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Políticas públicas urgentes e mais que necessárias

É preciso fazer recortes nessa imensidão de necessidades da população que o Poder Público não consegue resolver.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Atualizado às 13:46

Estudo da Unesp e USP mostra que 12% da população se autodeclara LGBTI+

Recente levantamento feito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista científica Nature Scientific Reports, mostra que no Brasil 12% da população se autodeclara LGBTI+, o que representa aproximadamente 19 milhões de brasileiros, de acordo com dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

E o que dizer sobre esse recorte da população brasileira? Dezenove milhões são autodeclarados, mas certamente são milhares mais que não assumem a sexualidade publicamente. De todo modo, é uma parcela expressiva da sociedade que, portanto, tem direito ao respeito e, acima de tudo, de garantias do Estado.

Infelizmente, de acordo com o levantamento, essa é uma parte da população que também mostra índices altíssimos como vítimas de violência, ou seja, a perturbadora sombra da discriminação e da intolerância que deixa, ainda, marcas pesadas e estigmas nas pessoas LGBTI+.

Vale lembrar do que nos manda a Constituição de 1988, no art. 5º: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". E no inciso X, está garantida a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Entre tantas outras garantias fundamentais constitucionalmente garantidas no país. 

O Brasil a cada dia se mostra uma nação dividida entre o conservadorismo radical e o progressismo, haja vista as últimas eleições nacionais. Todavia, o Estado tem deveres e não pode excluir nenhuma parcela da população sob nenhum pretexto ideológico e de crença, tampouco político.

Existe grave carência de políticas públicas voltadas aos direitos sociais e fundamentais, é sabido, especialmente voltadas à saúde e educação. Índices alarmantes mostram que o câncer de mama leva milhares de mulheres a óbito, bem como homens em decorrência do câncer de próstata, por exemplo.

Mas, para além disso, é preciso fazer recortes nessa imensidão de necessidades da população que o Poder Público não consegue resolver. Um deles são as políticas públicas para lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e demais identidades de gênero. O Brasil amarga uma triste realidade de ser o país em que há mais mortes de pessoas trans no mundo. A violência contra LGBTI+ cresce a olhos vistos em um cenário hostil a qualquer pessoa que não se encaixe no dito "tradicional".

Equiparar a homofobia ao racismo pelo Judiciário é válido e necessário, mas está longe do ideal de proteção que essa população precisa. É urgente que se estabeleça uma legislação específica e federal que puna a discriminação pela orientação sexual e identidade de gênero tanto no âmbito civil como no penal.

O drama das pessoas trans no sistema de saúde

O acesso à saúde no Brasil tem ali um dos seus maiores desafios e nele inclui-se o atendimento digno à população LGBTI+, em especial, às pessoas trans.

Uma mulher trans que deseje realizar a cirurgia de redesignação sexual pelo SUS espera, em média, dez anos para conseguir uma vaga. Isso leva muitas delas a usarem meios ilegais e perigosos para adequar seu corpo à sua identidade de gênero, como, por exemplo, o uso de silicone industrial nos seios, nádegas e rosto, o que pode causar danos irreversíveis à saúde e levar até à morte. Já homens trans tem imensas dificuldades de atendimento ginecológico, pois muitos médicos se recusam a atendê-los ou o sistema informatizado não permite a marcação de consulta em razão do preenchimento do gênero. O quadro se agrava mais quando esse homem trans engravida e necessita de acompanhamento pré-natal.

É fundamental que haja políticas públicas específicas para essas pessoas no sistema de saúde pública (e particular também), afinal, não se trata de crença pessoal, de opinião, de religião o que quer que seja, trata-se de direito constitucionalmente garantido, de direito social e fundamental, de respeito à cidadania.

Profissionais que se recusam a atender LGBTI+ em qualquer segmento tem de ser punidos administrativamente e responsabilizados civilmente por isso.

Passou da hora de o Brasil ter sua população usada e manipulada por caprichos políticos, preferências pessoais e falsos moralismos. É o momento de se tornar um país sério que respeita a sua Constituição e se alicerça nos princípios do Estado Democrático de Direito.

E para aqueles que têm dificuldade de entender o Estado Democrático de Direito, ele determina que o poder do Estado não pode se sobrepor ao direito do cidadão, pois tem por fim coibir os abusos estatais em relação aos indivíduos. Por isso os direitos fundamentais garantem a autonomia e as liberdades individuais e limitam o poder estatal sobre elas.

Valeria Nagy

Valeria Nagy

Advogada. Ex-Coordenadora de Políticas Públicas para a Diversidade na Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania do Governo de São Paulo. Pós-graduada em Processo Civil. MBA em Direitos Sociais.

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