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O caminho para regulamentação das criptomoedas no Brasil

Embora seja reconhecidamente desafiador regulamentar serviços relacionados à inovação, o mercado de criptoativos já movimenta bilhões de reais mensalmente e não pode continuar a se basear em normas gerais.

terça-feira, 28 de junho de 2022

Atualizado em 29 de junho de 2022 13:25

Em recente entrevista coletiva1, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, respondeu que o órgão se encontra preparado para regulamentar o mercado de criptoativos, iniciando pela aprovação do projeto de lei que trata do funcionamento das corretoras (ou exchanges).

O debate sobre autorização para funcionamento de Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais ("VASP", na sigla em inglês) se iniciou com a preocupação do GAFI/FATF - Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo em estabelecer obrigações para essas empresas, que funcionariam como controle de entrada e saída de moeda fiduciária no ambiente digital.

Atualmente, a necessidade de autorização prévia para funcionamento desses intermediários é uma exigência já adotada pelas principais economias globais, como EUA, países da Europa, alguns países Asiáticos e da América Latina (como o México).

O Brasil está atrasado nesse processo. O PL 4401/21 está em vias de ser aprovado pela Câmara de Deputados após um longo debate que envolveu reguladores e mercado, iniciado em 2015, em uma proposta do deputado Áureo Ribeiro, e passagem pelo Senado Federal, com importantes contribuições dos Senadores Soraya Thronicke e Irajá.

Embora seja reconhecidamente desafiador regulamentar serviços relacionados à inovação, o mercado de criptoativos já movimenta bilhões de reais mensalmente e não pode continuar a se basear em normas gerais - que permitem a arbitragem regulatória por atores nem sempre preocupados com a saúde de nossa economia e a proteção dos consumidores.

Casos de pirâmides financeiras e uso de plataformas estrangeiras para lavagem de dinheiro e evasão tributária ferem a imagem do setor e desestimulam mais o desenvolvimento da criptoeconomia do que normas principiológicas bem estabelecidas, como é a proposta colocada em votação.

Em conversa aberta realizada na última semana pelo deputado Expedito Neto, relator do PL na Câmara, dois foram os pontos controversos levantados, no que vale comentar dois dos aspectos:

- Segregação patrimonial:

Os parágrafos 1º e 3º do art. 13 do PL estabelecem a regra de segregação patrimonial aplicável às prestadoras de serviços de ativos virtuais nos seguintes termos:

"§ 1º As prestadoras de serviços de ativos virtuais deverão manter a segregação patrimonial dos recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros de titularidade própria daqueles detidos por conta e ordem de terceiros.

§ 2º Os recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros detidos por conta e ordem de terceiros não respondem, direta ou indiretamente, por nenhuma obrigação das pessoas jurídicas mencionadas no caput, não podem ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos de responsabilidade destas últimas.

§ 3º Os recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros detidos por conta e ordem de terceiros não integrarão o patrimônio das pessoas jurídicas mencionadas no § 1º e:

I - não podem ser dados em garantia de obrigações assumidas por elas; II - não compõem o ativo das prestadoras de serviços de ativos virtuais e não se sujeitam à arrecadação nos regimes especiais das instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, à recuperação judicial e extrajudicial, à falência, à liquidação judicial e extrajudicial ou a qualquer outro regime de recuperação ou dissolução a que seja submetida; e

III - deverão ser restituídos na hipótese de decretação de falência, ou qualquer regime de concurso de credores, na forma prevista no art. 85, da Lei nº 11.101, de 9 fevereiro de 2005."

A inclusão da segregação patrimonial no PL é um importante mecanismo de proteção aos investidores, bem como de mitigação de risco sistêmico, tornando o mercado de ativos virtuais brasileiro mais seguro e sólido.

Por meio desta segregação patrimonial, as prestadoras de serviços de ativos virtuais não poderão utilizar os recursos financeiros, ativos virtuais e respectivos lastros detidos por conta e ordem de terceiros para honrar suas obrigações, tampouco tais ativos serão impactados em caso de sua insolvência.

Note-se que a constituição de segregação patrimonial é um importante mecanismo já adotado no sistema financeiro nacional para garantir sua solidez, por exemplo, atualmente as instituições de pagamento, os participantes do arranjo de pagamento, as câmaras e entidades de compensação e liquidação e as depositárias são obrigadas por meio de lei a criar um patrimônio segregado (lei 12.865/13, lei 10.214/01 e lei 12.810/13).

Considerando que a segregação patrimonial é uma exceção à regra da unicidade e indivisibilidade do patrimônio prevista no art. 789 do CPC, ela deve ser constituída de forma expressa em lei.

Neste contexto, é imprescindível que sejam mantidas no PL as disposições sobre segregação patrimonial das prestadoras de serviços de ativos virtuais, tendo em vista que esse regime não poderá ser instituído por meio de norma infralegal.

- Regra de transição:

O parágrafo único do art. 9º do PL prevê um regime de transição até a completa entrada em vigor da futura lei, estabelecendo que as prestadoras de serviços de ativos virtuais que estiverem em atividade poderão continuar a exercê-la enquanto não proferida decisão final acerca do processo de autorização pelo órgão ou pela entidade da administração pública Federal definido em ato do poder Executivo.

Esse passo é fundamental para não termos risco de descontinuidade, uma vez que já existem prestadores de serviços aderentes às normas gerais e regularmente cadastradas no COAF - Sistema de Controle de Atividades Financeiras, para fins de cumprimento da lei 9.613/98, e no CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, da secretaria da Receita Federal do Brasil.

De forma acertada este dispositivo foi incluído no PL, conferindo ao mercado de ativo virtual brasileiro maior segurança, transparência e alinhamento com outros marcos regulatórios de economias desenvolvidas e conceitos definidos por órgãos multilaterais de governança como BIS - Banco de Compensações Internacionais, e o GAFI/FATF.

Considerando que as operações com ativos virtuais têm natureza intrinsecamente transfronteiriça, o que pode facilitar a conduta ilícita por determinados agentes, é essencial que as prestadoras de serviços cumpram o quanto antes as regras previstas na lei 9.613/98, incluindo o cadastro no COAF, de modo a dar maior segurança e prevenir atos ilícitos de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo em conformidade com o movimento mundial.

No mesmo sentido, as prestadoras de serviços devem estar regularmente cadastradas no CNPJ para assegurar a proteção à poupança popular e à defesa de consumidores e usuários brasileiros, na medida em que, independentemente da sede das prestadoras de serviços de ativos virtuais, estas deverão estar cadastradas no Brasil, o que corrobora com a observância da legislação brasileira na prestação dos seus serviços, incluindo, mas não se limitando ao CDC, a LGPD, CC/02 e à legislação fiscal brasileira.

Neste contexto, dada a sensibilidade da prestação de serviços de ativos virtuais que acessa a poupança popular de consumidores brasileiros e, se não aplicado os devidos controles, pode permitir a conduta de atividades ilícitas de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, é imprescindível que os cadastros estabelecidos na regra de transição (i.e., COAF e CNPJ) tenham aplicação imediata quando da publicação da futura lei.

Os demais aspectos tratam de tipificação de crime específico, cometido através de oferta de serviços relacionados a criptoativos, e regras gerais de definição da autoridade que ficará encarregada de regulamentar o setor - a ser indicada pelo poder Executivo.

No que vale retomar à entrevista do presidente do Banco Central, na qual declara que também tem mantido conversas com o futuro presidente da CVM. Junto a COAF e Receita Federal, que já atuam nas exchanges que operam regularmente no Brasil, essas serão as principais responsáveis por construir um ambiente que estimule a competitividade das empresas brasileiras na criptoeconomia global.

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https://portaldobitcoin.uol.com.br/bc-esta-preparado-para-ser-o-regulador-do-mercado-de-criptomoed as-no-brasil-diz-roberto-campos-neto/

Roseline Rabelo de Jesus Morais

Roseline Rabelo de Jesus Morais

Advogada. Presidente da Comissão Especial de Criptomoedas e Blockchains no CFOAB. Ouvidora Geral da OAB/SE. Pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas.

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