o prazo entre o início de um processo e o julgamento por um Tribunal Superior é, geralmente, elevado. Com isso, o STJ busca desonerar o servidor público do dever de repor ao erário.

Fora a exceção criada pelo STJ e cuja aplicação se dá em casos muito específicos (decisão liminar confirmada não apenas em sentença, mas também em acórdão, e a reforma ocorrer apenas em Tribunal Superior, necessidade de longo de decurso de tempo entre a concessão da liminar e a reforma neste), valores recebidos por conta de decisão liminar conferida a servidores públicos que posteriormente fora revogada devem ser devolvidos. Com essa exceção, espera-se que o STJ passe a analisar mais casos concretos a ser aplicada a exceção da "dupla conformidade", tal como situações em que se obteve liminar e confirmação em acórdão em casos de competência originária de Tribunais de Justiça ou Regionais, com posterior reforma em Tribunal Superior.

Para elucidar esse foi o posicionamento do STJ no tema 692: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.

Alice Lucena

Alice Lucena

Advogada especialista na Defesa do Servidor Público, no escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.

Pablo Domingues

Pablo Domingues

Advogado especialista na Defesa do Servidor Público, no escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.

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