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Um ano na Alemanha de muitos aprendizados: prost!

Na Alemanha, nem tudo é cerveja, nem tudo é inverno e nem tudo é seriedade.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Atualizado às 08:50

Estereótipos são, quase sempre, inevitáveis, em especial, quando não se conhece uma determinada realidade ou uma circunstância a fundo. Apesar de fazerem parte da nossa forma de se comunicar, muitos dos nossos 'achismos' estão longe de serem verdade. Quando se fala em morar na Alemanha, por exemplo, logo se pensa em frio, formalidade, disciplina, organização extrema e... cerveja?! Dito isso, vamos ao que interessa: sim, cervejas alemãs são excelentes, mas uma vida na Alemanha definitivamente não se reduz a apenas esses rótulos.  

Brincadeiras à parte, a lição mais interessante que tirei, para mim, quando pude passar mais de um ano em Munique, na Alemanha, para concluir um mestrado em direito (LL.M), foi a capacidade de observação e adaptação. Estar em outro país, muito diferente culturalmente do seu de origem, exige humildade e a capacidade de se ambientar, sem perder de vista o seu jeito particular de ser, claro. 

Uma mudança no meio de uma pandemia certamente não foi fácil. Uma mudança para um país com um inverno bastante rigoroso, muito menos. Talvez esse tenha sido o maior desafio. O que poderia ter sido um grande obstáculo (pandemia, medidas rigorosas estabelecidas pelo governo do Estado da Bavária para contenção do vírus da Covid-19, rotina intensa de estudos, aula online, ele, o tão temido e longo inverno alemão), se tornou um grande aprendizado de resiliência e de calma. Mais do que isso, dentro desse cenário de tantos contratempos, a experiência mais gratificante de todas, para mim, foi a autopercepção de que - quando nos propomos a isso - podemos ser verdadeiros camaleões, seres adaptáveis mesmo. 

O período que passei na Alemanha me trouxe grandes amigos, colegas de profissão do mundo todo com trajetórias interessantíssimas, a sensação de ter uma segunda casa geograficamente tão distante da sua primeira casa, o desafio intelectual do mestrado, o sentimento de dever cumprido.  

Conheci profissionais de 23 países diferentes durante curso. O Google Maps foi inclusive uma ferramenta muito útil durante os primeiros dias de aula para recapitular onde, exatamente, estavam todos aqueles países no globo. E, o mais interessante de tudo, foi compreender que, de fato, uma única matéria e seus subtópicos (Propriedade Intelectual - PI e Direito da Concorrência) uniam todas aquelas pessoas. Éramos tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, pertencíamos a um seleto grupo com um interesse muito específico em comum. 

Em geral, apesar do foco das matérias ter sido como se dão a regulamentação e a prática de Propriedade Intelectual (e todas as suas subcategorias) nos Estados Unidos e na Europa, logo foi fácil concluir como o tema é vasto e está disseminado no mundo todo - não à toa, éramos 32 de alunos de 24 nacionalidades estudando as mesmas matérias. Mais uma vez, testemunhei como PI é extremamente interdisciplinar, internacional e como evolui incessantemente.  

Além disso, da vida acadêmica e pessoal na Alemanha, aprendi as (grandes) vantagens de ser pontual (tem demonstração de comprometimento e respeito maiores do que se cumprir o que foi combinado, não desmarcar e chegar na hora?), de ser discreta e respeitar os limites dos outros (não levar para o lado pessoal se alguém estiver mais quieto e querendo espaço - físico e emocional - e, inclusive, se alguém falar abertamente com você sobre isso), de fazer piadas bobas, de julgar menos as coisas e pessoas, de sempre lembrar de fazer compras antes das 20h ou em véspera de feriado, já que nada abre na Bavária em datas oficiais comemorativas e tudo fecha às 20h, pontualmente. Afinal, quem não quer poder voltar com calma para casa e pode apreciar uma boa cerveja alemã? 

Assim, volto para o início desse texto em que lembrei de rótulos que frequentemente são associados à vida na Alemanha. Realmente, com a ajuda de meus amigos e colegas de profissão alemães, me tornei expert em dosar bem os momentos que exigem profissionalismo, seriedade e discrição, com os momentos de descontração, informalidade e muita diversão. Na Alemanha, nem tudo é cerveja, nem tudo é inverno e nem tudo é seriedade. Desenvolvi-me muito e sou muito grata à oportunidade que tive que desfrutar pessoal, profissional e academicamente de mundos tão diferentes e, ainda assim, tão complementares. 

Como toda via de mão dupla, em Munique, encontrei ainda espaço na minha roda de amizades para demonstrar como a espontaneidade (tão frequentemente associada à cultura latina, tal como a nossa) pode ser uma grande aliada à diversão, como a informalidade pode, em muitos casos, aproximar as pessoas e deixar um ambiente mais leve e como nós, brasileiros, também amamos uma boa cerveja! Prost! 

Isabella Buck Shores

Isabella Buck Shores

Especialista em Propriedade Intelectual pelo Munich Intellectual Property Center (MIPLC), vinculado ao Max Planck Institut em Munique, na Alemanha, graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e sócia da equipe de Marcas do escritório Daniel Advogados. Com experiências profissionais e acadêmicas no Brasil e na Alemanha, o intercâmbio entre culturas, nas suas mais variadas formas, é para Isabella uma ferramenta rica e proveitosa para o desenvolvimento de qualquer profissional, em especial, em uma área tão dinâmica e multidisciplinar como PI.

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