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Violência política de gênero - Conhecer para combater

A violência política de gênero é uma realidade global e que tem tido um vertiginoso crescimento. Mais que nunca precisamos saber o que é e como combater para protegermos e viabilizarmos candidaturas femininas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Atualizado às 14:50

Após mais de quatro anos ainda continuamos sem respostas sobre o assassinato brutal de Marielle Franco. Uma deputada foi assediada por outro deputado em plena Assembleia Legislativa em São Paulo. Há poucos dias, a vice-presidente da Argentina sofreu uma tentativa de assassinato com uma arma apontada e engatilhada em sua cabeça. Diversas parlamentares brasileiras recebem ameaças em virtude de seu gênero e do cargo que ocupam, ameaças que se estendem aos seus filhos, pais, amigos.

A violência política de gênero é uma realidade global e que tem tido um vertiginoso crescimento, especialmente com a ascensão de discursos neofascistas. Segundo dados do Inter-Parliamentary Union, 82% das mulheres na política sofreram algum tipo de violência psicológica, 44% já sofreram ameaças de morte, estupro, sequestro, lesão corporal. 26% sofreram efetivamente algum tipo de violência física.1

No Brasil, em recente levantamento realizado pelo jornal Globo mostra que 87,5% das candidatas já sofreram violência política de gênero. 93,3% acham que a violência política de gênero afasta mulheres da política, 61,9% nunca denunciaram e 42,3% nunca denunciaram porque acham que o agressor não será punido.2

A violência política ofende sistematicamente a democracia ao impedir que mulheres exerçam seus cargos, ao impedir a participação plena na vida política, ao encurtar mandatos por meio de perseguições, ameaças, violências físicas e psicológicas. Tal tipo de violência é a soma dos vetores do patriarcado, resultado de um sistema que não tolera mulheres, principalmente aquelas que estão no poder.

Os dados apresentados nos mostram os grandes desafios enfrentados por mulheres na política, principalmente ao observarmos que toda a organização social, tal como a conhecemos, é fruto de desleais e contínuas violações, explorações e desigualdades de gênero. Em verdade, a violência política de gênero é institucionalizada, historicamente tendenciosa a abafar as violações sofridas por mulheres. Apesar de percebermos tímidos avanços legais, como por exemplo a criação da lei 14.192/21 que define a violência política de gênero como crime, ainda há muito o que se reivindicar.

O que é a violência política de gênero

A violência política de gênero pode ser definida como toda e qualquer ação ou omissão que, baseada no gênero, provoque danos ou sofrimentos a mulheres e que tenha tal conduta o intuito de prejudicar, anular, invisibilizar, menosprezar o gozo e exercício político de mulheres, incluindo-se a violência verbal, física, sexual, moral, econômica ou simbólica, conforme determina o art. 3º da Lei Modelo CIM/OEA.3

No Brasil o marco legal da criminalização desse tipo de conduta foi a lei 14.192/21 que criou normas para prevenir, reprimir e combater a violência política de gênero, sendo definida tal agressão como:

Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.
Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.4

Nomear e tipificar esse tipo de violência é essencial para avançar no debate e no combate dessas condutas ilegais, bem como para que se possa efetivamente fazer um monitoramento para a posterior implementação de políticas públicas pertinentes, eficazes para uma modificação do paradigma que se encontra centrada a cultura política atual, cujo cerne é o sistema patriarcal.

Como comprovar?

Sabemos que nem sempre é viável que a vítima de violência política consiga ter acesso a meios de prova, no entanto, é extremamente relevante que se junte o máximo possível para que se possa formular uma denúncia consistente. Dentre os principais meios de comprovação estão:

  • Vídeos - se for possível, filme a agressão ou, caso alguém tenha presenciado e filmado, solicite a filmagem. Também vale a pena conferir nas proximidades alguma câmera de rua ou de segurança para que se solicite uma cópia;
  • Fotos;
  • Áudios;
  • Print - caso o crime tenha ocorrido em ambiente virtual é importante a captura da tela como meio de comprovação;
  • Depoimento de testemunhas.

A denúncia pode ser feita apenas com a palavra da vítima, no entanto, um conjunto probatório robusto facilitará a investigação e a posterior punição do criminoso.

Como denunciar

A denúncia pode repercutir nas esferas constitucional, administrativa, eleitoral e criminal, podendo ser realizada pela vítima ou por qualquer outra pessoa que tenha tomado conhecimento da violência política cometida.

Os principais canais de denúncia no caso de violência política de gênero são:

  • Central de atendimento à mulher - disque 180;
  • Ligar diretamente para o Ministério da Mulher - contato via aplicativo WhatsApp (61) 99656-5008;
  • Denunciar por meio do aplicativo "Direitos Humanos BR";
  • Denunciar por meio do site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
  • Denunciar por meio do site do TSE; 
  • Representação criminal.

A violência política de gênero é uma forma cruel de exclusão e muitas vezes de violação física da mulher no ambiente político. É altamente aconselhável que a vítima esteja acompanhada de uma boa advogada para que possa lhe orientar de forma efetiva e segura.

Um exemplo da importância da atuação da advocacia criminal na defesa da vítima se refere à solicitação de medidas cautelares e de medidas de proteção que pode ser solicitada tanto via eleitoral quanto jurisdicional. É possível, ainda, requerer indenização, retratação pública das ofensas sofridas, restituição ao cargo que deixou em virtude da violência política de gênero, dentre outras modalidades de reparação.

Sob a perspectiva da advocacia criminal eleitoral, é possível solicitar a redução do financiamento do agressor, o cancelamento do registro da candidatura, a interrupção de sua propaganda eleitoral, a restituição dos direitos políticos violados e até mesmo a indenização.

Nós, mulheres, precisamos lutar para juntas alterarmos o cenário político misógino e violento que o Brasil se inseriu nos últimos tempos. Deixo, aqui, uma brilhante frase de Marielle Franco para que nos lembremos sempre de ter força e, principalmente, de resistirmos:

"A gente sabe que a gente está ativa, está militando, está resistindo o tempo todo." (Marielle Franco)

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https://www.ipu.org/resources/publications/issue-briefs/2018-10/sexism-harassment-and-violence-against-women-in-parliaments-in-europe

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2022/08/de-tentativas-de-mordaca-a-ameacas-de-morte-violencia-politica-contra-mulheres-chega-a-31-registros-em-um-ano-no-mpf.ghtml

https://www.oas.org/en/cim/docs/ViolenciaPolitica-LeyModelo-ES.pdf

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.192-de-4-de-agosto-de-2021-336315417

Fernanda Fenelon

Fernanda Fenelon

Advogada criminalista, professora de Direito Penal, palestrante e escritora.

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