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De Brasília a Pequim: eleições 2022 e perspectivas para a política externa sino-brasileira

Helena Rocha Matos

Se por um lado é valioso ao Brasil possuir a China como importador de nossas commodities e processados, é necessário que essa relação seja estruturada de modo a reservar a autonomia brasileira e sua relevância histórica na região sul-americana, bem como a dar condições de que o mercado interno seja competitivo para os produtores nacionais quando em situação de concorrência com os chineses.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Atualizado às 11:24

A guerra declarada pela Rússia à Ucrânia em 2022 e a pandemia do coronavírus (iniciada na província de Wuhan em dezembro de 2019) descortinaram uma série de dificuldades diplomáticas e comerciais em torno das relações Brasil-China. Embora em 2020, momento crítico da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tenha sido refratário à aquisição de imunizantes produzidos pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, a relação do presidente para com seu colega chinês, Xi Jiping, tem seguido os parâmetros indicados à boa diplomacia das relações exteriores desde então.

A razão pela qual as relações Brasil-China são complexas se relacionam diretamente com a balança comercial brasileira. Em 2022 o Brasil atingiu patamar inédito de dependência econômica da China, quando Pequim importou quase um terço (31,8%) das exportações brasileiras nos últimos dois anos. A dependência possui características importantes ao quadro brasileiro, como a alta concentração das vendas em minério de ferro, soja e petróleo. Como resultado, aproximadamente dois terços dos estados federativos brasileiros sustentam sua economia dependente das exportações para a China.

No cenário geopolítico mundial, é importante pontuarmos que os chineses avançam na busca por emparelhamento com os Estados Unidos pelo domínio da relação comercial com a América Latina. O resultado da investida é dual: temos a China como grande importador brasileiro, mas também como liderança na exportação para países do Mercosul em substituição ao Brasil nas vendas de produtos industrializados.

Para termos dimensão desse impacto na balança comercial brasileira, no início dos anos 2000 o Brasil vendia aos países do Mercosul o equivalente a 15% das suas exportações. Em 2021, vendeu 7% e foi substituído pela China, por exemplo, na liderança de exportações de industrializados para a Argentina, evento paradigmático para as relações regionais no Mercosul.

Com tamanha relevância para a economia nacional, é natural que stakeholders dos setores públicos e privados se ponham a analisar de que forma as eleições de 2022 podem influenciar as relações entre Brasília e Pequim. Seguindo seu posicionamento de política externa, é pouco provável que Pequim externalize qualquer preferência referente ao pleito presidencial brasileiro de outubro. Entretanto, não há como negar o peso adquirido pela sinofobia praticada pelo mandato do atual presidente, primeira liderança brasileira a se posicionar nesse sentido para com a China na história.

As práticas anti-China perpetradas - em especial por Eduardo Bolsonaro e pelos então ministros Abraham Weintraub (da Educação) e Ernesto Araújo (das Relações Exteriores) - foram o estopim para uma crise institucional entre os dois países que só se encerrou com a demissão do chanceler brasileiro em março de 2021. Analistas e agentes do mercado relatam que, mesmo um ano após os ocorridos, representantes do governo brasileiro e empresários não possuem o mesmo tratamento que os era dispensado anteriormente aos eventos de 2021.

Por outro lado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é compreendido até hoje como um dos mais importantes agentes na consolidação das relações sino-brasileiras. Isso porque, além de ser membro-fundador do BRICS, foi durantes os mandatos do ex-presidente que as relações comerciais entre as nações se expandiram, transformando a China no principal parceiro comercial do Brasil no seu penúltimo ano como mandatário. Nesse sentido, considerando um comparativo de relações diplomáticas entre os mandatos, é natural que alguns analistas políticos chineses estejam externalizando expectativa de normalização das relações com o Brasil caso Lula seja o vencedor.

No entanto, é também manifesto para analistas geopolíticos que a China não possui a mesma resistência que as grandes potências europeias ao governo de Jair Bolsonaro. Isso porque a relação comercial demonstrou maturidade e condição de resistência, inclusive durante a pandemia. Além disso, considerando o posicionamento externo do atual presidente desde 2021, muito fomentado pelo setor do agronegócio, é pouco provável que em caso de reeleição haja o retorno dos discursos ideológicos anti-China.

Ainda nesse contexto, há o entendimento de que, em caso de reeleição de Bolsonaro, teríamos a densificação do ostracismo no qual o Brasil se posicionou no desenho internacional, sobretudo no que toca à ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e do encerramento dos trâmites de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Ou seja, com Lula o ocidente investiria em um reposicionamento estratégico de retomada de liderança na América Latina, o que é identificado inclusive a partir da aproximação com o Brasil através do petista - chamando-o para acompanhar os debates do G7, indicando-o como palestrante em destaque no Fórum Econômico Mundial em Davos, em 2023, e oferecendo amplo apoio para a preservação da Amazônia - . Já no panorama que considera a reeleição como perspectiva, qualquer relacionamento com o ocidente é menos fluido, considerada a resistência que os líderes europeus possuem com relação a Bolsonaro. Nesse contexto, importa-nos a seguinte constatação: enquanto Bolsonaro for chefe de estado, a China estará exposta a menos concorrência e a um cenário mais confortável de incursão no mercado brasileiro e latino-americano.

Haja vista os cenários interno, regional e mundial, é certo que o próximo mandatário da presidência de república irá se deparar com desafios específicos no que tange ao relacionamento com Pequim. A franca expansão da China nos últimos 30 anos e o aumento da relevância do país para o Brasil e para a América Latina impõe que o relacionamento sino-brasileiro seja planejado e articulado considerados cenários de médio e longo prazo que tem o condão de interferir nas balanças comerciais da união federal e dos estados em si.

Se por um lado é valioso ao Brasil possuir a China como importador de nossas commodities e processados, é necessário que essa relação seja estruturada de modo a reservar a autonomia brasileira e sua relevância histórica na região sul-americana, bem como a dar condições de que o mercado interno seja competitivo para os produtores nacionais quando em situação de concorrência com os chineses.

Helena Rocha Matos

Helena Rocha Matos

Advogada, mestre em Direito Constitucional pela UFF e especialista em Políticas Públicas e Economia pela Universidade de Oxford.

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