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Mediação e conciliação em conflitos agrários

Fernando Humberto dos Santos

Velho advogado amigo meu costuma dizer que na Justiça o que pode haver de mais injusto é a sentença. E justifica com o velho ditado popular: - Cada um sabe onde o calo mais lhe aperta. Assim, melhor é transigir.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Atualizado em 21 de março de 2007 13:37


Mediação e conciliação em conflitos agrários

(segunda parte)

Fernando Humberto dos Santos*

Velho advogado amigo meu costuma dizer que na Justiça o que pode haver de mais injusto é a sentença. E justifica com o velho ditado popular: - Cada um sabe onde o calo mais lhe aperta. Assim, melhor é transigir.

Tomando conhecimento da instauração do conflito, ou seja, da ocupação ou de ameaça de ocupação, desloca-se o Juiz para o local dos fatos, tanto quanto possível fazê-lo sem prejuízo da prestação jurisdicional urgente. Visita o acampamento e a sede da fazenda, conversa com os acampados e com proprietários, observa e toma tento da conduta a ser desenvolvida na parte da audiência em que pretende tratar de conciliação e mediação. A atuação da Vara, no entanto, não refoge do compromisso do Judiciário, priorizando a paz social e a obediência à ordem jurídica.

Referidas visitas costumam ter a cooperação do Ministério Público, do INCRA-Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, do ITER-, da Polícia Militar e de Oficiais e serventuários da Justiça da Comarca. Procura-se criar um vínculo cooperativo entre esses órgãos e representantes das partes envolvidas. Se tiver sido designada audiência de Justificação, nos termos da Lei Processual, a ela comparecem todos e também os órgãos representativos dos trabalhadores, bem como representantes da sociedade local, como pastores, padres, políticos e membros da OAB ou Sindicatos.

A audiência é dividida em duas fases. Na primeira, acontece uma audiência pública presidida pelo Juiz, mas sem nenhum rigor processual e com a participação de todos, desde que com ordem e educação. Ouvem-se os interessados e procura-se uma solução negociada para o litígio. Ao ITER compete a defesa dos interesses sobre as terras públicas do Estado. Ao INCRA cabe a desapropriação e destinação das terras desapropriadas para Reforma Agrária. No entanto, nem um, nem outro se sujeitam à Jurisdição da Vara de Conflitos. Para as ações que lhes digam respeito, como partes, assistentes ou opoentes, a competência é de umas das Varas Estaduais de Fazenda Pública para o primeiro e da Justiça Federal para o segundo. O que lhes autoriza e legitima a participação é o fato da ausência de disciplina processual nessa fase e a ênfase que se pretende alcançar com a conciliação. Se não é obtido acordo nessa fase, dita informal, o processo passa para a segunda fase em obediência ao devido processo judicial.

Há ocasião em que a lide já foi instaurada anteriormente e a audiência visa facilitar a desocupação. Esses chamados parceiros da Vara de Conflitos têm papel importantíssimo na mediação e facilitação do cumprimento das ordens judiciais. Em ambas as circunstâncias, ou seja, tanto no início, quanto na execução da ordem judicial a atuação desses órgãos é como de "amici curiae". Essa figura, derivada do antigo direito medieval romanista e canônico ganhou projeção no direito anglo-saxão e permanece viva, ainda hoje. Diz respeito a órgãos ou institutos que, embora não tenham interesse jurídico a legitimar-lhes a presença, têm interesse em que uma das teses jurídicas deduzidas seja acolhida, vale dizer uma espécie de interesse que se projeta do fato concreto para a abstração da tese jurídica. Nesse sentido é que a atuação dos "movimentos", da Ouvidoria Agrária, do Instituto Palmares e do Instituto do Índio é considerada no processo.

Certo é que, na maioria dos casos, a conciliação vem sendo obtida. Como diz um velho amigo meu, Dr. Peixoto: "- Cada um sabe onde mais lhe aperta o calo". E sabe como e quando deve negociar. O que o juiz não deve concordar é com que as partes transijam sob a condição do INCRA ou do ITER ou de algum organismo que não faça parte da lide cumprir determinado compromisso. Neste caso, o processo não pode ser encerrado pela transação disposta no inciso III, do art. 269, do CPC (clique aqui). É aconselhável o sobrestamento do feito até o cumprimento do acordo, sob pena de restar o juiz sem poder de execução com relação a quem não fez parte do feito, mormente com relação àqueles que não se sujeitam a sua jurisdição. Mas a manifestação de vontade que porventura emitam e que tenha sido registrada gera os efeitos negociais a que se destinam e podem ser utilizadas fora dos autos do processo.

Em alguns casos em que, inadvertidamente, o processo tenha sido encerrado e haja descumprimento por parte do terceiro, alheio à lide, é aconselhável que, de ofício, seja o acordo declarado nulo, com fundamento na impossibilidade de cumprimento de condição potestativa, ao arbítrio de outrem (arts. 122 e 124, do Novo Código Civil - clique aqui), reativado o feito e retomadas as negociações. Assim já se fez em mais de um caso.

Uma vez impossível a transação entre as partes, o destino do processo é o seu trâmite nos termos da Lei Processual, onde desaguará uma sentença que o juiz singular deve proferir com presteza. Esse modelo de atuação da Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais serve de exemplo para diversos outros tipos de processo, em quaisquer outras varas, quando as causas envolvam interesses coletivos. Costuma ocorrer nos casos de desastres ambientais, interesses de populações e coletividades, etc. Também não deriva de nenhuma criação cerebrina, mas de experiências, há muito, adotadas. Cite-se o caso da suspensão do garimpo a céu aberto em Paracatu, do desastre da Barraginha, em Contagem, da Falência da Unisa, também em Contagem, e muitos outros. Nesses casos, coletividades e órgãos que não eram partes do processo foram admitidas em audiência pública (amici curiae), que redundaram em acordos, no mínimo, parciais, e que ajudaram a alcançar uma composição interessante para todos os envolvidos.

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*Professor de Direito Civil da PUC-Minas, Mestre em Administração Pública pela UFSC, Juiz Titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte e Ex-Juiz da Vara de Conflitos Agrários, hoje seu substituto





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