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Reconhecimento das iniciativas de compliance

Augusto Gonçalves Barbosa, Juliana Sá de Miranda e Garbeial Arcentales

Selos anticorrupção e outras iniciativas que premiam boas práticas e geram valor para as pessoas jurídicas.

terça-feira, 21 de junho de 2022

Atualizado em 23 de junho de 2022 08:33

Com o advento da lei 12.846/13 ("Lei Anticorrupção" ou "Lei da Empresa Limpa") e seu Decreto Regulamentador 8.420/15, a responsabilidade em combater a corrupção deixou de ser algo quase que majoritariamente de atribuição pública e passou a ser compartilhado com as pessoas jurídicas de direito privado, que passaram a ser aliados e figura importante ao desenvolver ambientes corporativos mais íntegros e contribuir com esse combate. Assim, buscando uma sinergia em criar um ambiente de maior colaboração no combate à corrupção entre as esferas pública e privada, surgiu, junto com o incentivo à implementação de programas de integridade, a figura dos chamados selos anticorrupção, que nada mais são do que atestações, normalmente concedidas por entes da Administração Pública, que reconhecem a existência de iniciativas de integridade por parte de pessoas jurídica, destacando-as por suas boas práticas corporativas de Compliance. 

Iniciativas positivas que incentivam o estabelecimento de boas práticas internas de Compliance e o reconhecimento de tais iniciativas demonstram que o  combate à corrupção pode deixar de ocorrer somente por vias sancionatórias e se tornar uma ferramenta corporativa positiva e preventiva das empresas no fomento de um cenário corporativo mais íntegro, trazendo benefícios para o negócio e para a sociedade como um todo. 

Além do reconhecimento público, um programa de Compliance bem implementado, alinhado com as melhores práticas de mercado e com a legislação anticorrupção brasileira, tem o condão de auxiliar a pessoa jurídica a se proteger de riscos decorrentes de quebras de integridade, mitigando riscos inerentes da interação com a Administração Pública. O programa é ainda capaz de promover uma cultura ética com potencial de contagiar todos os departamentos e atuações dentro de uma companhia, bem como os terceiros com quem a companhia se relaciona. Adicionalmente, também pensando no aspecto financeiro, um programa de Compliance pode ser um mecanismo para diminuição de perdas econômicas derivadas, por exemplo, da prática de fraude internas ou, ainda mais grave, de atos lesivos praticados contra a Administração Pública, que podem ocasionar a aplicação de sanções prejudiciais às pessoas jurídicas. 

Cabe ainda destacar o valor positivo de imagem que o reconhecimento de práticas de Compliance pode originar, gerando valor às pessoas jurídicas e valorizando a própria marca, tornando-se um importante trunfo para a atração de negócios, aumento de confiabilidade perante a administração pública e demais stakeholders, atraindo clientes, melhores parceiros de negócios e outros terceiros, alinhados com os valores da companhia. 

Assim, Considerando os benefícios desse viés preventivo, surgiram iniciativas de criação de selos anticorrupção regionais. 

No início de 2022, a Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle da Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou o PL 1.237/20, que cria um selo anticorrupção para empresas que adotarem programas de integridade. O PL, caso aprovado, tem potencial de ser uma das primeiras legislações locais a criar um selo dessa natureza. 

Já no âmbito estadual, tramita, por exemplo, o PL 77/19 no Espírito Santo, estado notabilizado por ter sido um dos primeiros a regulamentar a Lei Anticorrupção e por ter sido reconhecido e bem avaliado por organizações, como a Transparência Internacional, quanto às suas iniciativas de transparência e combate à corrupção. 

Na esfera municipal destaca-se o PL 722/17 da cidade de São Paulo, que apresenta proposta de um selo com validade de 2 anos, passível de renovação. O critério para concessão e renovação desse selo considera a apresentação ao órgão competente de um relatório de perfil e um relatório de conformidade, materiais semelhantes àqueles introduzidos pela CGU no âmbito de avaliação do programa de integridade de uma companhia no contexto de um Processo Administrativo de Responsabilização ou Acordos de Leniência, tendo como embasamento legal as recomendações constantes nos incisos do art. 42 do Decreto Regulamentador n. 8.420/2015. Outras capitais também possuem iniciativas semelhantes, como o PL 68/19 em Recife e o PL 2.741/20 em Porto Velho. 

Para além de proposições legislativas ainda não vigentes, já há no mercado brasileiro opções para empresas que querem aderir a algum selo anticorrupção. A CGU, em iniciativa conjunta com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, criaram a iniciativa Empresa Pró-Ética em 2010. Essa iniciativa foi reestruturada em 2014 para adequação às mudanças trazidas pela Lei Anticorrupção, ampliando o número de participantes e aumentando a divulgação em torno das empresas positivamente avaliadas, concedendo um selo específico que pode ser utilizado pela empresa. Com essa reestruturação, o Empresa Pró-Ética passou a se destacar no mercado, inclusive, recebendo reconhecimentos internacionais advindos da OAE, OCDE e UNODC, além de ter sido agraciado na 14ª edição do prêmio Compliance & Ethics Award da SCCE (Sociedade de Integridade e Ética Corporativa).

A avaliação do Empresa Pró-Ética é documental e segue um regulamento pré-estabelecido, no qual há critérios para inscrição e orientações sobre o preenchimento de formulário de Análise de Perfil e de um Questionário de Avaliação. Ainda que a análise seja documental, o comitê julgador, formado por entidades dos setores público e privado, notadamente reconhecidas no meio empresarial, pode, por exemplo, realizar testes para avaliar o canal de denúncias, bem como realizar uma pesquisa eletrônica para avaliar a percepção sobre a aplicação do programa de integridade com os funcionários da empresa. A avaliação possui uma nota máxima que pode chegar até 100, sendo que para ser aprovada e constar na lista de Empresas Pró-Ética, é necessário ter ao menos 70 pontos. 

Adicionalmente, há ainda outras iniciativas federais vigentes, mas relacionadas a ramos específicos de atuação empresária, tais como o Selo Fomento Infra+Integridade, para companhias do setor de infraestrutura, e o Selo Mais Integridade, para companhias e cooperativas do agronegócio. Essas iniciativas também passam por avaliações documentais seguindo um edital pré-determinado e com critérios próprios. 

O Selo Fomento Infra+Integridade, por exemplo, solicita o preenchimento de um formulário sobre o Programa de Compliance, o envio de comprovante de assinatura do Pacto Empresarial Pela Integridade e contra a Corrupção (promovido pelo Instituto Ethos), dentre outros requisitos contidos na Portaria 127/21 do Ministério da Infraestrutura. Há ainda requisitos sob o enfoque da responsabilidade social, incluindo comprovante de nada consta da Lista Suja do Trabalho Estravo ou Análogo ao Escravo, certidões negativas criminais e negativas de débitos ambientais. 

Já o Selo Mais Integridade, que tem como público-alvo empresas e cooperativas do agronegócio instaladas no país, possui três enfoques que são conjuntamente avaliados - anticorrupção, trabalhista, sustentabilidade - também com requisitos documentais específicos a serem apresentados pelas pessoas jurídicas participantes, de acordo com seu regulamento. O Selo Mais Integridade possui ainda um manual de uso da Marca, com orientações claras sobre a identidade visual dos selos a serem utilizados pelas companhias positivamente avaliadas, ao passo que há 4 diferentes selos: (i) Selo Verde - Primeira Premiação; (ii) Selo Amarelo - Renovação e (iii) Selo Mais Integridade - Versão Especial, para as empresas e cooperativas agropecuárias premiadas com o Selo Mais Integridade do MAPA cumulativamente com o já mencionado Empresa Pró-Ética. 

Embora tais selos em sua maioria reconheçam tão-somente a existência de práticas de integridade de forma documental, sem avaliação in loco, tampouco avaliação de eficácia de tais iniciativas, os requisitos para concessão de selos são em sua maioria detalhados e orientados a contribuir com a instalação de mecanismos efetivos de Compliance nas pessoas jurídicas. 

Por fim, considerando o rigor técnico e a robustez contidas em normas ISO, as pessoas jurídicas podem também optar pela certificação em ISOs específicos relacionados à matéria de integridade, notadamente o ISO 37001, de gestão antissuborno, e o mais recente ISO 37301, de gestão de Compliance. 

No exercício sempre positivo de implementação de boas práticas, companhias que almejam o reconhecimento de suas iniciativas de Compliance anticorrupção devem antes de tudo entender quais são as suas necessidades do dia a dia, através, por exemplo, de um gap analysis, para então decidir qual tipo de reconhecimento é o mais adequado ao seu negócio, considerando as opções disponíveis, mantendo-se atenta às novas possibilidades que podem surgir no mercado ou até mesmo por iniciativa legislativa. 

Nesse sentido, é importante ter em mente que um selo anticorrupção é tão-somente consequência e tradução dos controles e políticas que devem estar previamente implementadas na rotina da pessoa jurídica em relação a práticas efetivas e eficazes de integridade. Antes de pensar no fim, que seria o reconhecimento, deve-se percorrer o caminho eficaz da integridade, buscando antes de tudo implementar ou aprimorar um programa de Compliance que não seja meramente pro forma que permita que a pessoa jurídica colha os frutos de um programa bem implementado.

Desse modo, o reconhecimento formal poderá ser facilitado após a companhia ter endereçado seus riscos específicos, aprimorado seus controles e iniciativas internos, e ter adequado corretamente sua estrutura interna de Compliance e seu funcionamento para eventual avaliação.

Assim, o benefício reputacional eventualmente advindo dos selos será impulsionado pelo benefício efetivo que iniciativas robustas de Compliance podem aportar aos negócios de uma companhia. Para atingir tais objetivos, a companhia também pode avaliar a necessidade de engajar um assessor externo, que possua expertise em auxiliar no percurso. 

Augusto Gonçalves Barbosa

Augusto Gonçalves Barbosa

Advogado do escritório Machado Meyer Advogados.

Juliana Sá de Miranda

Juliana Sá de Miranda

Sócia de compliance do escritório Machado Meyer Advogados.

Garbeial Arcentales

Garbeial Arcentales

Advogado do escritório Machado Meyer Advogados.

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