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Parcelamento tributário na recuperação judicial é direito e faculdade do devedor

O parcelamento tributário durante processos de Recuperação Judicial é uma faculdade concedida ao devedor, e não lhe pode ser imposto pelo ente público, ou Juízo falimentar.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Atualizado às 13:52

A questão que versa sobre o crédito tributário nos processos de Recuperação Judicial ganhou novos contornos com a promulgação da lei 14.112/20, que trouxe mudanças e inovações ao sistema de insolvência no Brasil, normatizado pela Lei 11.101/05. No que tange o tratamento do crédito tributário, é importante desde logo compreender que este se dará de uma forma nos processos recuperatórios, e de forma diversa nos processos falimentares, consoante disposições legais.

Impende destacar, ainda de forma preambular, que a legislação vigente, acima destacada, significou um avanço considerável em relação ao antigo decreto-lei 7.661/45, que regulamentou a insolvência no Brasil por longos anos.

É certo que o antigo decreto-lei possuía uma perspectiva voltada à questão falimentar, com caráter até certo ponto, punitivo, se podemos assim dizer, enquanto a lei 11.101/05 e seus novos mecanismos legais para cuidar do soerguimento empresarial passa a tratar a insolvência sobre outro prisma, qual seja aquele da preservação da empresa e sua função social, o que ficou ainda mais evidente com as reformas trazidas pela lei 14.112/20.

Neste cenário, passando à análise do fator tributário e sua relevância nos processos de Recuperação Judicial, o presente artigo busca demonstrar, mesmo que de forma simplificada, que o devedor, ou seja, aquele cujo pedido de Recuperação Judicial foi deferido pelo Juízo Universal, poderá optar pelo parcelamento tributário oferecido pelo ente federal, estadual ou municipal, e que esta é uma faculdade da Recuperanda, e não das Fazendas.

Vejamos que, consoante dispõe o Enunciado 55, da I Jornada de Direito Comercial, "o parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da lei 11.101/05 e no art.191-A do CTN".

Este também é o entendimento jurisprudencial dominante sobre a questão no panorama atual do instituto da Recuperação Judicial, bem como da doutrina especializada, que tende a abordar o tema no que tange à exigência de Certidões Negativas de Débito Tributário para concessão da Recuperação Judicial, o que, também já está sendo pacificado no sentido da flexibilização na aplicação do art. 57 da lei 11.10/05.

Neste sentido, nas palavras do professor Marcelo Sacramone, a questão não demanda maiores discussões, senão vejamos: 

"Entretanto, além da complexidade do sistema tributário, que pode tornar dificultoso mesmo o conhecimento das obrigações tributárias acessórias e principais, a mora de sua cobrança pelo ente fiscal aliada à impossibilidade de requerimento de falência, da não suspensão do fornecimento dos fatores de produção indispensáveis para a manutenção da atividade, como trabalho ou matérias-primas, como ocorreria com os demais credores, os tributos acabam por ser os primeiros créditos a não serem satisfeitos pelo empresário em crise. A exigência de apresentação da Certidão Negativa de Débito Tributário para a concessão da recuperação judicial, assim, tornaria inviável, na prática, o instituto da recuperação ao impor ônus excessivo ao devedor. Outrossim, criaria tratamento privilegiado à União, aos Estados e Municípios, pois condicionaria a possibilidade de reestruturação de todos os outros créditos à regularidade de do débito tributário. Referido tratamento privilegiado, contudo, não seria justificável". (SACRAMONE, Marcelo, 2021).

É dizer, portanto, que não é necessária apresentação de CND pela devedora para que a concessão da Recuperação Judicial ocorra, em caso de aprovação do PRJ, isso porque representa verdadeira afronta aos princípios da LRF (art. 47), que visa o soerguimento empresarial, já que é uma imposição que põe a devedora em dificuldade de regularização e em situação desfavorável frente ao fisco, que não pode ter tratamento diferenciado dos credores concursais submetidos ao feito, há de se respeitar, também, a par conditio creditorum.

Desta feita, ultrapassada a questão da CND que, talvez seja uma das mais comentada pelos doutrinadores no momento, volvemos à questão da faculdade do devedor em aderir à programas de parcelamento tributário.

Conforme acima elucidado, é correto dizer que o devedor, ou Recuperanda, poderá aderir aos programas de parcelamento tributário oferecidos pelas Fazendas a nível federal, estadual e municipal. Contudo, é importante frisar que não caberá aos entes federais impor esta condição à empresa, tampouco ao Juízo Universal, neste aspecto temos uma questão interessante, pois o Juízo falimentar deve por certo fiscalizar as atividades do devedor, mas não pode influenciar em questões negociais da empresa.

Outro ponto relevante se dá ao considerarmos a função do Administrador Judicial neste quesito, afinal, este deve munir o Juízo falimentar com informações mensais, os chamados relatórios mensais das atividades da Recuperanda, no qual em conjunto com a perícia contábil apontará qual o nível de endividamento da empresa, dentre outras informações.

Dito isso, cabe trazer à baila a discussão de que o Administrador Judicial, muito pela ampliação de suas funções mediante a nova legislação falimentar, poderia relatar também ao Juízo quanto à questão tributária da empresa, o que por consequência lógica auxiliaria o Magistrado no momento da decisão de homologação e concessão da Recuperação Judicial.

Conclui-se, portanto, que aderir ou não aos programas de parcelamento tributário oferecidos pelos entes públicos é uma faculdade do devedor, que não pode ser compelido ao ato, nem pelo ente público, ou pelo Juízo falimentar. Contudo, é prudente que o Administrador Judicial acompanhe de perto as questões tributárias envolvendo a empresa devedora, sempre em conjunto à perícia contábil, haja vista que o relato da auxiliar do Juízo sobre a questão servirá como base para eventuais decisões no âmbito do processo recuperatório.

Rafael Faria

Rafael Faria

Advogado; Bacharel em Direito e Relações Internacionais; Especialista em Recuperação Judicial e Falência; Graduando MBA Gestão de Negócios e LL.M em Direito Empresarial - IBMEC; Mediador de Conflitos.

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