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Trabalhadores comissionados: um olhar atento sob a exegese do Direito do Trabalho

Thiago Pedrosa de Arruda Gonçalves

Detentores de um regime variável de remuneração, os direitos dos trabalhadores comissionados devem ser lembrados a partir da alta das vendas do setor varejista.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Atualizado em 22 de julho de 2022 10:20

Pelo terceiro mês consecutivo, entre janeiro e março/22, as vendas do setor do comércio varejista apresentaram crescimento de 1,3% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Com o referido aumento de vendas, cresce na mesma proporção a expectativa por direitos, especialmente trabalhistas, por parte de toda a classe de empregados que integram o setor de varejo, sendo este o setor que mais emprega funcionários que laboram sob o regime de remuneração variável, ou seja, suas remunerações estão diretamente ligadas às produções, aquilo que foi comercializado, as chamadas comissões.

As comissões são calculadas a partir da definição do percentual que será aplicado sobre o valor ou produto comercializado pelo funcionário, podendo ainda incidir sobre a comercialização de serviços, de modo que a remuneração é integrada por um valor variável a depender do número e valores comercializados.

Prevista na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, por meio do art. 457, §1º, cujo dispositivo previu sua integração ao salário, as comissões se originam a partir do acordo entre o vendedor e comprador e não apenas com o devido cumprimento das obrigações decorrentes daquele contrato. Essa vem sendo a interpretação dada pelo Tribunal Superior do Trabalho - TST quando da abordagem do art. 466 da CLT que, por sua vez, indica que "o pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se refere".

Vejamos o recente julgamento:

COMISSÕES. PRÊMIO. VENDA FRUSTRADA. Na hipótese, o Regional consignou que "caso o vendedor efetuasse uma venda e não houvesse estoque suficiente do item, a transação não era concluída, não sendo tal venda frustrada computada para efeito do atingimento de metas e consequente pagamento dos prêmios." A jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho tem adotado o entendimento de que a comissão é devida depois de ultimada a transação pelo empregado, sendo que a transação é ultimada quando ocorre o acordo entre o comprador e o vendedor, e não no momento do cumprimento das obrigações decorrentes desse contrato. Assim, as comissões são devidas ao empregado, mesmo que o negócio não venha a se concretizar por culpa do empregador, em razão da falta do produto no estoque. Esta Corte Superior, portanto, considera ilegal o cancelamento do pagamento por motivos ulteriores alheios à responsabilidade do empregado. Efetivamente, permitir o não pagamento das comissões em tal caso seria ignorar o trabalho e o tempo já gastos pelo trabalhador na efetivação da transação, além de impor ao empregado o risco do empreendimento econômico, que toca ao empregador, e não ao laborista. Entendimento diverso viola o Princípio da Alteridade, esculpido no artigo 2º da CLT, por transferir ao empregado os riscos da atividade econômica. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 287-67.2015.5.09.0096, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, DEJT 17/05/2019).

Essa abordagem do TST faz com que a tese de estornos das comissões, por parte de empresas empregadoras, em casos de compras possivelmente canceladas caia por terra, uma vez que a expectativa do direito surge para o funcionário no efetivo momento em que a compra é realizada, não sendo possível, portanto, o estorno da comissão, seja por qual for o motivo do cancelamento da venda.

No mesmo sentido diversos Tribunais Regionais do Trabalho vêm decidindo pela impossibilidade de estornos para os casos de mercadorias trocas.

Nessa diretriz, uma vez ultimada a transação entre vendedor e comprador, não há o que se falar em estorno de comissões, tanto em casos de cancelamentos do pedido como em casos de trocas, pelo fato de o trabalhador não poder arcar com aspectos posteriores, distintos às suas funções, que venham a servir como obstáculo para o efetivo adimplemento da obrigação, seja por culpa do empregador (atraso na entrega, ausência de mercadoria no estoque, por exemplos), ou oriundas das práticas consumeristas cabidas ao comprador consumidor (troca ou desistência do produto).

Cumpre esclarecer ainda a exigibilidade da quitação das comissões ao vendedor que teve um contrato cancelado ou não adimplido, advém da responsabilidade por parte do empregador pelo risco da sua atividade, previsto também na Consolidação das Leis do Trabalho, através de seu art. 2º, de modo que se porventura assim não o fizesse, estaria transferindo ao funcionário uma responsabilidade que por lei é sua.

Por outro lado, além das hipóteses de vendas canceladas ou mercadorias trocadas, os trabalhadores comissionados deparam-se com situações em que suas comissões não são calculadas de forma correta, eis que surge o questionamento se tais comissões devem ser calculadas sobre o valor à vista ou sobre o valor parcelado do produto ou serviço comercializado.

Pois bem, esse questionamento merece ser analisado sob a ótica de dois fatores essenciais. O primeiro deles é se existe alguma previsão no contrato de trabalho do funcionário que determine sob qual valor a comissão será calculada. E o segundo fator diz respeito se os juros e correções decorrentes do parcelamento do valor originário do produto favorecem o empregado ou não.

Explico melhor.

Em relação ao primeiro ponto, infinitos são os casos em que o funcionário é contratado e não tem o seu contrato de trabalho de forma escrita, assim como não lhe são esclarecidas as normas e políticas de comissões da empresa empregadora. Nesses casos, não há o que se discutir sobre qual valor a comissão deve ser calculada, devendo ser calculada sobre o valor total do produto ou serviço comercializado, incluindo juros e correções monetárias possivelmente aplicadas.

Quanto ao segundo aspecto, imperioso verificar se a empresa empregadora é a real beneficiária dos juros inseridos sobre o valor originário, uma vez que é possível que instituições financeiras terceirizadas assumam a responsabilidade e, consequentemente, os benefícios dos financiamentos.

Ocorre que na grande maioria das empresas do comércio varejista, a própria empresa empregadora possui crediários próprios, de modo que resta comprovado os benefícios auferidos sobre os financiamentos.

Portanto, é possível afirmar, em resumo, que as comissões devem ser calculadas sobre o valor total a prazo dos produtos ou serviços, sempre que o contrário não for previsto no seu contrato de trabalho, somado ao fato de a empresa ser a real beneficiária dos valores arrecadados em cima dos juros cobrados.

Estes são os mais recentes entendimentos do Tribunal Superior do Trabalho, no que tange às possibilidades de estornos de comissões já garantidas, bem como do regramento quanto às suas formas de cálculos.

Thiago Pedrosa de Arruda Gonçalves

Thiago Pedrosa de Arruda Gonçalves

Advogado especialista em Direito Processual Civil e do Trabalho pela Escola Superior de Magistratura Trabalhista - ESMATRA - 6ª Região.

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