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Existe digitalização do escritório de advocacia sem inovação?

A digitalização do escritório de advocacia e dos departamentos jurídicos é um caminho inevitável para todas as advogadas e advogados.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Atualizado às 13:57

Se o Direito 4.0 é a Transformação Digital do universo jurídico, uma de suas frentes mais relevantes é a digitalização dos escritórios de advocacia. Entrar na Era Digital é um caminho sem volta para todas e todos advogados. No entanto essa jornada não precisa ser um desbravamento às cegas. Existem métodos, práticas e tecnologias que formam esse caminho. E a inovação é um tema transversal em qualquer projeto de digitalização.

Quando se trata de digitalização a primeira impressão remete à adoção de tecnologias caras e complexas e isso é um erro. Primeiramente porque o aspecto tecnológico não é o único e nem o primeiro vetor dessa transformação. Segundo porque já existe todo um ecossistema de empresas e entidades focadas em tecnologias digitais que as tornam bastante acessíveis.

Se a digitalização do escritório de advocacia passa obrigatoriamente pela inovação, faz-se necessário compreender estes caminhos antes de se lançar na jornada.

Digitalização do escritório de advocacia

Ainda que o assunto tenha ganhado atenção recentemente, a digitalização dos escritórios já se iniciou há quase uma década. O peticionamento eletrônico foi um passo inexorável nessa jornada de transformação digital. No entanto, essa última década trouxe a debalde uma série de outros pontos importantes e essenciais.

O escritório de advocacia digitalizado é aquele que utiliza recursos para otimizar processos em seu cotidiano. Ou seja, otimizar as rotinas operacionais e fluxos de trabalho dentro do escritório.

Uma pesquisa Thomson Reuters apontou que 2/3 dos advogados gastam mais de 40% de seu tempo em atividades que não geram negócios ou honorários. São diversas tarefas operacionais e repetitivas que consomem o tempo escasso dos advogados. Essas tarefas podem ser identificadas no âmbito administrativo do escritório, onde a organização de documentos, o atendimento a clientes e o acompanhamento de rotinas toma horas preciosas do dia. Também se verificam na operação jurídica, como a elaboração de petições iniciais, contratos e outras peças de cunho semelhante.

Perder tempo com essas tarefas repetitivas não é mais tolerável para nenhum porte de escritório. Nem aos pequenos cujo advogado concentra diversas responsabilidades e nem aos grandes cujas equipes custam caro na contabilidade geral.

A automação de processos envolve repensar toda a operação jurídica de modo que as tecnologias digitais realizem o trabalho repetitivo, aumentando a produtividade operacional e permitindo ao advogado se dedicar às atividades estratégicas.

Como a tecnologia é o meio, e não o fim, antes de ela ser aplicada o advogado deve entender e organizar os processos operacionais e fluxos de trabalho dentro do escritório. Para modernizar as práticas cotidianas através da automação o trajeto de melhor relação custo-benefício é o da inovação.

O que é Inovação?

Uma simples mudança significativa ou melhoria incremental em algum processo já é uma inovação. É muito importante entender que ela não necessariamente está ligada à soluções high-tech.

Certa vez vi um vídeo de um rapaz que precisava separar cebolas por tamanhos em três caixas diferentes. Ele alinhou dois caibros sobre essas três caixas de forma quase paralela, ou seja, fazendo um V muito sutil. Então ele simplesmente precisava rolar as cebolas sobre esses caibros e elas caíam nas caixas conforme a maior ou menor abertura entre os caibros. Ao fazer dessa forma ele não precisava avaliar cada cebola visualmente e nem se deslocar até cada caixa para depositar a hortaliça. Isso é inovação!!

Essa história simples carrega quatro pontos importantes sobre inovação: otimizar processos, promover aprendizado, refinamento contínuo e ganho de produtividade. Existe uma relação direta entre inovação e otimização da eficiência operacional que proporciona maior produtividade. Esse paradigma gera valor ao cliente e vantagem competitiva à firma.

Cada pequeno problema dentro da rotina do escritório é uma oportunidade de inovação. Cada tarefa que pode ser realizada de uma forma mais simples e eficaz pode receber algum tipo de inovação. Aqui estamos falando da Inovação Incremental, a qual diz respeito a pequenas melhorias em processos existentes que promovem certa redução de custo ou tempo de execução. Mas também existem outras modalidades de inovação que provocam mudanças mais profundas ou possibilitam um grande ganho de escala produtiva. Por serem mais avançadas, não tratarei delas nesse artigo.

Inovação é movida por pessoas e cultura organizacional

Uma pesquisa recente realizada nos EUA e Europa pelo Futurum Research aponta que 94% dos colaboradores se sentem excluídos da transformação digital da empresa em que trabalham. O mesmo estudo ainda detectou que 45% dos entrevistados sequer têm alguma ideia de como ajudar suas empresas nesse processo.

Podemos apontar duas causas a esse sintoma assustador. Primeiramente o modelo de gestão do "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Esse modelo de comando & controle inibe a inovação. Afinal, os colaboradores mais aptos a enxergarem oportunidades de inovação são aqueles da esfera operacional. Os mesmos que têm receio de expressarem suas opiniões críticas. Outra causa é a falta de capacitação em novos métodos, novas tendências e novas tecnologias tanto pelos colaboradores quanto pelos líderes e sócios.

Se a primeira causa pode ser apontada unicamente a escritórios de médio e grande porte, a segunda não dá margem à esquivas. Até sociedades unipessoais estão incluídas. E aqui a falta de capacitação contínua e automotivada não é "privilégio" do meio jurídico. Em praticamente todos os setores econômicos os empresários (escritório jurídico também é empresa) dedicam-se com empenho à sua atividade chave, mas pouco investem em sua capacitação a respeito de novas competências e habilidades. Nesse contexto de estagnação do aprendizado é mais difícil florescer uma cultura organizacional com mentalidade digital.

Digitalização dos escritórios jurídicos amparada por Inovação

Mas afinal, qual a relação entre inovação e digitalização. Se a digitalização significa otimizar as rotinas operacionais e fluxos de trabalho, isso é inequivocamente movido por inovação. As tecnologias digitais vêm depois.

Seguindo esse contexto, o passo inicial é mapear todos os processos operacionais e administrativos a fim de identificar problemas ou pontos de baixa produtividade. Em seguida é necessário "quebrar a cabeça" a fim de propor soluções mais eficazes aos problemas identificados. Essas soluções podem ser testadas com o intuito de mensurar qual proporciona melhor relação custo-benefício. Somente quando uma solução é definida é que a tecnologia vai entrar em cena para digitalizar e/ou automatizar o processo.

Aqui fica claro como a inovação foi utilizada para definir métodos, estruturar processos, estabelecer metas, elencar tecnologias e mensurar dados. Todo escritório pode aplicar esse processo de inovação ao olhar atentamente para seu fluxo de trabalho nas operações jurídicas, administrativas e de atendimento.

A boa nova é que a inovação típica do Direito 4.0 não ocorre isoladamente dentro dos escritórios e departamentos jurídicos. Já existe um vasto ecossistema de inovação formado por LegalTechs ou LawTechs focadas em soluções de digitalização e automação.

A Transformação Digital não é mais uma escolha para nenhum advogado, escritório ou departamento jurídico, independente do porte. Os tribunais estão acelerando a sua digitalização e forçando as firmas a seguirem o mesmo caminho. As empresas clientes já em digitalização acabam por exigir essa demanda dos advogados contratados.

O Direito 4.0 é um caminho sem volta. No entanto ele não é uma "virada de chave", mas uma longa jornada. A única diferença nesse trajeto é o modo como advogados de diferentes portes e áreas de atuação irão enfrentar essa jornada. Mas existem métodos e tecnologias coerentes a todas as realidades. O ponto em comum necessário a todos é a mentalidade digital impulsionada pela cultura da inovação.

Tercio Strutzel

Tercio Strutzel

Fundador do Portal Transformação Digital no Universo Jurídico, autor do livro Presença Digital, Consultor em digitalização e automação na Advocacia, atua desde 2009 em Estratégia e Inovação no Direito

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