Direito da saúde: responsabilidade do poder público no fornecimento de medicação de alto custo
Responsabilidade solidária dos entes-públicos na garantia do direito à tratamentos de alto custo.
quinta-feira, 24 de novembro de 2022
Atualizado às 11:24
O Direito à saúde é dever do Estado, garantido na Constituição Federal, que assim diz:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (artigo 196, CF 1988).
A norma transcrita enuncia direito subjetivo do particular correspondente a um dever jurídico estatal. Na classificação da doutrina constitucionalista, norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, conforme disposto no art. 5, §1 da CF, independendo de qualquer ato legislativo, aguardando-se tão somente a efetivação pela Administração Pública.
Além disso, no artigo 198 da Carta Magna, fica estabelecido como serão disponibilizados tais serviços, vejamos:
As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
II- Atendimento integral, com a prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
O Ministro Celso de Mello, ao ser Relator no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 393175/RS, conferiu a máxima efetividade à Constituição Federal quando reconheceu que:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integralidade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público a quem incumbe formular e implementar, políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir, aos cidadãos acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico- hospitalar. O direito à saúde- além de qualificar se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMATICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 que tem os destinatários todos os entres políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado Brasileiro- não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substitui, de maneira ilegítima o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado".
O STF sempre se mostrou reativo ao realçar a necessidade de preservação da vida e da saúde das pessoas carentes, consagrando e aplicando o princípio da dignidade humana.
A polêmica da atualidade está centralizada no Tema 793 do STF que se trata do julgamento de um Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º e 198 da Constituição Federal, a existência, ou não, de responsabilidade solidária entre os entes federados pela promoção dos atos necessários à concretização do direito à saúde, tais como o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados.
Sabe-se que os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Assim, ao que parece, o STF tem se posicionado e reinterpretado o Tema 793 em decisões recentes, determinando o litisconsórcio passivo necessário. Nesse caso, a competência para o ingresso da ação pleiteando o direito à saúde, seria da Justiça Federal, já que a participação da União no processo, seria obrigatória.
Todavia, tais decisões não tem encontrado relevância no caso concreto.
Assim, o cidadão ao pleitear seu direito ainda pode optar por demandar contra o município ou contra o Estado, ou contra os dois em um mesmo processo.
Em uma Ação de Obrigação de Fazer de entregar medicação de alto custo para o tratamento de câncer, na qual, sou a procuradora, ingressei contra o Município de Auriflama e contra o Estado de São Paulo, obtendo uma decisão liminar que assim ordenou:
Quanto à eventual obrigatoriedade do Poder Público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, nos autos do RE n.º 1.657.156 - RJ(2017/0025629), submetido ao procedimento de recurso representativo da controvérsia, o E. Superior Tribunal de Justiça assentou a seguinte tese (Tema 106): TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii)incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii)existência de registro na ANVISA do medicamento.
O medicamentos possuem registro na ANVISA. Nisso reside a plausibilidade do direito invocado. Já a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação se consubstancia no risco à vida do autor, sobretudo diante da gravidade da doença. Por fim, os pareceres técnicos junto ao "Nat-Jus" são favoráveis ao fornecimento dos fármacos em questão. Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar aos requeridos que forneçam ao requerente, no prazo de até 15 dias, os medicamentos IPILIMUMABE e NIVOLUMABE, conforme tratamento médico recomendado, sob pena de bloqueio de verba pública.
No entanto, município e Estado não quiseram cumprir a Decisão liminar, o que acarretou o bloqueio da verba pública em aproximadamente R$300.000,00 (trezentos mil reais).
Ao Agravarem tal decisão, por reconhecerem a incompetência do juízo, o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi pela Responsabilidade Solidária, ou seja, o Juiz Estadual não deverá declinar a competência nas ações em que versarem sobre o direito à saúde até o julgamento final do Incidente de Assunção de Competência de tema idêntico.
Assim, Estado e município foram obrigados a fornecerem a medicação, e meu cliente está realizando seu tratamento paliativo com o intuito de prolongar a sua vida.
O processo acima relatado é o de no 1000412-59.2022.8.26.0060, e ainda aguarda sentença. Mas o que importa, é poder ver que a Constituição ainda está sendo cumprida.
O Direito da saúde é encantador, poder ajudar pessoas a terem dignidade e restabelecerem sua saúde é fascinante.
Importante frisar que, o Direito não socorre aos que dormem. Assim, necessário buscar o judiciário, quando seu direito não está sendo cumprido administrativamente.


